Acórdão nº 550/21.5T8SNT.L1-6 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-01-26

Data de Julgamento26 Janeiro 2023
Ano2023
Número Acordão550/21.5T8SNT.L1-6
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I - Relatório[[1]]
1.1. AA … e BB… intentaram a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra “CC…, Lda.”, pedindo que seja a acção considerada totalmente procedente e em consequência:
a) ser reconhecido o erro sobre o objeto do negócio em que incorreu na sua declaração negocial com a consequente anulação do contrato-promessa e a condenação da Ré a devolver o montante recebido a título de sinal e juros desde a citação, até efetivo e integral pagamento;
E, caso assim não se entenda,
b) que seja reconhecida e declarada a nulidade desse contrato por falta de forma legalmente exigida, condenando-se a Ré a devolver o montante recebido a título de sinal, acrescido de juros desde a mesma data;
E, cumulativamente,
c) ser a Ré condenada em indemnização às Autoras nos termos do art.º 227º, do Código Civil no valor correspondente aos juros à taxa legal em vigor calculados sobre o sinal, que se venceram desde a assinatura do contrato-promessa e dos juros vincendos até efetivo e integral pagamento.
Alegam, para tanto, em resumida síntese, que:
. a Ré é proprietária de imóvel que pôs à venda através de mediação imobiliária;
. as Autoras visitaram o imóvel e vieram a outorgar, como compradoras, em contrato-promessa de compra e venda;
. só depois da celebração deste contrato, as Autora receberam a documentação respeitante ao imóvel;
. na posse dessa documentação, pediram empréstimo bancário, mas, a avaliação feita pelo banco revelava que a realidade física do imóvel não coincidia com a realidade documental e, por causa dessa desconformidade, o imóvel foi avaliado por valor inferior ao valor de que as Autoras careciam para a compra;
. em face dessa situação, as Autoras pediram à mediadora que solicitasse à Ré que diminuísse o preço da venda de forma a que as Autoras conseguissem comprar a casa;
. a Ré não aceitou e as Autoras pediram à mediadora que comunicasse à Ré a resolução do contrato e a restituição do sinal, o que a Ré não aceitou fazer;
. mais tarde, a Ré aceitou baixar o preço da venda, mas, dado o tempo decorrido, as Autoras já tinham perdido o interesse na casa; . as Autoras prometeram comprar casa no pressuposto de que estava devidamente legalizada e licenciada, o que a Ré sabia que não sucedia; além do que
. as partes prescindiram, no contrato-promessa, do reconhecimento presencial das assinaturas, mas, essa é formalidade essencial à validade do contrato.
1.2. Citada, a Ré veio contestar alegando, em suma, que, efetivamente, celebrou com as ora Autoras o contrato-promessa em causa e que para que se conseguisse concretizar o negócio a ora Ré acedeu a baixar o valor de venda, mas foram as Autoras que perderam o interesse na compra, sendo-lhes imputável o incumprimento do contrato-promessa.
1.3. Foi proferido despacho saneador tabelar e enunciaram-se os temas da prova.
1.4. Realizou-se a audiência de julgamento, numa única sessão e com observância do legal formalismo conforme resulta da respectiva acta.
1.5. Em 20-07-2022 veio a ser proferida sentença (ref.ª 137721237), cujo segmento dispositivo aqui se transcreve:
“Tudo visto e ponderado, decide este Tribunal julgar a presente ação parcialmente procedente, e, assim, declara-se a nulidade do contrato-promessa objeto dos autos e, consequentemente, condena-se a Ré a devolver às Autoras o montante de 10.000,00€ (dez mil) euros, acrescido de juros de mora vencidos desde 20-1-2021 e vincendos até efetivo e integral pagamento; absolvendo-se a Ré do demais peticionado pelas Autoras.
Mais se decide julgar improcedente o pedido de condenação da Ré como litigante de má-fé.
Custas pela Ré - art.º 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Registe e notifique.”
*
1.6. Inconformada com a sua sucumbência, a Ré interpôs o presente recurso de apelação, pedindo a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por acórdão que julgue o pedido das Recorridas improcedente “in totum”.
Formulou, para tanto, alegações que remata com as seguintes conclusões:
«A. Diante de toda matéria dada como provada e não provada nos presentes autos, deve ser revogada a decisão preferida pelo Tribunal “a quo”, considerando assim o manifesto abuso de direito por parte das recorrentes no caso em tela;
B. Porque a recorridas teriam a obrigação de informar acerca do resultado da avaliação bancária até o dia 24/07/2020, cfr. cláusula 5ª do respetivo CPCV.
C. Facto que só chegou ao conhecimento da Recorrente no dia 16-08-2020 informaram mediadora FR, tendo a mesma depositado todas suas expectativas na realização da Escritura definitiva.
D. Restou comprovado também que comprova também que logo após a comunicação das autoras, pouco tempo depois o réu aceitou em baixar o valor do imóvel para €155.000,00, assim retirando o valor solicitado de €20.000,00, amoldando desta forma o negócio as possibilidades das Autoras.
E. Sendo certo que tal facto revela o investimento de confiança depositado pela Recorrente na estabilidade definitiva do contrato-promessa;
F. Desta forma, a Recorrente acreditou que a Escritura sempre fosse se realizar;
G. Até porque o contrato estava vigente e as Recorridas teriam a obrigação legal de cumpri-lo, não podendo exigir a devolução do sinal pago, sem, contudo, terem cumprido com o requisito previsto contratualmente;
H. Todavia, para surpresa da Recorrente, as Recorridas ainda no prazo de vigência do CPCV celebrado, estavam a realizar tentativas para aquisição uma outra casa, o que demonstra mais um indício da ausência de boa-fé por parte das Recorridas.
I. Concluindo que a conduta das Recorridas está revestida de vício, sendo como tal integrante do abuso de direito.
J. Sobretudo porque causou uma expectativa de venda do imóvel por parte da Recorrente, que teve que tirar seu imóvel do mercado por todo tempo de vigência do contrato, sendo certo que o bem estava à disposição das Recorridas, que mesmo assim, ao seu belo prazer optaram por adquirir outro imóvel.
K. Não obstante ao fato das Recorridas terem o dever legal e moral de se submeter e cumprirem com o clausulado do respetivo contrato-promessa firmado com a Recorrente.
L. Nunca poderá se considerar que as Recorridas tenham agido desprovidas de abuso de direito previstos no art.º 334º Código Civil.
M. Ou seja, as condutas contraditórias das Recorridas frustraram a confiança criada pela Recorrente em relação à situação, o que configura uma violação qualificada do princípio da confiança, sendo certo que as relações entre as pessoas pressupõem um mínimo de confiança sem a qual não seriam possíveis.
N. De outra forma, diz-se que o caso em apreço é paradigmático do abuso de direito da Recorrente, o qual deveria ter sido reconhecido pelo Tribunal, e uma vez que não foi, merece ser reformado.
O. Até porque a conduta das Recorridas contrariou todos os ditames da boa-fé, portanto não podemos dessa forma concordar com a nulidade reconhecida pelo Juiz “a quo”.
P. Assim, uma vez que as Recorridas adotaram um comportamento que teve a idoneidade para criar na Recorrente uma convicção séria, que aquela iria cumprir o negócio e não iria em momento algum invocar a nulidade.
Q. Nomeadamente porque nunca havia pensado que o contrato-promessa celebrado viesse a ser incumprido.
R. Até porque essa sempre foi a intenção da Recorrente que, como já dito manteve sempre o imóvel a disposição das Recorridas para Escriturar.
S. Entretanto, como as mesmas perderam definitivamente a intenção de dar seguimento ao negócio, posto que perderam o interesse no imóvel.
T. Ora, no caso dos autos nunca poderá se considerar que a conduta das Recorridas está revestida de boa-fé, pelo contrário.
U. Primeiro as Recorridas se utilizaram de diversos subterfúgios com o intuito único de desfazer o negócio celebrado com o Recorrente.
V. Deve ser considerado que a conduta das Recorridas foi abusiva e reveladora do abuso de direito, isso porque as mesmas nunca iriam conseguir dar cumprimento ao estipulado pelo CPCV celebrado.
W. Uma vez que receberam o resultado da avaliação bancária após o prazo para comunicação a Recorrente previsto no contrato-promessa, ou seja, no dia 11-08-2020, tendo o prazo decorrido no dia 24-07-2020, portanto se tronou impossível dar cumprimento a previsão legal.
X. No entanto, tal conduta é inadmissível, posto que a recorrente depositou toda sua convicção na questão, sempre acreditando que a Escritura definitiva fosse se realizar.
Y. Isto porque, o CPCV já havia sido celebrado a mais de um mês quando tomou conhecimento da questão atinente ao crédito bancário, tendo superado a situação com a redução do valor para escriturar o imóvel.
Z. Ocorre que mesmo a Recorrente ajustando o negócio para se enquadrar nas possibilidades da Recorrida, as mesmas optaram por comprar outra casa.
AA. Nesse contexto, temos que ter em consideração que esse tempo que o imóvel fica à disposição de um cliente, sem que o mesmo volte para o mercado, ou até mesmo seja vendido, acarreta um prejuízo palpável para a Empresa
BB. Principalmente em se tratando de uma Empresa que tem como objeto social a compra e venda de imóveis para revenda, que é o caso da Recorrente.
CC. Por todo o exposto, restou patente nos presentes autos, sendo perfeitamente perceptível que a Recorrida agiu com abuso de direito, vindo a abalar o investimento de confiança da Recorrente que foi depositado na estabilidade de que o contrato-promessa fosse celebrado definitivamente.
DD. Sendo assim, deve ser reformada a Sentença proferida nos presentes autos, reconhecendo que agiram com abuso de direito, e, consequentemente deverão perder o valor do sinal pago a título de sinal.»

1.7. As Autoras apresentaram contra-alegações que concluíram nos seguintes termos:
«a) Vem o recurso interposto da decisão do Tribunal a quo que julgou a presente ação Tudo visto e ponderado, decide este Tribunal julgar
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