Acórdão nº 564/19.5PIPRT.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 25-01-2023

Data de Julgamento25 Janeiro 2023
Ano2023
Número Acordão564/19.5PIPRT.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. n.º 564/19.5PIPRT.P1


Acordam em Conferência no Tribunal da Relação do Porto


O arguido AA foi condenado pela prática, em autoria material, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.ºs 1, alínea a) e nº 2, alínea a) do Código Penal na pena de dois anos e quatro meses prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo.
Ao abrigo do disposto no art.º 21.º, n.º1 da lei n.º 112/2009, foi o arguido também condenado a pagar à assistente, três mil e quinhentos euros, durante o período da suspensão da pena.
***
Inconformado, veio o arguido recorrer desta decisão, colocando em causa a decisão do Tribunal sobre a matéria de facto, contestando vários factos dados como provados e entendendo que deveriam ter sido dados como provados outros factos que se consideraram não provados.
Entende que não foi valorada prova documental junta pelo Recorrente com a sua Contestação, estando perante uma clara e notória nulidade, da omissão do Acórdão de 1ª Instância quanto à prova junta, nulidade que se argui ao abrigo do artigo 410.º do CPP.
Existe, portanto, um erro notório na apreciação da prova.
Considera ainda que os factos dados como provados sob o nºs 1 a 3, 5 a 9, 11, 13, 16, 18, 20, 21, 27 a 29, 32, 33, 36, 40, 41 e 48 a 53, jamais poderiam determinar uma condenação por um crime de violência doméstica, sendo notória a contradição entre a fundamentação e a Decisão Final.
Resulta assim, que os depoimentos das testemunhas eram insuficientes para a decisão da matéria de facto dada como provada, inexistindo matéria suficiente que sustente a formação da convicção vertida no Acórdão, sendo fraca ou inexistente, a prova atribuída às declarações da Assistente e do depoimento do Pai da Assistente.
Conclui que se verifica, conforme resulta do número 2 do artigo 410.º do CPP, “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão” e “erro notório na apreciação da prova” e que foi violado o Princípio do In Dubio Pro Reo.
No fundo, entende, pois, o arguido que o Tribunal a quo julgou incorrectamente alguns aspectos da prova produzida e que o mesmo deveria ser absolvido da prática do citado crime de violência doméstica.
***

Consta da decisão recorrida, na parte que aqui nos interessa, o seguinte:
« Discutida a causa resultaram provados os seguintes factos:
1- O arguido é piloto da aviação da T....
2- A assistente é professora Universitária.
3- A assistente BB e o arguido iniciaram uma relação de namoro em data não concretamente apurada do mês de outubro de 2007, tendo a assistente vivido com o arguido em Cascais antes do matrimónio.
4- Em data não concretamente apurada mas no mês de Fevereiro ou Março de 2008, estando o arguido constipado, a assistente insistiu para que fossem jantar com amigos e porque o estado de saúde daquele piorou foi-lhe diagnosticada uma gripe virica, o arguido culpou a ofendida que insistiu em sair e ir jantar, mostrando-se também desagradado pois já não poderia ir em serviço ao Brasil .
5- Por várias vezes e em datas não concretamente apuradas o arguido disse à ofendida “ eu cuido de ti, não precisas de trabalhar dessa forma por tão pouco, eu recebo bem, não há necessidade de fazeres tantos esforços”.
6- O arguido e assistente casaram em .../.../2009, tendo fixado residência em Cascais, desse casamento nasceu a .../.../2011 , o filho de ambos CC.
7- No verão de 2009, estando o arguido a maior parte do tempo fora, em trabalho, a assistente manifestou a intenção de ir passar uns dias de férias com os pais a Vila Nova de Cerveira tendo o arguido lhe dito “ não vais , o teu lugar é aqui, a cuidar desta casa”, mas não impediu a arguida de ir passar férias com os seus progenitores, o que não aconteceu por vontade da assistente.
8- No Natal de 2009, o arguido e assistente combinaram previamente que passariam tal época festiva com os pais da assistente, o arguido colocou entraves a que viessem para o Porto àquela hora porque tinha chegado do trabalho e precisava de descansar, tendo saído de Cascais apenas pelas 20h chegando apenas às 24h a casa dos pais da assistente após insistência da assistente, que nesse dia se sentiu angustiada e triste.
9- A assistente – que é professora universitária na faculdade ... – esteve durante o verão de 2010 a trabalhar na sua tese de doutoramento.
10- Em data que não pode precisar mas no ano de 2010 o casal compareceu em dois casamentos de amigos da assistente, o arguido, sentiu-se mal, com problemas gástricos, de imediato culpou a assistente por tal pois ele preferia não ter ido a nenhum dos eventos e por forma a evitar conflitos, a assistente recusou convites posteriores.
11- No dia 19 de Agosto de 2010 a assistente e o arguido vieram ao Porto pois a primeira tinha de entregar a tese de doutoramento, o arguido dormiu até depois da hora de almoço, razão pela qual aquela só entregou a tese no período da tarde.
12- Após muitas discussões relacionadas quase todas elas com a vinda da assistente a casa dos seus progenitores, no dia 3 de Setembro de 2010, o casal decidiu separar-se mas a assistente não teve coragem para tal, mantendo-se junto do.
13- No dia 8 de Setembro de 2010 – dia de aniversário dos 60 anos do pai da assistente – o arguido ficou em Lisboa e decidiu não ir ao aniversário do pai assistente e sabia que tal conduta iria ser causar tristeza à sua esposa, mas não a impediu de vir ao Porto festejar o aniversário do progenitor.
14- O arguido chegou atrasado aos eventos sociais da família nomeadamente na inauguração da exposição de pintura da progenitora da ofendida, em 15 de Outubro de 2010; no ano seguinte, na Páscoa, o casal chegou ao almoço de família em casa da tia da assistente, apenas pelas 17h.
15- O arguido, em datas que não foi possível apurar disse à assistente “ tens de cortar o cordão umbilical, não tens nada que ir para o Porto”.
16- No dia 19 de Agosto de 2011 - véspera de apresentação da tese de doutoramento da assistente – o arguido telefonou-lhe, por várias vezes, dizendo-lhe “estás já no Porto, porque tenho de ir, porque não posso ficar em casa a descansar”, o arguido acabou por se deslocar para o Porto e acabou por estar presente.
17- Em Fevereiro de 2011 o casal foi passar um fim de semana ao Alentejo, oferta dos pais da assistente, o arguido, sofreu um novo problema gástrico, voltou a culpar aquela, recusou sair do quarto e impediu também que a mesma saísse, após a primeira noite regressaram a casa, em Cascais.
18- No dia 7 de Setembro de 2011 a assistente fez a apresentação pública de um livro de sua autoria, no ... de ..., contando com a presença do então Bispo do Porto, o arguido esteve presente no exterior com o filho não tendo entrado na sala de conferências.
19- Em data não apurada mas quando a assistente estava grávida de 6 meses, durante uma discussão, na casa em Cascais, por motivos relacionados com o facto da assistente querer vir ao Porto, o arguido arremessou um livro à barriga da assistente que teve de se desviar não lhe tendo acertado na barriga em tal ocasião a assistente ficou assustada e triste.
20- A assistente teve indicação do médico para que se apresentar no Hospital 1 ... no dia 17 de Maio de 2011, pelas 09h, para se preparar para o nascimento do filho, facto que comunicou ao arguido, este porém disse que precisava de dormir e apenas levou a assistente ao hospital pelas 12h.
21- O filho do casal, CC , nasceu nesse dia pelas 21h e foi a mãe da assistente quem ficou a dormir no hospital, prestando apoio à mesma.
22- Na primeira semana de vida do filho do casal , encontrando-se o arguido e a assistente a jantar na casa de morada de família ,porque o menor, filho de ambos, não parava de chorar, a assistente dirigiu-se ao quarto tendo o arguido agarrado a assistente pelos braços e dizendo-lhe “ não entras que ele ganha manhas”, referindo-se ao filho de ambos, e mesmo contra a vontade do arguido a assistente acabou por entrar no quarto, tendo o filho de ambos chorado por tempo não concretamente apurado.
23- Após tal data e durante cerca de um mês e meio a assistente ficou a dormir no quarto do filho, sendo que o arguido não prestava qualquer apoio, apesar de o médico ter recomendado àquela que repousasse.
24- Os pais da assistente, que se encontravam em Lisboa, em casa de familiares, apenas se podiam deslocar para a residência do casal, após as 15h, para prestar apoio à assistente, pois o arguido não permitia que fossem mais cedo, alegando que precisava de dormir.
25- Em Setembro de 2011 a assistente passou a trabalhar a partir de casa, mantendo o menor aos seus cuidados, tinha empregada apenas de tarde pelo que lhe era difícil conciliar o trabalho com as lides domesticas e apoio ao menor, o arguido, quando se encontrava em casa, alegava que precisava de descansar e dizia “também tenho de tratar as minhas coisas”, por tal motivo, a assistente viu-se obrigada a contratar uma baby-sitter mesmo nos dias em que o arguido se encontrava em casa.
26- O arguido por diversas vezes dizia à assistente e em datas não concretamente apuradas “ não sei para que servem as tuas igrejas, aquilo que fazes não serve para nada, eu não ando a dar aulinhas, eu levo vidas comigo, comando um bicho que vale milhões… mulher de piloto não trabalha, mulher de piloto está em casa à espera do marido”.
27- Em data que não foi possível apurar mas no inicio do ano de 2012 o arguido teve um problema num pulso e por tal teve de fazer sessões de fisioterapia.
28- Em data que não foi possível apurar mas durante o mês de Março ou Abril de 2012 o arguido foi submetido a uma intervenção cirúrgica ao nariz,
29- Em data não concretamente apurada mas durante o mês Abril ou de Maio de 2012 a assistente foi convidada para dar aulas na faculdade..., sendo que o arguido não se opôs a que viessem viver para
...

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