Acórdão nº 5468/19.9T8VNF-AV.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2024-02-01

Ano2024
Número Acordão5468/19.9T8VNF-AV.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
*
ACÓRDÃO

I - RELATÓRIO
1.1. Despacho reclamado
1.1.1. EMP01..., S.A., com sede no Parque Industrial ..., 2ª Fase, freguesia ..., ... e ..., ... ..., foi declarada insolvente por sentença de 28 de Janeiro de 2020, transitada em julgado em 05 de Junho de 2020 (proferida nos autos n.º 5468/19...., que correm termos no Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo de Comércio ..., Juiz ...).

1.1.2. Em 17 de Dezembro de 2020, na sede da Insolvente (EMP01..., S.A.), foram apreendidos para a massa insolvente diversos bens móveis, (nomeadamente, mobília, máquinas e equipamentos de escritório, documentação e arquivo), considerando-se que as fracções autónomas designadas pelas letras ..., ..., ..., ... e ..., do prédio em regime de propriedade horizontal, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...62.º (...) e na matriz ...80 integravam o seu estabelecimento (por nelas ter a Insolvente desenvolvido a sua actividade empresarial).

1.1.3. Grande parte dos bens apreendidos à Insolvente (EMP01..., S.A.) foram depois objecto de diversas acções de separação e restituição de bens (que correm por apenso aos autos principais de insolvência).

1.1.4. As fracções autónomas designadas pelas letras ..., ..., ..., ... e ... não foram apreendidas para a massa insolvente, estando, porém, a posse sobre elas a ser discutida no Processo n.º 622/19...., do Tribunal Judicial da Comarca ..., encontrando-se os autos em fase de julgamento.

1.1.5. Em 14 de Junho de 2021 o Administrador da Insolvência, tendo encontrado obstáculos à mudança de fechaduras das fracções autónomas designadas pelas letras ..., ..., ..., ... e ... (onde se encontravam bens móveis apreendidos a favor da massa insolvente) apresentou um requerimento ao Tribunal a quo, lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
28. É imperioso que se proceda ao encerramento efectivo do estabelecimento da sociedade insolvente, só lá permitindo entrar quem tem efectivamente de o fazer.
29. Para tal é necessário trocar as fechaduras das portas de forma a garantir que não há acessos não autorizados ao interior, até porque nesse interior estão bens apreendidos para a massa insolvente.
30. As fracções que fazem parte do estabelecimento da sociedade insolvente devem estar à guarda do Administrador da Insolvência, não só por causa da decisão de encerramento do estabelecimento e liquidação, mas também porque o poder de disposição e de administração da massa insolvente é do Administrador da Insolvência, pois cessou, há muito, a administração pelo devedor.
31. O facto de alguém se introduzir e/ou permanecer no interior das fracções sem que para tal esteja devidamente autorizado constitui, na minha modesta opinião, um ilícito criminal, devendo a autoridade policial diligenciar pela retirada dessas pessoas, mesmo que para isso tenha de actuar de forma mais musculada.
Face a todo o exposto, e não obstante o douto despacho do passado dia 20 de Maio ser muito claro quanto ao acesso ao interior das fracções que integram o estabelecimento da sociedade insolvente, venho requerer a V. Exa. que determine que o acesso e a permanência de quaisquer pessoas no interior das fracções que integram o estabelecimento da sociedade insolvente, apenas pode ser feito com a expressa autorização do Administrador da Insolvência.
Esclareço ainda V. Exa. de que este despacho tem por finalidade, com o auxílio da GNR (ou outra força policial/pública), repetir a diligência de mudança de fechaduras das portas das referidas fracções, retirando do interior destas quaisquer pessoas que lá possam estar sem a devida autorização.
(…)»

1.1.6. Em 15 de Junho de 2021 foi proferido despacho, apreciando e deferindo o requerimento do Administrador da Insolvência, lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
Fls 4193 e ss e requerimento do sr administrador de insolvência de 14-6-2021:
A posse das frações não está em causa quando se impõe à GNR que faça respeitar a obrigação de qualquer pessoa - mesmo que administrador da insolvente - de não entrar nas instalações daquela (frações ..., ..., ..., ... e ... na CRP ... sob o nº ...62 da freguesia ...) nem aí permanecer sem autorização do administrador de insolvência, que foram encerradas por ordem judicial de 13 de novembro do ano passado e contêm bens apreendidos nestes autos.
A desobediência a esta ordem constitui crime que não pode ser tolerado pela ordem jurídica e que as forças de segurança têm de fazer respeitar, fazendo uso da força, se necessário.
Assim sendo, a tentativa ou entrada nas instalações da insolvente encerradas pelo administrador de insolvência, a retirada de bens apreendidos ou a permanência física nas mesmas não pode ser tolerada pela força pública já que põe em causa os fins do processo de insolvência.
Notifique o Comando Territorial de ... da GNR do presente despacho.
(…)»

1.1.7. Em 15 de Junho de 2023 a credora EMP02..., S.A. veio informar os autos que «todos os bens que se encontravam no interior das frações autónomas designadas pelas letras ..., ..., ... e ..., do «Edifício ..., sito no Parque Industrial ..., 2.ª Fase», «foram deslocados para o interior do armazém que integra a fração autónoma designada pela letra ..., encontrando-se as demais frações - inclusivamente o escritório que integra a mencionada fração ... - livre de pessoas e bens».
Concluiu, por isso, que «não existem quaisquer bens da massa nas referidas frações ..., ..., ... e ... do referido edifício, encontrando-se as mesmas livres e desimpedidas, pelo que é agora possível dar início à realização das necessárias obras de conservação e manutenção que oportunamente se tinha fado conta serem necessárias».

1.1.8. Em 21 de Julho de 2023 o Administrador da Insolvência veio requerer que, assim «que a EMP02... terminar as obras nas frações, deve esta providenciar pela recolocação dos bens nas mesmas, no seu estado originário», aguardando-se «o desfecho das ações de separação e restituição, para definir o destino a dar aos bens objeto das mesmas», e mencionando a necessidade «de manutenção do acesso ao estabelecimento da Insolvente».

1.1.9. Em 21 de Julho de 2023 foi proferido despacho, sobre o anterior requerimento do Administrador da Insolvência, lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
Tomei conhecimento.
Logo que terminarem as obras, os bens devem ser recolocados no seu estado originário.
Qualquer autorização deverá ser dada por escrito.
Determino que o sr. Administrador da Insolvência mantenha pleno acesso ao estabelecimento da insolvente, ainda no decurso de quaisquer obras.
Esta permissão não constitui qualquer posição do Tribunal ou do Administrador da Insolvência quanto ao desfecho do processo que corre termos no Tribunal ....
(…)»

1.1.10. Em 31 de Julho de 2023 a credora EMP02..., S.A., inconformada com o dito despacho, interpôs recurso de apelação do mesmo, pedindo que fosse julgado procedente e se revogasse a decisão recorrida.

1.1.11. Em 18 de Outubro de 2023 foi proferido despacho pelo Tribunal a quo, não admitindo o recurso apresentado, lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
Do recurso interposto pela EMP02..., S.A. em 31/7/2023:
Veio a credora recorrer do despacho com a referência nº. ...82, datado de 2023.07.21, em que se decidiu “Logo que terminarem as obras, os bens devem ser recolocados no seu estado originário. Qualquer autorização deverá ser dada por escrito. Determino que o sr. Administrador da Insolvência mantenha pleno acesso ao estabelecimento da insolvente, ainda no decurso de quaisquer obras”.
Defende que o recurso seria de Apelação, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo, nos termos do conjugados dos artºs. 14º., nºs. 2 e 5, do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE), e 644º., nº. 2, alínea h), do Código de Processo Civil.
Ora, o despacho em crise nada decide em definitivo, trata-se de um despacho de mero expediente, ou seja, que diz respeito apenas à tramitação do processo sem pôr em causa os direitos ou deveres das partes. Se os bens pertencem ou não à insolvente será decidido nos apensos de restituição e separação de bens, a reposição dos bens após as obras em nada afecta o direito de qualquer uma das partes em oposição e o acesso do sr. Administrador da Insolvência em nada preclude qualquer direito que esteja em discussão no Tribunal ..., sendo que a determinação do Tribunal se limitou a corresponder à posição do sr. Administrador da Insolvência que agiu no estrito limite das suas competências.
Assim, por irrecorrível, decido não admitir o recurso interposto.
(…)»

1.1.12. Inconformada com esta decisão, a credora EMP02..., S.A. veio reclamar, pedindo que se julgasse procedente a respectiva reclamação.

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (reproduzindo-se ipsis verbis as respectivas conclusões, com excepção da concreta grafia utilizada e de manifestos e involuntários erros e/ou gralhas de redacção):

I - Tribunal a quo incorreu em erro ao qualificar o despacho recorrido como um despacho de mero expediente e, consequentemente, não ter admitido o recurso de apelação apresentado pela Reclamante com fundamento no disposto no artº. 630º., nº. 1 do CPC;

II - Pois que, apenas poderão ser qualificados como tais os despachos que visem, tão somente, regular ou disciplinar o normal andamento do processo;

III - Pelo que, a título meramente exemplificativa, poderão ser qualificados como despachos de mero expediente, o despacho que determine a data e hora para a realização de uma tentativa de conciliação, audiência prévia ou audiência de discussão e julgamento, que determine a notificação de determinada testemunha para comparecer em julgamento, de modo que aí possa ser inquirida, ou a decisão que determina à secretaria a realização de qualquer ato processual;

IV - Decisões estas que, conforme facilmente se conclui, não acarretam uma tomada de posição...

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