Acórdão nº 583/05.9TYLSB.L1-PICRS de Tribunal da Relação de Lisboa, 26-09-2022

Data de Julgamento26 Setembro 2022
Ano2022
Número Acordão583/05.9TYLSB.L1-PICRS
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam em conferência, na Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão, do Tribunal da Relação de Lisboa



1.–Por despacho de 14.3.2022 (referência citius 41391786), proferido pelo 5.º Juízo da Secção de Comércio do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa (doravante também Tribunal de primeira instância ou Tribunal a quo), foi declarada deserta a instância executiva nos termos do artigo 281.º n.º 5 do CPC (Código de Processo Civil).

2.–O digno Magistrado do Ministério Público /recorrente/ exequente, requereu fosse dada sem efeito a deserção da instância (cf. requerimento de 16.3.2022/referência citius 31993708). O que foi indeferido por despacho de 21.3.2022 (referência citius 414174420).

3.–Inconformado, o digno magistrado do Ministério Público interpôs recurso do despacho que julgou deserta a instância, mencionado no parágrafo 1 (cf. referência citius 32092710), pedindo seja:

“(...) revogado o despacho recorrido e substituído por outro em que se convide o Exequente, nos termos do artigo 3º do C.P.C., a vir pronunciar-se sobre a falta de impulso nos presentes autos, sob pena da aplicação do artigo 281º do C.P.C.”.

4.–Nas suas conclusões, o recorrente invocou, em síntese, que:
  • Em 8.4.2005, o Ministério Público, em representação da Autoridade da Concorrência, instaurou execução, contra a sociedade comercial denominada Irmãos Costa Pais, S.A., para pagamento de quantia certa, no valor de 13.716,45€, referente ao remanescente de coima que lhe havia sido aplicada no âmbito do processo de contraordenação nº 76/01;
  • Foi nomeado agente de execução;
  • Em 14.3.2019, o Ministério Público promoveu a notificação da DGCI (Direcção Geral dos Impostos), para penhora dos créditos fiscais decorrentes de IVA ou outros impostos, de que a executada fosse titular;
  • O Tribunal ordenou a penhora promovida, por despacho judicial que foi notificado em 18.9.2019 ao agente de execução, mas não foi notificado ao exequente/Ministério Público;
  • Não ocorreu nenhum desenvolvimento processual entre esta notificação e a prolação do despacho recorrido;
  • O recorrente não foi notificado pelo agente de execução, nem pelo Tribunal, que o processo ficaria a aguardar o seu impulso;
  • O despacho recorrido violou os princípios do contraditório e da cooperação, em particular, infringiu o disposto nos artigos 3.º, 6.º, 7.º e 281.º do CPC.

5.–Não houve citação prévia à penhora e não foram ainda penhorados bens ou direitos pelo que, de acordo com a forma processual aplicável (cf. infra parágrafo 20), ainda não foi atingida a fase da citação da executada e, portanto, esta não foi notificada para contra-alegar, correndo este recurso ex parte – cf. artigos 812.º - A (dispensa de despacho liminar) e 812.º B (dispensa de citação prévia), do Código de Processo Civil então em vigor (DL 329-A/95 de 12.12), aditados pelo DL 38/2013 de 8.3 e posteriormente revogados pelo DL 236/08 de 20.11.

Delimitação do âmbito do recurso

6.–Tem relevância para a decisão do recurso a seguinte questão:

A.–Pressupostos da deserção da instância executiva, princípios do contraditório e da cooperação e dever de gestão processual

Factos que o Tribunal leva em conta com base nos termos processuais a seguir mencionados

7.–Em 8.4.2005, o Ministério Público, em representação da Autoridade da Concorrência, instaurou execução contra a sociedade comercial denominada Irmãos Costa Pais, S.A., para pagamento de quantia certa, no valor de 13.716,45€, referente ao remanescente de coima que lhe havia sido aplicada no âmbito do processo de contraordenação nº 76/01 – cf. título executivo junto à versão impressa dos autos a fls. 4 a 8 do volume I.

8.–Em 31.5.2005, o agente de execução aceitou a nomeação, tendo ao longo do processo remetido aos autos pelo menos três relatórios das diligências feitas para penhora, todas elas infrutíferas – cf. referências citius 237984, 496293, 502921 e 632360

9.–Em 13.2.2012, o agente de execução lavrou auto negativo por não ter sido possível proceder à penhora ordenada, nem ter sido citada a executada – cf. referências citius 722205, 713815, 711839, 711835 e 710513

10.–Em 20.4.2013 o agente de execução consultou o registo comercial – cf. referência citius 760240

11.–Entre 1.9.2013 e 5.2.2015 os autos aguardaram impulso do exequente e/ou informação do Tribunal – cf. referências citius 795789, 2176888 e 2176921.

12.–Em 7.3.2017 foi aberta vista ao digno Magistrado do Ministério Público que promoveu que os autos aguardassem por 60 dias pelas diligências que estava a efectuar – cf. referência citius 364065733.

13.–Em 21.2.2019 foi aberta vista ao digno magistrado do Ministério Público que promoveu a penhora de créditos fiscais da executada, o que foi ordenado por despacho judicial de 25.3.2019 – cf. referências citius 384388274 e 385394355.

14.–Em 19.9.2019 a promoção e o despacho judicial mencionados no parágrafo anterior foram notificados ao agente de execução – cf. referência citius 390006296

15.–O despacho que ordenou a penhora, referido no parágrafo 13, não foi notificado ao exequente antes de ter sido declarada deserta a instância – cf. referências citius 390006296 e 41391786.

16.–Por despacho de 14.3.2022, o Tribunal recorrido declarou deserta a instância executiva nos termos do artigo 281.º n.º 5 do CPC – referência citius 41391786.

17.–Entre o despacho que ordenou a penhora e o despacho que julgou deserta a instância não foi realizado nenhum acto processual – cf. referências citius 390006296 e 41391786.

Disposições legais relevantes

18.–São as seguintes as disposições legais com maior relevo para a decisão do recurso:

Lei 41/2013 de 26 de Junho

Artigo 6.º
Ação executiva
1–O disposto no Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei, aplica-se, com as necessárias adaptações, a todas as execuções pendentes à data da sua entrada em vigor.
2–Nas execuções instauradas antes de 15 de setembro de 2003 os atos que, ao abrigo do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei, são da competência do agente de execução competem a oficial de justiça.
3– O disposto no Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei, relativamente aos títulos executivos, às formas do processo executivo, ao requerimento executivo e à tramitação da fase introdutória só se aplica às execuções iniciadas após a sua entrada em vigor.
4– O disposto no Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei, relativamente aos procedimentos e incidentes de natureza declarativa apenas se aplica aos que sejam deduzidos a partir da data de entrada em vigor da presente lei.

Código de Processo Civil aprovado pela Lei 41/2013 de 26 de Junho ou CPC novo

Artigo 3.º
Necessidade do pedido e da contradição
1– O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição.
2– Só nos casos excecionais previstos na lei se podem tomar providências contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida.
3– O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
4– Às exceções deduzidas no último articulado admissível pode a parte contrária responder na audiência prévia ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final.

Artigo 6.º
Dever de gestão processual
1–Cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável.
2– O juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo.

Artigo 7.º
Princípio da cooperação
1–Na condução e intervenção no processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio.
2– O juiz pode, em qualquer altura do processo, ouvir as partes, seus representantes ou mandatários judiciais, convidando-os a fornecer os esclarecimentos sobre a matéria de facto ou de direito que se afigurem pertinentes e dando-se conhecimento à outra parte dos resultados da diligência.
3–As pessoas referidas no número anterior são obrigadas a comparecer sempre que para isso forem notificadas e a prestar os esclarecimentos que lhes forem pedidos, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 417.º.
4–Sempre que alguma das partes alegue justificadamente dificuldade séria em obter documento ou informação que condicione o eficaz exercício de faculdade ou o cumprimento de ónus ou dever processual, deve o juiz, sempre que possível, providenciar pela remoção do obstáculo.

Artigo 220.º
Notificações oficiosas da secretaria
1– A notificação relativa a processo pendente deve considerar-se consequência necessária do despacho que designa dia para qualquer ato em que devam comparecer determinadas pessoas ou a que as partes tenham o direito de assistir; devem também ser notificados, sem necessidade de ordem expressa, as sentenças e os despachos que a lei mande notificar e todos os que possam causar prejuízo às partes.
2– Cumpre ainda à secretaria notificar oficiosamente as partes
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