Acórdão nº 563/20.4T8SSB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2023-06-15

Ano2023
Número Acordão563/20.4T8SSB.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora

Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
I – Relatório
1. AA intentou acção declarativa, sob a forma comum, contra Via Sport – Comércio de Automóveis, Lda., pedindo a condenação da R. a pagar-lhe “a quantia de € 5.000,00 correspondente ao valor da compra e venda, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento, acrescido das despesas no valor de € 774,69 e da indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 1.000,00, num total de € 6.774,69 (seis mil setecentos e setenta e quatro euros e sessenta e nove cêntimos)”.

2. Para tanto, alegou, em síntese, que:
- Comprou à R. o veículo automóvel, que identifica, pelo valor de € 5.000,00;
- Ainda antes da compra e venda foram identificadas pela A. algumas avarias, tendo ficado acordado que a R. suportaria o custo da reparação, mas que esta não pagou integralmente;
- Posteriormente detectou outras avarias, no limpa vidros do pára-brisas e no travão automático, que constituem defeitos de funcionamento do veículo, tendo dado delas conhecimento à R., que se recusou a custear a reparação do travão;
- Como o veículo não tem travão manual, estando o travão automático avariado, o veículo não fica travado em segurança, o que obriga a A. a colocar uma pedra ou tijolo junto aos pneus de modo a imobiliza-lo;
- No dia 26/08/2019 o veículo avariou na A5, tendo sido rebocado para a oficina “Feu Vert”, onde foi diagnosticada uma avaria no motor, de que a A. deu conhecimento à R.;
- O arranjo teria o valor entre € 800,00 e € 1.000,00, se implicasse troca de peças, ou um valor superior se fosse necessária a substituição do motor;
- Foi, então, acordado entre A. e R. que esta devolveria à A. a quantia de € 4.000,00 e pagaria à oficina o valor do orçamento e o custo da reparação, acordo este que a R. não cumpriu, apesar das solicitações por escrito que lhe dirigiu.
- A oficina deslocou o veículo para local desconhecido da A., não o devolvendo sem receber o valor correspondente ao período de “parque”;
- A A. está privada do uso do veículo, tendo suportado as despesas que especifica, no total de € 774,69; e
- Perdeu tempo nas inúmeras deslocações que fez para resolver o problema, estando nervosa, apreensiva e desiludida com a situação retratada, o que lhe provoca desgaste psicológico com o sucedido.
Invoca, assim, o seu direito à resolução unilateral do negócio e a ser indemnizada pelo valor que despendeu na aquisição do veículo, com as despesas realizadas, e por danos não patrimoniais.

3. A R. foi citada e apresentou contestação, mas a contestação foi desentranhada, por extemporaneidade (cf. despacho de 18/02/2022).

4. Foram declarados confessados os factos alegados na petição inicial (cf. artigo 567º, n.º 1 do Código de Processo Civil) e notificados os Mandatários das partes para alegarem por escrito, o que fizeram.

5. Após, veio a ser proferida sentença, na qual, declarando-se o direito à resolução do contrato pela A., decidiu-se julgar a acção procedente, por provada e, em consequência:
«… condenar a R., Via Sport – Comércio de Automóveis, Lda., a pagar à A., AA, a quantia de € 5.000,00 correspondente ao valor da compra e venda, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento, acrescido das despesas no valor de € 774,69 e da indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 1.000,00, num total de € 6.774,69 (seis mil setecentos e setenta e quatro euros e sessenta e nove cêntimos)».

6. Inconformada interpôs a R. o presente recurso, que fundamentou, concluindo nos seguintes termos:
1.ª Salvo o devido respeito que é muito a ora Apelante não concorda com a decisão sob recurso.
2.ª Desde logo é nula a decisão uma vez que condenada a Apelante no pagamento da quantia de 5.000,00 € referente ao valor da venda do veiculo automóvel, a sentença não declarou a restituição da viatura e o cancelamento do registo, pelo que a mesma é nula face ao disposto no art 615 nº1 alínea d) do CPC, porquanto não se pronunciou sobre matéria de que tinha de se pronunciar.
3.ª Assim, a presente decisão violou o disposto na alínea d) do art 615 do C.P.C. e 290º do C.C.
4.ª Trata-se de um vício formal, em sentido lato, traduzido em error in procedendo ou erro de actividade que afecta a validade da sentença.
5.ª Esta nulidade está directamente relacionada com o Artigo 608º, nº2, do Código de Processo Civil, segundo o qual “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”
6.ª Ora, não pode a douta sentença condenar a Apelante ao peticionado, mantendo-se a Apelada como proprietária da viatura, isto, porque, estaríamos, assim, perante um enriquecimento sem causa ao abrigo das disposições constantes no artigo 473º e seguintes do Código Civil.
7.ª Salvo o devido respeito que é muito andou mal o Mmº Juiz quando na douta sentença sob recurso deu como provado todos os factos articulados pela Apelada, quando os factos alegados nos artigos 23º, 28º, 29º e 41º da petição inicial não deveriam ter sido dados como provados uma vez que a Apelada não juntou qualquer prova.
8.ª Pelo que deverão os factos alegados nos artigos 23º, 28º, 29º e 41º da petição inicial ser declarados como não provados atenta a falta de prova dos autos.
9.ª Como também não pode ser dado como prova que a Apelada sofreu danos não patrimoniais no valor de Eur.1.000,00 € (mil euros), uma vez que não foi junta qualquer prova.
10.ª Bem como que a Apelada teve despesas no valor global de 774,64 €, uma vez que não juntou quaisquer comprovativos de pagamento.
11.ª Entende a Apelante, que estamos perante a chamada confissão tácita ou presumida, a qual não se confunde com a confissão judicial expressa, dispensando aquela qualquer manifestação de vontade nesse sentido em face da previsão legal do respectivo efeito confessório.
12.ª Assim, tratando-se de um efeito cominatório semipleno, a falta de contestação não determina inelutavelmente a procedência da acção, cabendo ao Mmº Juiz aquilatar seguidamente se dos factos alegados e declarados confessados decorre ou não a consequência jurídica pretendida, ou seja, se os factos alegados têm ou não a virtualidade de fundamentar o pedido da Apelada.
13.ª Salvo o devido respeito que é muito, tratando-se de uma confissão semiplena, que se aplica apenas aos factos articulados, o Mmº Juiz está sujeito a estes mas, em decorrência do preceituado no artigo 5.º, n.º 3, do CPC, não estando sujeito à alegação das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras do direito, podendo consequentemente considerar que os factos articulados e provados não conduzem à procedência total ou parcial da acção.
14.ª Assim, os factos alegados pela Apelada terem sido considerados como confessados não determina que o desfecho da lide seja, necessariamente, aquele que esta pretende, na medida em que o Mmº Juiz deve, depois, julgar a causa aplicando o direito aos factos admitidos.
15.ª Mais, se refere, que se tratando de factos que se encontrem fora das excepções previstas no artigo 568º, do CPC, o Tribunal não os pode considerar confessados por falta de contestação.

7. Contra-alegou a recorrida, pedindo a rejeição do recurso, por falta de pagamento da multa prevista no artigo 642º, n.º 2, do Código de Processo Civil e, caso o mesmo seja admitido, pugna pela improcedência do mesmo.
O recurso foi admitido, por se mostrar atempadamente paga a multa devida, com subida nos próprios autos e feito devolutivo, o que foi mantido por despacho do relator.
Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar e decidir.
*
II – Objecto do recurso
O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Considerando o teor das conclusões apresentadas, importa decidir as seguintes questões:
(i) Da nulidade da sentença;
(ii) Da alteração da matéria de facto;
(iii) Reapreciação da decisão jurídica da causa.
*
III – Fundamentação
A) - Os Factos
Na 1ª instância foram considerados como “provados todos os factos da petição inicial, por confissão e a prova documental junta”, que aqui se têm também como reproduzidos.
*
B) – O Direito
1. A R./recorrente discorda da sentença, começando por invocar a nulidade da mesma por omissão de pronúncia.
De acordo com a
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