Acórdão nº 5394/22.4T8MTS.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-06-05

Ano2023
Número Acordão5394/22.4T8MTS.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Apelação / processo n.º 5394/22.4T8MTS.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de Matosinhos - Juiz 1


Recorrente: AA
Recorrida: A..., S.A.
______
Nélson Fernandes (relator)
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes




Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I – Relatório
1. AA, ao abrigo do disposto nos artigos 98º-C e 98º-D, ambos do Código de Processo de Trabalho (CPT), veio opor-se ao despedimento efetuado por A..., S.A.

Realizada a audiência de partes sem que tenha sido alcançado acordo, depois de notificada para o efeito, apresentou A..., S.A., articulado motivador do despedimento, pugnando pela licitude do mesmo, invocando, muito em síntese, que o despedimento é lícito, porquanto o Trabalhador violou os deveres laborais previstos no artigo 128.º, n.º 1, alíneas c), e) e g), cometendo as infrações previstas nas alíneas a), d) e e) do n.º 2 do artigo 351.º, ambos do Código de Trabalho, para concluir que o comportamento configura justa causa de despedimento.

AA apresentou contestação, invocando, em resumo: não ter horário para regressar com o camião, sendo habitual deixarem os veículos em instalações de clientes, o que fez solicitando ao porteiro da B... que o vigiasse e guardasse, para além dos gastos acrescidos com duas deslocações com o camião em combustível, desgaste e acréscimo desnecessário de emissões de CO2; que reconhece ter solicitado dinheiro para eventuais despesas em pernoita e refeições, referindo ser habitual a Empregadora proceder à sua disponibilização. Deduziu, ainda, pedido reconvencional, requerendo o seguinte:
“A) Deve o Tribunal considerar e declarar o despedimento do A. ilícito, com todas as consequências da lei, nomeadamente:
1. Deve a Ré ser condenada a reintegra o A. no seu posto e local de trabalho, com a antiguidade que lhe pertencia, ou em alternativa, se o A. viera a manifestar tal pretensão em ulterior momento, a substituição da reintegração, pelo pagamento da indemnização legal que deverá ser contabilizada em 45 dias de retribuição do A. por cada ano de antiguidade ou fração.
2. Deve mais a ré ser condenada a pagar ao autor a importância de 2.953,23, à qual acrescem os juros de mora a partir da data do seu vencimento e até integral pagamento.
3. Deve ainda a Ré ser condenada no pagamento de todas as prestações e respetivos subsídios e proporcionais vincendas até final.
B) Tudo com custas e demais encargos pela Ré.”

Após resposta à reconvenção, foi esta admitida, fixando-se à mesma o valor de €3.202,65, após o que foi proferido despacho saneador, referindo-se de seguida, por invocação do disposto no artigo 49.º, n.º 3, do CPT, que “não serão fixados temas de prova de acordo com o disposto no CPC vigente”.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi depois proferida sentença, de cujo dispositivo consta:
“Na procedência parcial da pretensão do autor decide-se julgar improcedente o declaração da ilicitude do despedimento e com a consequente absolvição da entidade empregadora quanto aos pedidos de reintegração, bem como às retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão e julgar parcialmente procedente a reconvenção condenando-se a ré a pagar ao autor a quantia de €1.692,68 acrescida de juros de mora contados desde a citação até efetivo e integral pagamento à taxa legal de 4 %.
Custas a cargo de autor e ré na proporção do decaimento.
Valor da ação: €1.692,68.
Registe e notifique.”

2. Não se conformando com o decidido apresentou AA requerimento de interposição de recurso, finalizando as suas alegações com as conclusões que seguidamente se transcrevem:
…………………….
…………………….
…………………….
2.1. Contra-alegou a Recorrida, apresentando as conclusões seguintes:
…………………….
…………………….
…………………….

2.2. O Tribunal a quo proferiu despacho com o teor seguinte:
“Por ser tempestivo e legalmente admissível, defiro o requerimento de interposição de recurso de apelação, tendo este efeito meramente devolutivo, com subida imediata e nos próprios autos, art.s 79 n.º 1 al. a), 80 n.º 12, 83 n.º 1 e 83 A, n.º1 todos do CPT.
Remeta os autos ao Venerando Tribunal da Relação do Porto.”


3. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, parecer esse em relação ao qual se pronunciou o Recorrente, evidenciando a sua divergência.
*
Cumpridas as formalidades legais, cumpre apreciar e decidir:
II – Questões a resolver
Sendo pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso (artigos 635.º/4 e 639.º/1/2 do Código de Processo Civil (CPC) – aplicável “ex vi” do artigo 87.º/1 do CPT –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir: (1) apreciação da nulidade invocada / omissão de pronúncia; (2) apreciação do recurso sobre a matéria de facto; (2) o direito do caso: saber se o tribunal erro no julgamento a respeito do juízo e conclusão a respeito do despedimento.

III – Fundamentação
A) De facto
O tribunal recorrido deu como provados os factos seguidamente transcritos:
“A) Por carta registada datada de 25 de agosto de 2022 o instrutor nomeado pela administrador da ré comunicou ao trabalhador a nota de culpa bem como a intenção de proceder ao seu despedimento.
B) O autor respondeu à nota de culpa em 8 de setembro de 2022.
C) Foram juntos ao processo disciplinar os seguintes documentos: guia de transporte realizado pelo trabalhador no dia 28 de junho, fatura do transporte de táxi relativa ao dia 28 de junho de 2022 e guia de transporte relativa ao dia 5 de agosto de 2022.
D) Foi realizada a inquirição de duas testemunhas em 27 e 28 de setembro de 2022.
E) Por carta regista com aviso de receção em 6 de outubro de 2022, o instrutor nomeado comunicou ao trabalhador ao agendamento da inquirição das três testemunhas arroladas na resposta à nota de culpa.
F) Nenhuma dessas testemunhas compareceu na data agendada tendo o instrutor nomeado elaborado um despacho em 17 de outubro de 2022 consignando que carta por si enviada foi recebida no dia 7 de outubro conforme print dos CTT junto e dando a fase de instrução como concluída.
G) Terminadas as diligências probatórias foi elaborado pelo instrutor nomeado um relatório final em 19 de outubro de 2022 o qual concluiu pela aplicação de sanção disciplinar de despedimento sem indemnização ou compensação.
H) Em 20 de outubro de 2022, em face da proposta de decisão proferida pelo instrutor nomeado a empregadora proferiu decisão final de despedimento com justa causa do trabalhador e enviou a mesma por carta registada com aviso de receção.
I) No dia 28 de junho de 2022 o trabalhador conduzia o veículo de propriedade da empregadora com a matrícula ..-..-XG.
J) No âmbito desse frete o trabalhador e um colega de trabalho (que conduzia outro veículo) foram confrontados à chegada ao cliente, por volta das 17.40 h que tinha ocorrido um engano e que os contentores em causa só poderiam ser carregados no dia seguinte.
L) Os motoristas contactaram a empregadora que determinou que regressassem para o parque sito em ..., Matosinhos com os contentores vazios.
M) O autor resolveu deixar o veículo estacionado perto do cliente da entidade empregadora e regressou para o parque partilhando um táxi com o colega de trabalho.
N) No dia seguinte 29 de junho de 2022 a gestão de tráfego teve de organizar o serviço de forma a que outro camião conduzido por outro motorista desviasse a seu rumo e levasse o trabalhador e o colega até perto da empresa B... para assumirem a condução dos seus camiões.
O) No dia 5 de agosto de 2022 o trabalhador conduzia o mesmo veículo da entidade empregadora e foi-lhe destinado um serviço de transporte entre o porto de Leixões e um cliente na Figueira da Foz.
P) O trabalhador exigiu à empregadora que lhe entregasse dinheiro para despesas nomeadamente eventual pernoita e eventuais refeições.
Q) Perante a recusa da empregadora que sustentou que as despesas eram pagas no recibo de vencimento o trabalhador recusou-se a fazer o trabalho e permaneceu todo o dia no parque da empregadora.
R) A entidade empregadora incumbiu outro motorista para a realização do transporte.
S) O trabalhador foi admitido ao serviço da entidade empregadora em 19.11.2017 para sob as suas ordens, direção e fiscalização exercer a função de motorista de condução de veículos de mercadorias superiores a 7,5 toneladas.
T) A entidade empregadora dedica-se à atividade dos transportes rodoviários encontrando-se inscrita na ANTRAM – Associação Nacional de Transportes Públicos Rodoviários de Mercadorias.
U) O trabalhador é filiado no STRUN – Sindicato dos Trabalhadores de Transportes Rodoviários e Urbanos do Norte.
V) Ao serviço da entidade empregadora pelo menos a partir de 01.01.2022 o trabalhador auferiu as seguintes prestações mensais:
- vencimento base: €777,20;
- diuturnidades €75,48;
- complemento salarias €15.45;
- cláusula 61º €416,75;
- refeições €184,40
X) A entidade empregadora descontou ao trabalhador a quantia de €144,89 respeitante a três dias do mês de agosto.
Z) A entidade empregadora descontou ao autor a quantia de € 354,14 respeitante à diferença de pagamento da cláusula 61º no mês de setembro de 2022
AA) E da quantia de €277,83 referente ao não pagamento da cláusula 61º respeitante aos 20 dias do mês de outubro de 2022.
BB) O autor gozou apenas 13 dias de férias.
CC) A entidade empregador procedeu ao pagamento da quantia de € 1.395,68 (€697,84 + €697,84) a título de férias e subsídio de férias.
DD) A ré liquidou ao autor a quantia de €276,25 a título de férias.”

Considerou-se, por sua vez, que “não se provaram outros factos com relevo para a decisão da causa e que estejam em contradição com os dados como provados, sendo designadamente factos não provados que”[1]:
1- o trabalhador não tivesse horário
...

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