Acórdão nº 5707/19.6T8VNG.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-03-24

Ano2022
Número Acordão5707/19.6T8VNG.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Recurso de Apelação
ECLI:PT:TRP:2022:5707.19.6T8VNG.P1
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Sumário:
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Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório:
AA, contribuinte fiscal n.º ..., e mulher BB, contribuinte fiscal nº ..., residentes em ..., instauraram acção judicial contra CC, contribuinte fiscal n.º ..., e DD, contribuinte fiscal nº ..., residentes em Vila Nova de Gaia, pedindo que se declare resolvido o contrato-promessa de compra e venda celebrado entre as partes e se condenem as rés a pagar aos autores €20.000,00 que estes lhes entregaram a título de sinal no referido contrato promessa.
Para fundamentar o seu pedido, alegaram, em súmula, que prometeram comprar às rés e estas prometeram vender-lhes dois prédios, tendo a celebração do contrato prometido sido subordinada à condição de os autores obterem financiamento bancário para a compra prometida e como eles não conseguiram obter o financiamento essa condição não foi concretizada, razão pela qual resolveram o contrato, reclamando a devolução do sinal.
As rés foram citadas e apresentaram contestação, impugnando os factos alegados, defendendo a improcedência da acção e reconvindo.
Para o efeito, alegaram, na parte que aqui interessa, que era obrigação dos autores marcar a escritura do contrato prometido, o que não fizeram, que os autores conheciam o estado em que os prédios se encontravam e as rés desconhecem o que eles pretendiam fazer nos prédios, que o Banco não negou o financiamento aos autores, apenas manifestou que seria necessário fazer démarches no sentido de ultrapassar contingências de outra ordem, que num aditamento ao contrato foi acordado pela partes que cabiam aos autores os custos e a responsabilidade do licenciamento das construções existentes num dos prédios, o qual passou a ser também condição do negócio, sabendo as rés que os autores chegaram a realizar diligências nesse sentido das quais desistiram optando por comunicar a resolução do contrato.
Com fundamento nesses factos as rés deduziram ainda reconvenção pedindo a condenação dos autores no perdimento para as rés do valor do sinal entregue.
Replicaram os autores, defendendo a improcedência da reconvenção e alegando, entre outras coisas, que todos os contactos foram feitos com o mediador imobiliário, o qual, entre Janeiro e Agosto de 2018, foi-lhes dizendo sempre que a escritura pública não podia ser celebrada porque o processo de legalização dos prédios ainda não estava concluído. Mais alegaram que em Agosto de 2018 este foi ter com os autores ao seu restaurante, na hora de maior movimento, para eles, nas palavras do mediador, assinarem o novo contrato-promessa, com as datas actualizadas para a celebração da escritura, tendo os autores confiado na palavra dele e assinado o documento sem hesitar, só mais tarde se apercebendo que tinham assinado uma alteração que lhes imputava a responsabilidade de legalizar os prédios, o que jamais aceitaram e nunca foi discutido ou negociado.
Realizado o julgamento foi proferida sentença, tendo a acção sido julgada procedente, declarado definitivamente resolvido o contrato-promessa e as rés condenadas a restituir aos autores a quantia de €20.000,00 de sinal, e a reconvenção sido julgada improcedente, absolvendo-se os autores do pedido reconvencional.
Do assim decidido, as rés interpuseram recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
1- O contrato promessa dos autos observou a forma escrita, foi assinado pelas partes, não foi impugnada a sua autenticidade nem a genuinidade da letra e assinaturas, tendo que ser julgadas as declarações negociais nele insertas, como verdadeiras.
2- Face ao artigo 393.º do Código Civil tais declarações negociais não poderiam ser abaladas pela prova testemunhal nem por confissão, (provas com dignidade inferior) como aconteceu in casu.
3- Não resulta do teor do contrato promessa que os autores tenham pedido um financiamento bancário no valor de 80.000,00€, mas apenas que iam solicitar um financiamento bancário.
4- O financiamento seria diferido com base na avaliação bancária para um valor de financiamento de 60.000,00€, o que originaria a concretização do negócio, já que os autores tinham entregue 20.000,00€ de capitais próprios.
5- Não se mostrando o valor de 80.000,00€ de financiamento expresso nos termos do contrato, tal condição considerada essencial não pode ser imposta às rés, pois dela não tiveram conhecimento quando outorgaram o contrato.
6- Não se verifica, assim nos termos em que foi julgada provada a condição resolutiva existente no contrato.
7- Não foi peticionado na lide a devolução do sinal com base em qualquer vicio de vontade na formação do contrato, sendo que tal alegação apenas foi suscitada na replica com consequente alteração do pedido.
8- Tal, alem de ser processualmente inadmissível na replica, viola também o principio do dispositivo traduzindo-se a pronuncia de tal matéria como fundamento ou motivação para a decisão como nulidade da sentença, o que se invoca.
Da reapreciação da prova gravada, […]
Com a devida vénia e subscrevendo o que o Acórdão do STJ nº 1572/12.2TBABT.E1S.1 da 1ª seção cujo relator foi o conselheiro Garcia Calejo (na parte em que refere quanto à reprodução, nas conclusões, sobre excertos da prova gravada - uma vez que não é imposta pelo art. 640 nº 1 b) do Código de Processo Civil - e cujo ónus já foi cumprido nas alegações, vamos introduzir sinteticamente os fundamentos por que se pede a alteração da decisão).
9- A testemunha EE disse e reiterou que os prédios dos autos foram visitados pelos autores pelo comercial da X... e por ele próprio varias vezes na presença daqueles, o que foi confirmado pela filha dos autores e por estes (embora com discrepância entre os depoimentos da autora mulher e do autor marido);
10- Que ainda lhes foi dito que os prédios necessitavam de ser legalizados, daí a menção de no contrato se mencionar que os mesmos eram vendidos no estado em que se encontravam e com um preço inferior ao de mercado, facto que os mesmos aceitaram e ficaram cientes;
11- Que sempre lhe foi explicado presencialmente o clausulado do contrato bem como a razão, as consequências do escrito nos posteriores aditamentos e deles ficaram cientes e concordaram;
12- Que do teor dos aditamentos se mostraram conhecedores conforme disseram em audiência, mormente quanto ao segundo aditamento a autora mulher disse que o Sr. EE lhe tinha dito que se obrigavam a custear a legalização dos prédios, depois corrigindo a sua declaração referindo que foi o marido que lhe disse e que teve receio em assinar;
13- Que tanto no caso de lhe ter sido dito directamente pelo Sr. EE, como no caso de lhe ter sido dito pelo marido, o certo é que se conclui que tanto o marido como a mulher do conteúdo da clausula na qual lhes impunha custear a legalização, foram ambos conhecedores, daí também terem manifestado receio em assinar, o que implica o correspondente conhecimento (pois só tem receio quem tem conhecimento do eventual prejuízo).
14-O facto é que quiseram manter o contrato mesmo depois de saber que o pedido de financiamento tinha sido recusado, mantendo-se ao conhecimento de todas as démarches feitas por parte da imobiliária e das rés com vista à legalização dos prédios, criando expectativas nestas que não obstante a recusa do financiamento, sempre os autores aguardariam pela legalização, não tendo destruindo o contrato, antes assinando o 2º aditamento, o que constitui flagrante abuso do direito.
15- Quanto ao distanciamento dos autores sobre o teor do contrato, as regras da experiencia comum levam a supor o contrario (não só pelo depoimento do Sr. EE que os elucidou do que estava em causa) como também pelo facto de os autores serem pessoas de meia idade, com instrução, que vivem há longos anos da actividade da restauração o que lhe dá tarimba e experiencia de vida suficientes para entenderem as consequências do que tinham assinado.
16- Foi o próprio autor que confessou ter abandonado o contrato não por não ter interesse em mante-lo, mas porque se cansou de esperar, indo ao contrario do que tinha assinado e enviando a carta rescisória, sendo, assim, o conteúdo que invocou da mesma não verdadeiro.
17- Sem prejuízo do que ficou dito antes da reapreciação da matéria de facto a Meritíssima Juiz deu especial credibilidade às declarações dos autores, e da filha destes, sendo que tanto aqueles como esta tem interesse directo na causa por motivos óbvios, e desvalorizou as declarações da testemunha EE que teve conhecimento directo dos factos e depôs de forma imparcial.
18- Em obediência ao art. 639º, nº 2, alínea a), do CPC foram violadas as seguintes normas: art. 393º do C. Civil; art. 5º, 444º, 584º, 607º nº 5, 609º, 615º, alíneas d) e e), todos do C.P.Civil.
Assim se concluindo revogando-se a douta sentença nos termos supramencionada se fará sã Justiça.
Os recorridos responderam a estas alegações defendendo a falta de razão dos fundamentos do recurso e pugnando pela manutenção do julgado.
Após os vistos legais, cumpre decidir.

II. Questões a decidir:
As conclusões das alegações de recurso demandam desta Relação que decida as seguintes questões:
i) Se a sentença recorrida é nula;
ii) Se a impugnação da decisão sobre a matéria de facto reúne os requisitos legais respectivos e, na afirmativa, tal decisão deve ser modificada;
iii) Se o contrato ficou subordinado a uma condição resolutiva e esta se verificou.

III. Os factos:
Ficaram provados os seguintes factos:
a. Por acordo denominado “Contrato Promessa de Compra e venda” celebrado no dia 10 de Janeiro de 2018 os autores, na qualidade de promitentes compradores declararam adquirir às rés, na qualidade de promitentes vendedoras pelo preço de €80.000,00 (oitenta mil euros), os seguintes prédios:
- Prédio urbano correspondente a casa de um pavimento sito na Rua ..., ..., Lugar ...,
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