Acórdão nº 552/22.4T8LRA.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2023-05-12

Ano2023
Número Acordão552/22.4T8LRA.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO DO TRABALHO DE LEIRIA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA)

Tribunal Judicial da Comarca de Leiria

Juízo do Trabalho de Leiria - Juiz 1

552/22.4T8LRA.C1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra

RELATÓRIO

AA instaurou a presente ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento contra V..., S.A.

A ré apresentou articulado motivador do despedimento, invocando ter procedido ao mesmo com justa causa.

O autor contestou, por impugnação, sustentando inexistir justa causa de despedimento, e excecionando a caducidade do direito de a ré instaurar procedimento disciplinar quanto aos factos aduzidos nos arts 16º a 22 º da nota de culpa e a invalidade do procedimento discuplinar.

Também deduziu reconvenção, peticionando a condenação da ré:

-A pagar o valor respeitante a formação não facultada, com referência à diferença entre o valor que foi pago e o valor corretamente calculado no montante de €320,85.

-A pagar ao autor, indemnização, nos termos do art.º 389º, nº 1 al. b) e 391º do Código do Trabalho, no valor de €34.426,65.

-A pagar ao autor indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, no montante de €500,00.

-Ainda, a liquidar ao Autor as retribuições que deixou de auferir ou o diferencial entre a que aufere ou eventualmente auferirá, desde a data de cessação da relação laboral até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal.

-Nos juros legais que venham a vencer-se desde a data de citação até efetivo e integral pagamento, sobre os valores que vierem a ser fixados em sentença;

Respondeu a ré, pugnando, no essencial, pela improcedência das exceções arguidas pelo autor, bem como da reconvenção.

Foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

“Pelo exposto julgamos o despedimento do autor promovido pela ré ilícito.

Em consequência condenamos a ré a:
1. Pagar ao autor uma indemnização em substituição da reintegração no valor total, à presente data, de €17.587,31, acrescida do valor que se for vencendo até ao trânsito em julgado da presente decisão, a calcular à razão de 30 dias de retribuição base por ano completo ou fração de antiguidade, nos temos do art.º 391º do Trabalho, tendo em conta o valor da retribuição mensal de €1.115,31.

2. Pagar ao autor as retribuições que este deixou de auferir desde o despedimento, datado de 14.12.2021, até ao trânsito em julgado desta decisão, à razão de 1.115,49€/mês acrescido de subsídios de férias e de natal, deduzidas das importâncias referidas nas alíneas a) a c) do nº 2 do art.º 390º do CTrabalho, nomeadamente da remuneração por trabalho dependente que o autor entretanto começou a desenvolver, a apurar em sede de liquidação em execução de sentença dado ainda não ter sido junto aos autos documento comprovativo do início de relação de trabalho com outra entidade (v.g. declaração da Segurança Social ou Contrato de Trabalho).

3. Pagar ao autor a quantia de 500,00€ a titulo de danos não patrimoniais.

4. Pagar ao autor os juros vencidos e vincendos, à taxa legal, sobre todas as quantias em que vai condenada, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento

No mais vai a ré absolvida.

Custas por autor e ré na proporção do seu decaimento.

Valor da ação: € 18.087,31

Registe e notifique.”

A ré interpôs recurso, com as seguintes conclusões:

“I – O Tribunal a quo deu como provados, com relevância para os autos, os seguintes factos, que se aceitam:

“1 - O autor foi contratado pela ré no dia 05.02.2007 para o exercício das funções de auxiliar de serviço, tendo exercido, desde outubro de 2018 até ao momento da cessação do contrato de trabalho, as funções de supervisor de armazém.

2 – No exercício destas funções competia ao autor, nomeadamente: a receção e confirmação de entradas de mercadorias; o registo e lançamento de mercadorias via contrato; a organização do armazém; a criação de requisições de compra com base nas características técnicas que lhe foram enviadas; o controlo e lançamento de pedidos de compra periódicos; o acompanhamento das entregas de gasóleo no TMB.

3 – A partir de 01.02.2021 passou a integrar também as funções do autor a entrega de fardamento e equipamentos de proteção individual aos colegas.

4 – O superior hierárquico do autor era o Engenheiro BB.

(…)

6 – No dia 30.08.2021, após uma ação de formação, o trabalhador CC dirigiu-se, em conjunto com outros colegas, ao local que lhes foi indicado para receber o fardamento necessário ao exercício das suas funções.

7 – Numa mesma sala todos os trabalhadores se despiram para experimentar a farda, ficando apenas em roupa interior.

8 – Os trabalhadores foram saindo da sala à medida que recebiam o fardamento que se adequava ao seu tamanho.

9 – O autor entregou a CC calças de fardamento de tamanho 42, as quais lhe estavam apertadas, tendo feito este experimentar 5 calças do mesmo tamanho.

10 – Quando se encontravam na sala apenas o autor e o trabalhador CC, aquele disse: “os brasileiros têm um peru grande”.

11 – No Brasil usam o termo “peru” para se referir ao pénis.

12 – O autor disse então a CC que já trabalhava na ré há 15 anos e perguntou-lhe se o mesmo tinha alguma questão relativamente a homens que gostam de homens, ao que o mesmo respondeu que não, que no Brasil é muito comum, mas gosta de mulheres e que ia buscar a sua esposa na semana seguinte.

13 – De seguida o autor perguntou a CC há quanto tempo estava em Portugal sozinho, tendo o mesmo respondido que estava há mais de 3 anos, juntando todo o tempo, uma vez que regressou por períodos ao Brasil.

14 – O autor perguntou há quanto tempo é que estava sozinho em Portugal desde a última vez que tinha ido ao Brasil, todo aquele respondido “há quase três meses”.

15 – O autor comentou então” não sei como é que você aguenta ficar tanto tempo sozinho!” “você está a precisar de se aliviar”.

16 - CC entendeu esta frase do autor como sendo referida a sexo.

17 - CC perguntou então ao autor: “você é casado, tem filhos ou alguma coisa do tipo?”, e o autor respondeu “não exatamente, eu estou, como vocês dizem, pegando”, tendo aquele perguntado ao autor: “pegando, mas o quê exatamente?”, tendo o autor respondido “o que vier”.

18 – No final da conversa, CC estendeu a mão ao autor, o qual, ao apertar a mão daquele passou o dedo na palma da mão do mesmo.

19 - CC entendeu esse gesto como convite para a prática de ato sexual, significado que tem no Brasil.

20 – No dia 03.05.2021, após uma ação de formação, o trabalhador DD dirigiu-se, em conjunto com outros colegas ao local que lhes foi indicado para receber o fardamento necessário ao exercício das suas funções.

21 – O autor referiu aos colegas o que existia em termos de fardamento e todos começaram a experimentar o fardamento, tendo o autor permanecido na sala enquanto os colegas experimentavam a roupa.

22 – Os trabalhadores despiram-se para experimentar a farda ficando apenas de roupa interior, à exceção de DD que não usava roupa interior.

23 – O autor olhou para o trabalhador DD.

24 – O autor tocou o seu órgão sexual.

25 – Quando se encontravam na sala apenas o autor e o trabalhador DD, no momento em que este se encontrava agachado a calçar-se, o autor agachou-se junto do mesmo e referiu-lhe que se soubesse que ele não usava roupa interior o teria colocado numa sala à parte.

26 – Ao comentário do autor o trabalhador DD não respondeu nada, tendo saído da sala.

(…)

30 – No âmbito das funções de entrega de fardamento e epi’s aos colegas, o autor faz a entrega das peças de roupa da seguinte forma: aguarda que os colegas terminem a formação de acolhimento e de seguida estes dirigem-se ao autor, no armazém, o qual procede à entrega dos fardamentos e epi’s.

(…).

34 - O autor contactava com estes colegas uma única vez, aquando da prova da roupa, sendo que os trabalhadores vêm em grupos de 6, 7 ou 8 colegas, sendo o grupo nunca inferior a 3 colegas.

(…).

42 – Nunca foi arguido em nenhum processo disciplinar.

(…).

47 – Em 13.09.2021, a Administração da ré proferiu despacho ordenando a abertura de processo disciplinar ao autor.

48 – O processo disciplinar foi aberto em 14.09.2021.

(…).

55 – O autor deslocou-se à empresa no dia normal de trabalho a fim de prestar trabalho e no final foi-lhe entregue a nota de culpa.

(…).”

II – Atentas as declarações prestadas pelas testemunhas CC, DD e EE, e acima transcritas, o Tribunal a quo devia ter julgado provados, também, os seguintes factos:

-que a testemunha CC, quando o recorrido lhe referiu que precisava de se aliviar, lhe perguntou “em que sentido?” tendo o recorrido respondido “aliviar no sentido homem, sexo!”, ao que a testemunha respondeu que isso ia acontecer quando estivesse junto da esposa.

-que enquanto falava com CC o recorrido tocava o seu próprio órgão sexual como se estivesse a “arrumar” alguma coisa nas calças.

-que o recorrido tentou acariciar o órgão sexual de CC, tendo passado com as costas de uma das mãos em frente e muito próximo do órgão sexual deste, apenas não o tendo conseguido fazer porque a testemunha CC aproveitou a entrada no local de um colega de trabalho para fugir do local, de imediato.

-que o toque que o recorrido fez na mão da testemunha CC tinha para o mesmo o sentido de convidar o colega à prática de acto sexual.

- que o modo como o recorrido olhava para DD, enquanto este provava o fardamento era lascivo e obsceno, e era acompanhado de toque no eu órgão sexual, com a intenção de constranger o colega, condicionando-o e pondo em causa a sua liberdade, sujeitando-o a uma situação de abuso indesejada pelo mesmo.

III – O princípio da livre apreciação da prova não permite ao Tribunal a quo julgar e decidir em sentido contrário ao da prova produzida.

IV – Ficou cabalmente demonstrado nos autos a prática pelo recorrido de actos que consubstanciam assédio sexual contra dois dos seus então colegas de trabalho, os quais são expressão da falta de respeito para com os mesmos.

V - Sob o ponto 39 dos “Factos Provados” o Tribunal a quo refere-se à antiguidade de 14 anos do...

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