Acórdão nº 5706/22.0T8CBR.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2024-02-09

Ano2024
Número Acordão5706/22.0T8CBR.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO DO TRABALHO DE COIMBRA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA)

Apelação 5706/22.0T8CBR.C1

Relator: Felizardo Paiva.

Adjuntos: Paula Roberto.

Mário Rodrigues da Silva


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Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra

I – AA; com domicílio na Avenida ..., ... A..., veio intentar a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra “B..., S.A.” com sede na Rua ..., ... ... pedindo condenação da Ré a pagar-lhe:

– €.250,00 a título de danos não patrimoniais;

– €.2.725,47 a título de compensação pelas retribuições que deixou de auferir;

– Diferença entre as retribuições que deixou de auferir até ao trânsito em julgado da sentença e os valores que vier a auferir a título de subsídio de desemprego ou retribuição quando iniciar outro trabalho;

– €.2.160,00 a título de indemnização em substituição da reintegração;

– €.97,36 a título de juros moratórios vencidos;

– Juros moratórios vincendos, à taxa legal civil, até integral pagamento.

Alegou, sumariamente que, para prestar trabalho para a Ré, celebrou com esta um contrato de trabalho sem termo, o qual veio a cessar por denúncia da Ré;

A denúncia do contrato pela Ré configura um despedimento ilícito;

Na sequência do ilícito despedimento, é credora dos créditos laborais e indemnizatórios que peticiona.


+

Frustrada a audiência de partes, contestou a ré alegando que a denúncia do contrato de trabalho é lícita, porque feita durante o período experimental, devendo a ação improceder na sua totalidade.

***

II – Dispensada a realização da audiência prévia, a identificação do objeto do litígio e a enunciação dos temas da prova, prosseguiram os autos os seus regulares termos acabando, a final, por ser proferida sentença de cujo dispositivo consta o seguinte:

“Pelo exposto, julgando parcialmente procedente a ação, o Tribunal decide:

1) Declarar que a cessação, a 11-06-2022, do contrato de trabalho celebrado entre aAutora/trabalhadora AA e a Ré/Empregadora “B..., S.A.” constitui um ilícito despedimento.

2) Condenar a Ré a pagar à Autora todas as retribuições, incluindo a retribuição de férias e os Subsídios de férias e de Natal, de acordo com o valor mensal inicial de €.720,00 ilíquidos e com as sucessivas atualizações da retribuição mínima mensal garantida, que se venceram desde 05-12-2022 e até ao trânsito em julgado da decisão final da presente ação; acrescidas de juros moratórios, à taxa legal civil, desde o vencimento de cada retribuição/subsídio até integral pagamento; sendo que ao valor final apurado a Ré deduzirá a quantia de €.3.110,10, que a Autora recebeu a título de subsídio de desemprego, e que entregará ao “ISS,I.P.”.

3) Condenar a Ré a pagar à Autora, a título de indemnização em substituição da reintegração, a quantia de €.2.280,00; sem prejuízo de indemnização superior, caso seja maior a antiguidade da Autora e/ou mais elevado o valor da retribuição mínima mensal garantida aquando do trânsito em julgado da Decisão final da presente ação; acrescida de juros moratórios, à taxa legal civil, desde o trânsito em julgado da Decisão final da presente ação até integral pagamento.

4) Absolver a Ré do demais peticionado pela Autora.

5) Condenar no pagamento das custas, a Ré, na proporção de 95%, e a Autora, na proporção de 5%, sem prejuízo da isenção de que esta beneficia”.


***

III – Não se conformando com esta decisão dela a ré veio apelar, alegando e concluindo:

A. Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou parcialmente procedente a presente ação e declarou ilícita a denúncia do contrato de trabalho celebrado entre A., ora Recorrida, e R., ora Recorrente, condenando a Recorrente no pagamento à Recorrida de todas as retribuições que se venceram desde 05.12.2022 e até ao trânsito em julgado da decisão, acrescidas de juros de mora, sendo que ao valor final apurado deverá ser deduzida a quantia de 3.110,00€ (quantia recebida pela Recorrida a título de subsídio de desemprego) e uma indemnização no valor de 2.280,00€, acrescida de juros de mora, devido à Antiguidade da Recorrida.

B. A Recorrente não pode conformar‐se com tal entendimento considerando os motivos que adiante se expõem, versando o presente recurso de apelação sobre (a.) impugnação

da decisão relativa à matéria de facto; (b.) decisão sobre aplicação do Direito por o douto Tribunal a quo, salvo melhor opinião, erradamente decidir nos presentes autos acerca da duração do período experimental aplicável ao caso concreto, tendo declarado ilícita a denúncia do contrato de trabalho, qualificando tal como despedimento ilícito; (c.) a desproporcionalidade da indemnização fixada pelo douto Tribunal a quo. Conforme se verá, a Recorrente deu pleno cumprimento aos requisitos para denunciar o contrato de trabalho celebrado entre si e a Recorrida.

C. No que concerne à matéria de facto, o douto Tribunal a quo deu como facto provado, no ponto 3. da douta sentença, que Aquando da assinatura do contrato, a Autora declarou em documento por si assinado que nunca prestou atividade profissional ao abrigo de contrato de trabalho sem termo e que nunca prestou atividade ao abrigo de um contrato a termo com duração igual ou superior a 90 dias no retalho alimentar na área de outra não especializada”.

D. Foi igualmente dado como provado nos pontos 8. e 9. da douta sentença, que a Recorrente tinha conhecimento da celebração de dois contratos de trabalho a termo incerto da Recorrida com outras entidades empregadoras, em data anterior à contratação da Recorrida pela Recorrente.

E. Baseando‐se no depoimento da testemunha BB, noivo da Recorrida, o Tribunal entendeu que a Recorrida assinou o documento “declaração para efeitos de caraterização de contrato de trabalho sem termo como de primeiro emprego” (junto à Contestação como Doc. 1) julgando que o mesmo era apenas relativo a atividade prestada anteriormente à Recorrente.

F. Ora, a testemunha BB padece de falta de isenção e credibilidade, não tendo qualquer conhecimento direto acerca dos factos aqui em apreço, uma vez que não presenciou qualquer diálogo entre a Recorrida e os colaboradores da Recorrente, não esteve presente no dia em que o contrato de trabalho entre Recorrida e Recorrente foi assinado e tem uma relação de elevada proximidade com a Recorrida.

G. A testemunha refere que a Recorrida entregou à Recorrente o seu curriculum vitae, onde constam as suas supra mencionadas experiências profissionais, e um formulário cujo conteúdo seria idêntico, porém nenhum desses documentos foi junto aos autos.

H. É notória uma clara condução da testemunha que fica evidenciada pela transcrição do seu depoimento, onde esta responde às perguntas colocadas pela Digníssima Procuradora do Ministério Público, em representação da Recorrida, com meras interjeições de “sim”, “não”, “exatamente”, que não têm qualquer valor probatório.

I. Ademais, as questões que lhe foram colocadas foram perguntas fechadas, que não permitiram à testemunha desenvolver o raciocínio acerca do que pode ou não saber, termos em que, considerando o disposto no art. 516.º n.º 3 do Código de Processo Civil, requer‐se seja declarada a invalidade do depoimento da mencionada testemunha.

J. O Tribunal a quo desconsiderou um elemento probatório pleno, documento esse assinado pela Recorrida aquando à sua contratação e no qual a mesma afirma nunca ter prestado atividade profissional ao abrigo de um contrato a termo com duração igual ou superior a 90 dias, no retalho alimentar, na área de “ou outra não especializada”.

K. Não pode a Recorrente aceitar que o Tribunal desconsidere totalmente o teor deste documento apenas baseado no depoimento de uma testemunha que não tem conhecimento direto dos factos e que não é, de todo, isenta dada a relação afetiva que mantém com a Recorrida.

L. A testemunha BB entende (faz questão de utilizar a expressão “pelo meu entendimento”) que a Recorrida assinou a mencionada declaração como resposta à pergunta “já trabalhou no B...?”, mesmo que não tenha presenciado tal momento.

M. Sucede que a Recorrida não alegou, até então, qualquer erro ou vício na declaração que assinou, não impugnou a sua assinatura nem tampouco afirmou desconhecer o seu sentido, pelo que não cabe à testemunha direcionar o seu depoimento em tal sentido.

N. Salvo o devido respeito pelo Tribunal ao quo, não pode, também, o Tribunal desconsiderar uma prova documental que é autêntica e clara, em detrimento de alegado vício que nem a própria recorrida invocou.

O. Dispõe o n.º 2 do art. 393.º do Código Civil, “Também não é admitida prova por testemunhas, quando o facto estiver plenamente provado por documento ou por outro meio com força probatória plena”.

P. Crê‐se, portanto, salvo o devido e muito respeito pelo...

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