Acórdão nº 573/22.7T8STS.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2024-01-30

Ano2024
Número Acordão573/22.7T8STS.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
PROCESSO N.º 440/14.8TBOAZ.P1

[Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo de Comércio de Santo Tirso - Juiz 3]

Relator: Fernando Vilares Ferreira

Adjuntos:

Rui Moreira

Anabela Andrade Miranda

SUMÁRIO:

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EM NOME DO POVO PORTUGUÊS, acordam os Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação do Porto:

I.

RELATÓRIO

1.

Em 22.02.2022, AA e mulher, BB, apresentaram-se à insolvência e requereram que lhes fosse concedida a exoneração do passivo restante, nos termos do disposto no art. 236.º do Código de Insolvência e de Recuperação de Empresas (CIRE)[1], comprometendo-se a observar todas as condições legais exigidas para o efeito.

2.

Por sentença de 28.02.2022, os Apresentantes/Devedores foram declarados em situação de insolvência, tendo então sido concedido prazo aos credores para se pronunciarem a respeito do pedido de exoneração do passivo restante.

3.

Em 09.09.2022 o Tribunal solicitou à Sra. Administradora da Insolvência (AI) a emissão de parecer acerca do pedido de exoneração, do que resultou pronúncia no sentido de se justificar o indeferimento liminar da pretensão.

4.

Em 28.04.2022 foi proferido despacho que declarou o encerramento do processo, por insuficiência da massa insolvente, nos termos do art. 232.º, nºs 1 e 2, assim como declarou o caráter fortuito da insolvência, ao abrigo do preceituado no art. 233.º, n.º 6.

4.

Foram, entretanto, levadas a cabo diligências tendentes ao esclarecimento de factos com vista a proferir decisão sobre o incidente.

5.

Em 14.10.2023 foi proferida decisão, com o seguinte dispositivo:

[Face a todo o exposto, e ao abrigo do art.º 238.º/1/alíneas d) e e), do CIRE, decide-se indeferir liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante formulado pelos devedores insolventes.]

6.

Não se conformando com a decisão de indeferimento liminar, os Insolventes interpuseram o presente recurso de apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo, assente nas seguintes CONCLUSÕES:

1.ª – Vem o presente recurso interposto da decisão de indeferimento liminar da exoneração do passivo restante oportunamente requerida pelos Insolventes nos autos supra e à margem referenciados, vertida no douto despacho proferido com a ref.ª eletrónica nº 452543644, por entenderem os Apelantes que a mesma promove uma errada interpretação e aplicação do Direito vigente, que redunda numa solução materialmente injusta e injustificada, que se impõe seja alterada;

2.ª – A douta decisão em crise foi feita assentar num conjunto de inferências e suposições que, de nenhum modo, se crê lícito extrair dos factos provados, e extrapolando da realidade efetivamente demonstrada nos autos um juízo de intenções que o Tribunal não tem como sindicar e, muito menos, como considerar demonstrado para efeitos de fundamentação da decisão judicial;

3.ª – A situação de insolvência declarada nos autos advém, essencialmente, das responsabilidades assumidas pelo Insolvente marido no contexto da gerência temporariamente exercida na sociedade “A..., Ld.ª”;

4.ª – O Insolvente marido já não integrava os órgãos sociais da identificada sociedade desde 22.04.2020, encontrando-se alheado da decisão dos respetivos destinos, como tal, há mais de um ano no momento em que a mesma foi declarada insolvente;

5.ª – Os Insolventes não tiveram qualquer participação no processo de insolvência da dita sociedade, desconhecendo em absoluto os respetivos trâmites;

6.ª – Inexistem nos presentes autos quaisquer elementos de que se possa inferir que os Insolventes conheciam a extensão do património da identificada sociedade e, bem assim, o respetivo valor comercial;

7.ª – À data em que promoveram a venda do respetivo imóvel, os Insolventes não tinham ainda sido interpelados para o pagamento de qualquer dos créditos societários por si avalizados;

8.ª – A dita sociedade sempre contou, desde a sua constituição, com outra gerente, que era igualmente garante pessoal dos respetivos débitos e cujo património também responderia pelos direitos dos credores societários;

9.ª – Atentos os factos tidos por provados, não pode aceitar-se as meras suposições indemonstradas – em que a douta decisão em crise foi feita assentar – de que, no momento em que decidiram alienar o imóvel sua propriedade, os Insolventes estariam inteirados da situação económica da sociedade “A..., Ld.ª”, bem como da insuficiência do respetivo património para fazer face às obrigações por si avalizadas, e ainda da intenção dos credores societários em executar as garantias pessoais por si prestadas;

10.ª – Se a douta decisão em crise é infundada quanto ao Insolvente marido, ainda mais o é em relação à Insolvente mulher, que nunca teve qualquer relação com a sociedade “A..., Ld.ª”, de que nunca foi gerente, sócia ou, sequer, trabalhadora, sendo absolutamente alheia à respetiva atividade e à condução dos seus destinos;

11.ª – A douta decisão em crise não distingue as responsabilidades societárias a que um e outro dos Insolventes se encontram pessoalmente vinculados, nem o seu grau de contacto com a realidade da dita empresa, limitando-se a apreciar a conduta de um e de outro de forma indistinta, por forma a indeferir o respetivo pedido, indiferenciadamente, em relação a ambos;

12.ª – Os pressupostos de indeferimento liminar da exoneração do passivo restante, conforme prescritos no art. 238º, nº 1 do C.I.R.E., obrigam a que a respetiva verificação seja apreciada e se demonstre em relação a cada um dos visados por tal decisão;

13.ª – A douta decisão proferida não especifica o momento a partir do qual entende verificada a situação de insolvência, por forma a justificar a aplicação do disposto no art. 238º, nº 1, al. d) do C.I.R.E.;

14.ª – A douta decisão agora proferida é manifestamente contraditória com a tramitação processual precedente, sendo que em nenhum momento foi peticionada a qualificação da presente insolvência ou impugnada a douta decisão que, já em 28.04.2022, a declarou como fortuita, assim como nunca foi requerida, ordenada e/ou promovida a resolução da venda em apreço;

15.ª – A douta decisão em crise viola a disposição conjugada dos arts. 235º e 238º, nº 1, ambos do C.I.R.E., que deveriam ter sido interpretados e aplicados no sentido de obrigar à efetiva prova da verificação de tais pressupostos e numa apreciação promovida em relação a cada um dos Insolventes.


*

Pediram a revogação da decisão sob recurso e a substituição por outra que admita liminarmente a pretensão de exoneração do passivo restante.

7.

Não foram apresentadas contra-alegações.

II.

OBJETO DO RECURSO

Considerando as conclusões das alegações apresentadas pelos Apelantes, e visto o preceituado nos artigos 635.º, n.º 4, 637.º, n.º 2, 1.ª parte, e 639.º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPCivil), o que importa apreciar e decidir nesta instância de recurso é se existe fundamento de direito para revogar a decisão da 1.ª instância, que indeferiu liminarmente o requerimento de exoneração do passivo restante.

III.

FUNDAMENTAÇÃO

1.

OS FACTOS

Tidos com relevância para a decisão, o Tribunal a quo julgou provados os factos que se seguem, os quais não foram objeto de impugnação pelos Apelantes:
a) Os devedores apresentaram-se à insolvência em 24.02.2022, alegando da forma exarada na petição inicial junta aos autos (cujo teor aqui damos por reproduzido por razões de brevidade processual), tendo a sentença de declaração de insolvência sido proferida em 28.02.2022.
b) O processo veio a ser declarado encerrado por insuficiência da massa insolvente, por despacho exarado aos 28.04.2022, na decorrência da proposta nesse sentido feita verter pela administradora da insolvência, no relatório que juntou aos autos, ao abrigo do art.º 155.º do CIRE.
c) No mencionado relatório a que alude o art.º 155.º do CIRE, a administradora da insolvência, Dr.ª CC, deu conta de que a situação insolvencial dos devedores se prendeu fortemente com a circunstância de o insolvente marido ter prestado avais pessoais à sociedade onde exerceu funções de sócio-gerente - “A..., Lda.” – encontrando-se a serem interpelados para cumprir tais obrigações, tornando dessa forma impossível a manutenção de uma situação pessoal de solvência, e que os mesmos se encontravam a residir na casa que havia sido propriedade dos mesmos até 17.09.2021, sendo certo que não possuem património imobiliário registado em seu nome, pelo menos desde 17.09.2021, altura em que foi alienado por escritura datada de 17.09.2021, pelo montante global de € 179.000,00 – com distrate de hipotecas a favor da Banco 1... pelo montante de € 122.935,68 – tendo ainda sido pagos custos da mediação do imóvel no valor de € 11.008,50, assim concluindo que soçobrou a favor dos insolventes o montante de € 45.055,82, cujo destino haverá que ser justificado e explicado pelos insolventes, mais tendo esclarecido que dentro das suas competências funcionais não iria resolver tal negócio a favor da massa insolvente atento o desconhecimento de qualquer relação entre as partes e considerando o valor da venda, tudo como flui do teor da exposição com a ref.ª 41861330, que aqui se dá por integralmente reproduzida.
d) Aos 19.08.2021, AA e BB, por um lado, e DD e EE, por outro, declararam por escritura pública intitulada “Contrato Promessa de Compra e Venda com Eficácia Real”, aqueles primeiros prometerem vender aos segundos, pelo preço de cento e setenta e nove mil euros, livre de quaisquer ónus ou encargos e devoluto de pessoas e bens o imóvel composto por fracção autónoma designada pela Letra B, composta por cave para garagem e arrumos, rés do chão e andar para habitação e logradouro a poente do prédio, situada a sul da fracção A, inscrita na matriz sob o artigo ......, sito no Lugar ..., união de freguesias ... (... e ...), concelho da Trofa, descrito sob o número dois mil quinhentos e setenta e nove de ..., e que sobre o referido imóvel estão...

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