Acórdão nº 5794/18.4T8LRS-B.L1-4 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2024-03-20

Data de Julgamento20 Março 2024
Ano2024
Número Acordão5794/18.4T8LRS-B.L1-4
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa
Relatório

Neste processo nº 5794/18.4T8LRS do J2 do Juízo do Trabalho de Loures, em que figura como autor/sinistrado AA e como ré/seguradora Liberty Seguros, S.A., após a sentença absolutória da ré ter transitado em julgado e após ter sido proferida (em 29/3/2023 sob a refª. 156330473) decisão condenatória do autor como litigante de má-fé, veio este (em 20/4/2023 sob a refª. 45346494) arguir a nulidade desta última decisão (nos seguintes termos que se transcrevem):
«AA, Autor, nos autos acima melhor identificados, notificada do despacho de fls., datado de 29/03/2023, com a referência nº 156330473, vem, muito respeitosamente, nos termos dos artigos 195º e seguintes do C.P.C., arguir a nulidade do mesmo, o que faz como segue:
1º - Em 15/02/2023 foi proferido Acórdão no âmbito dos presentes autos.
2º - Tendo em 24/03/2023 transitado em julgado.
3º - Em 29/03/2023, e já após trânsito em julgado da decisão, foi proferido o seguinte despacho:
O tribunal fez constar da sentença que ponderava apreciar da litigância de má fé do autor, face ao disposto no art.º 542º, n.º 2, alíneas a) e b), do Código de Processo Civil, concedendo prazo ao autor para se pronunciar, querendo. O autor não o fez. Cumpre apreciar.
Dispõe o art.º 542.º do Código de Processo Civil: «Responsabilidade no caso de má-fé - Noção de má-fé
1 - Tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
2 - Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão. (…)».
Como resulta da decisão proferida sobre a matéria de facto, em particular das respostas dadas aos temas da prova 8 a 12, provou-se que o acidente em causa nos autos ocorreu em circunstâncias diversas das relatadas pelo autor tanto na petição inicial como em audiência final, pelas razões que se fizeram constar da fundamentação da matéria de facto, decisão que foi confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa. Não apenas não se provou a versão do autor no que concerne às circunstâncias de tempo e lugar em que sofreu o acidente (alegadamente no tempo e local de trabalho), como se provou versão diversa a respeito da sua dinâmica, incompatível com o enquadramento factual dado na petição inicial, o qual visava o seu enquadramento no tempo e local de trabalho. Resulta, pois, manifesto, que o autor, pelo menos, alterou a verdade de factos essenciais para a decisão da causa, tendo agido de forma intencional ou, pelo menos, com negligência grave, pois não podia ignorar que o fazia. Litigou, pois, com má fé, devendo por isso ser condenado em multa.
Nos termos do art.º 27º, n.ºs 3 e 4, do RCP, nos casos de condenação por litigância de má fé a multa é fixada entre 2 UC e 100 UC, sendo o montante fixado pelo juiz, tendo em consideração os reflexos da violação da lei na regular tramitação do processo e na correcta decisão da causa, a situação económica do agente e a repercussão da condenação no património deste.
Considerando os critérios do art.º 27º, n.º 4, do RCP, aqui se incluindo as condições económicas do autor que se inferem dos factos provados e os reflexos do seu comportamento na regular tramitação do processo, o tribunal entende adequado e proporcional fixar a multa em montante aproximado do limite mínimo previsto na lei, embora dele se afastando, isto é, em 7 (sete) unidades de conta.
Notifique.”
Com efeito,
4º - Dispõe o artigo 613º, do C.P.C, o seguinte:
“1- Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.
2- É lícito, porém, ao juiz retificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença, nos termos dos artigos seguintes.
3- O disposto nos números anteriores, bem como nos artigos subsequentes, aplica-se, com as necessárias adaptações aos despachos.”
5º - A jurisprudência tem sido unânime em afirmar que a apreciação da má-fé da parte e a sua condenação em multa e indemnização, por via da actuação na lide na fase que antecedeu a sentença, não pode o juiz relegá-las para depois da sentença, embora já não assim quanto à fixação do quantitativo da indemnização, caso o processo, na elaboração da sentença, o não habilite a determina-lo.
6º - Neste caso, não se tratando de uma conduta superveniente relativamente à sentença, com a prolação desta, que não apreciou da relevância da conduta da parte em sede de litigância de má-fé, fica esgotado o poder jurisdicional relativamente a essa matéria.
7º - Após a sentença nenhuma conduta teve o Autor que motivasse a sua condenação a título de litigante de má-fé.
8º - Nessa decorrência o despacho proferido enferma, pois, de vício de nulidade, uma vez a senhora Juiz, conheceu de questão, pós prolação de sentença e após trânsito da mesma. (art.º 613º, nº 1, do C.P.C.)
9º - A apreciação da má-fé a condenação em multa e indemnização não pode o juiz relegá-las para depois da sentença.
10º - Era nesta que devia ter decidido se o litigante procedeu de má-fé; era aí que, em caso afirmativo, o devia condenar como tal em multa.
11º - Assim, assumindo a conduta processual da parte contornos que a permitam qualificar como litigância de má-fé, tem o Juiz que o declarar e proferir a consequente decisão de condenação, na sentença.
12º - Em regra, o poder jurisdicional do julgador esgota-se com a prolação da decisão, conforme decorre do estatuído no artigo 613º, nº 1, do CPC, ao dispor que «proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.”
13º - Delimitando o âmbito e a justificação do princípio da extinção do poder jurisdicional, explica o Prof. Alberto dos Reis que:O alcance é o seguinte: O juiz não pode, por sua iniciativa, alterar a decisão que proferiu; nem a decisão, nem os fundamentos em que ela se apoia e que constituem com ela um todo incindível. [Cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, Volume V – reimpressão - Coimbra, Coimbra-Editora, 1984, pgs. 126-127, em anotação ao artigo 666.º do CPC/39, em tudo idêntico, na parte que agora releva, ao nº 1 do citado artigo 613º do CPC atual.
Ainda que, logo a seguir ou passado algum tempo, o juiz se arrependa, por adquirir a convicção de que errou, não pode emendar o seu suposto erro. Para ele a decisão fica sendo intangível.
Convém atentar nas palavras «quanto à matéria da causa». Estas palavras marcam o sentido do princípio referido. Relativamente à questão ou questões sobre que incidiu a sentença ou despacho, o poder jurisdicional do seu signatário extinguiu-se.
Mas isso não obsta, é claro, a que o juiz continue a exercer no processo o seu poder jurisdicional para tudo o que não tenda a alterar ou modificar a decisão proferida. O juiz pode e deve resolver as questões e incidentes que surjam posteriormente e não exerçam influência na sentença ou despacho que emitiu. (...) A razão pragmática consiste na necessidade de assegurar a estabilidade da decisão jurisdicional”.
14º - Como tal, revela-se evidente que o despacho que condenou o Autor como litigante de má-fé na multa de 7 UC (sete unidades de conta) não apreciou nem decidiu questão ou questões sobre que tenham incidido decisão anterior é, portanto, nulo!
15º - Em suma, não tendo conhecido da questão da litigância de má fé na sentença, a Mma. Juíza não podia conhecer dessa questão depois de ter sido a mesma proferida e já transitada em julgado, por tal lhe estar vedado pelos artigos 607º, nºs 1 e 2, 608º, nº 2 e 613º, nº 1 do Código de Processo Civil, pelo que a decisão proferida depois da sentença sobre essa questão é nula.
16º - O despacho com a referência nº 156330473, datado de 29/03/2023 enferma, pois, do vício da nulidade acima identificada, na medida em que, proferida sentença e já tendo a mesma transitado em julgado, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do Juiz. (art.º 613º, nº 1 do C.P.C.).
Nulidade que, desde já, para os devidos e legais efeitos se argui.»
Tendo sido foi proferido o seguinte despacho (em 26/5/2023, sob a refª. 156877386 que se transcreve na íntegra):
«Requerimento de 20/04/2023
Através do requerimento em apreço, vem o autor arguir a nulidade do despacho que conheceu da questão da litigância de má fé, invocando que o mesmo foi proferido após o trânsito em julgado do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa e que proferida a sentença fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz. Invoca que a jurisprudência tem sido unânime em afirmar que a apreciação da má-fé da parte e a sua condenação em multa e indemnização, por via da actuação na lide na fase que antecedeu a sentença, não pode o juiz relegá-las para depois da sentença, embora já não assim quanto à fixação do quantitativo da indemnização, caso o processo, na elaboração da sentença, o não habilite a determiná-lo. Como não foi sancionada uma conduta superveniente à sentença, estava esgotado o poder jurisdicional do juiz, razão pela qual, conclui, o despacho em apreço enferma do vício de nulidade.
Apreciando.
É certo que, nos termos do art.º 613º, n.º 1, do Código de Processo Civil, proferida a sentença fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, sem prejuízo da apreciação das questões tratadas no n.º 2 do art.º 613º e nos artigos 614º a 616º do mesmo diploma.
Uma das causas de nulidade das sentenças e dos despachos verifica-se quando o juiz, incorrendo
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