Acórdão nº 580/21.7PILRS.L1-3 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-04-26

Ano2023
Número Acordão580/21.7PILRS.L1-3
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os juízes da 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


I–Relatório


Inconformada com a decisão que a condenou como autora material de um crime de um crime de furto, na forma consumada, previsto e punível pelo artigo 203.º, n.º 1, na pena parcelar de 4 (quatro) meses de prisão, efectiva e um crime de homicídio qualificado na forma tentada, previsto e punível pelos artigos 22.º, 23.º, 73.º, 131.º, e 132.º, n.ºs 1 e 2, alínea j), todos do Código Penal, na pena parcelar de 9 (nove) anos de prisão, efectiva e, finalmente, em cúmulo jurídico das penas aludidas parcelares e ao abrigo do disposto no artigo 77º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, na pena única de 9 (nove) anos de prisão a presentou-se a recorrer neste Tribunal da Relação a arguida MJS, com os sinais nos autos, formulando, após motivações, as seguintes conclusões:
A.–A Arguida foi condenada, em cúmulo jurídico, na pena única de 9 anos de prisão.
B.–Entende-se que a pena aplicada é manifestamente desproporcionada, violando as normas contidas nos comandos que integram os art. 40°, 70° e 71° do CP.
C.–A Arguida reconheceu e assumiu os factos de que vinha acusada, quer no primeiro interrogatório quer na Audiência de Julgamento,
D.–Sem prejuízo de não se recordar de alguns factos, em resultado da patologia que padece.
E.–Ou seja, a Arguida teve uma postura colaborante para a descoberta da verdade material, fornecendo informação processual aos autos, de livre e espontânea vontade.
F.–In casu, apesar do grau de ilicitude ser elevado, entende-se que deverá ser tido em consideração o facto de a Arguida ter um nível de consciência alterado e com autocontrolo diminuído – conforme extraído dos relatórios periciais, elementos clínicos e inclusivamente do relatório de perícia médico-legal – psiquiatria remetidos aos autos,
G.–Nomeadamente, no relatório de perícia médico-legal, extraem-se, entre outras, as seguintes informações: (i)-A Arguida padece de anomalia Psíquica, designada como Perturbação da Personalidade de tipo Borderline; (ii)-Essa anomalia trata-se de uma construção patológica da personalidade estabelecendo-se durante a formação da mesma. Admite-se estar estabelecido o diagnóstico desde os 18 anos de idade; (iii)-Tal anomalia é de carácter duradouro e dificilmente modificável; (iv)-A perturbação de personalidade de tipo borderline é caracterizada, entre outros aspectos, por baixa tolerância à frustração e impulsividade. Essas características determinam uma maior predisposição a gestos auto e heteroagressivos; (v)-No caso da examinanda, existem poucos factores protectores que permitam conter a perigosidade (para gestos impulsivos, incluindo auto e heteroagressividade), que se considera aumentada; (vi)-A perturbação da personalidade acima descrita trata-se, como referido, de um padrão de funcionamento e traços de personalidade anómalos, mas não uma doença psiquiátrica que implique a perda da capacidade de avaliação intacta da realidade nem de agir de acordo com essa avaliação.
H.–Significa isto dizer, que resulta da patologia que foi diagnosticada à Arguida que se trata de uma pessoa instável e emocionalmente imatura, apresentando alguma capacidade de impulsividade, incluindo, heteroagressividade.
I.–Entende-se que não foi devidamente valorado pelo Tribunal a quo a situação patológica mental da Arguida, nomeadamente, o estado e capacidade mental da Arguida à data dos factos – isto é, se a Arguida se encontrava capaz de avaliar a ilicitude dos mesmos.
J.–A este propósito, extrai-se do relatório de perícia médico-legal o seguinte: “... De forma a melhor substanciar a resposta aos quesitos que referem a existência de surtos psicóticos, cujo indício não encontramos, mas que não se pode terem ocorrido (e ter remitido entretanto), solicita-se acesso à informação clínica dos hospitais onde é descrito ter estado internada (Hospital de Santa Maria, Hospital Beatriz Ângelo e Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa), para elaboração de relatório final – situação que nunca veio a acontecer e que era essencial para o presente caso.
K.–A Arguida devido à patologia que padece já esteve mais do que uma vez sujeita a internamentos.
L.–Pese embora, o resultado obtido na perícia às faculdades mentais realizado à Arguida, tenha concluído pela sua imputabilidade, não podemos deixar de salientar, que em prejuízo da questão da determinação da doença mental da Arguido — perturbação antissocial da personalidade — não ter o senhor perito, tendo por base os quesitos que lhe foram endereçados, se pronunciado sobre esta doença e qual o impacto da mesma no cometimento do ilícito criminal.
M.–Nesta parte, e salvo melhor opinião, andou mal o Acórdão recorrido, pelo que deve ser valorada, na determinação da medida da pena, a questão da doença de que padece a Arguida, situação essa que foi valorada negativamente e que por isso, nessa parte deve ser reparada, e contabilizado esse factor, positivamente, na esfera jurídica da Arguida.
N.–A Arguida apresenta uma forte censura quanto ao crime que cometeu e um grande e eterno remorso pelo que fez, culpa que carregará para o resto da sua vida, apresentando-se consciente das consequências que advieram da sua conduta, o que manifesta um juízo de prognose favorável á sua reintegração.
O.–O facto de se encontrar presa preventivamente desde o dia 2/11/2021, data da prática dos factos ilícitos, fê-la repensar na sua vida e desenvolver a capacidade de procurar alterar as suas atitudes, identificando claramente os comportamentos e hábitos que deve alterar para mudar de vida, demonstrando um esforço sério para iniciar o seu processo de reintegração na sociedade, estando submetida a diversos tratamentos médico-medicamentosos, cujo escopo será a sua integral reabilitação (no estabelecimento prisional onde está detida).
P.–A longo prazo de reclusão a que a Arguida será submetida, pela prática do crime que foi condenada, interfere irremediavelmente com a progressão positiva que se espera obter com a imposição dos tratamentos medicamentosos, a que se tem sujeitado.
Q.–Ora, um individuo, que por si já sofre de perturbação antissocial da personalidade, que regista um afastamento quase total da sociedade em geral, se submetido a um longo período de tempo em reclusão, todo o esforço de recuperação do doente será posto em causa com a aplicação de uma pena privativa da liberdade, que contenda com um período razoável para a sua integração e progressivo convalescença na doença.
R.–Cremos que a medida de prisão a aplicar deverá durar o tempo estritamente necessário para que essa privação não contenda com a doença de que padece e que não agrave irremediavelmente a sua situação anti-social, porquanto, se pretende uma estabilização da Arguida quanto à patologia diagnosticada e se, até nos serviços prisionais se medica aquela para contrariar essa doença, não pode o Tribunal descurar que o excesso de tempo de reclusão frustre a acção medicamentosa.
S.–Se associar a reclusão a que a Arguida será sujeita (e que já sucede) ao tratamento e ao afastamento de quaisquer outras pessoas externas ao estabelecimento prisional, facilmente se pode concluir que todo o esforço ressocializador pode desmoronar-se se o primeiro vector, não for revisto em termos de duração.
T.–Não pode o julgador fazer tábua rasa dos factos e conclusões extraídas dos elementos juntos aos autos, não se trata só de fazer com que as finalidade das penas, principalmente o efeito ressocializador, seja alcançado, mas também, deveria o Tribunal a quo, ter tido em consideração, aquilo que para si foram aspectos obliterados e que muita importância tem como é o caso da recuperação mental da Arguida, fazendo com que seja salvaguardada e recuperada durante esse período, sem que o factor cumprimento de pena de prisão, esteja a ombrear com a recuperação da Arguida.
U.–A culpa e a prevenção são os dois termos do binómio com que importa contar para o desenho da medida da pena, a culpa por um lado, traduz-se na censura jurídico penal que funciona como fundamento e limite inultrapassável da medida da pena (cf. art. 40º, nº 2 CP).
V.–O recurso à prevenção geral reflecte-se na determinação dos anseios da sociedade na punição face ao comportamento delituoso, mas também, não se pode olvidar neste contexto, a prevenção especial, que aspira responder ás exigências de socialização e inserção do agente delitivo, em razão de uma integração digna no meio social.
W.–Salvo opinião superior, no que concerne ao quantum da pena aplicada pelo Tribunal a quo à Arguida, houve, violação do disposto no art. 71° do CP.
X.–Ou seja, sendo apreciados todos os factores acima elencados, facilmente se conclui que a pena de prisão aplicada se mostra demasiado desajustada para obter os fins e finalidades das penas, e em concreto, a recuperação da Arguida.
Y.–Assim, e salvo melhor opinião, entendemos que a pena de prisão aplicada deverá ser substituída por pena inferior, mais próxima do mínimo legal, pois, apenas dessa forma, se realizará de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, e a reintegração do agente na sociedade.
Z.–Deverá ainda ser considerado pro V. Exas. o tempo já decorrido de prisão preventiva sofrido pela Arguida (diga-se, desde 2/11/2021), bem como, o facto de a mesma não ter quaisquer antecedentes criminais averbados no seu registo criminal, o que denota que a mesma não tem qualquer apetência criminal.
AA.–Em suma, a pena aplicada à Arguida é manifestamente excessiva e por isso desproporcional e desajustada à sua conduta por se encontrar demasiado próxima da moldura penal máxima prevista, e o Tribunal a quo não tomou em consideração as circunstâncias atenuantes acima mencionadas, pelo que, deverão as mesmas serem consideradas nos termos dos art. 40º, nº 1 2 nº 2 e 70º e 71º do CP, e a pena de prisão a aplicar à Arguida deverá ser mais próxima do mínimo legal.
Nestes termos e nos melhores de
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