Acórdão nº 53/23.3T8VNG-A.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2024-02-05
Data de Julgamento | 05 Fevereiro 2024 |
Ano | 2024 |
Número Acordão | 53/23.3T8VNG-A.P1 |
Órgão | Tribunal da Relação do Porto |
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Vila Nova de Gaia – Juízo Local Cível, Juiz 2
Relator: Miguel Baldaia Morais
1ª Adjunta Desª. Ana Paula Amorim
2º Adjunto Des. Jorge Martins Ribeiro
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SUMÁRIO
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I- RELATÓRIO
AA intentou o presente procedimento cautelar requerendo que fosse provisoriamente restituído à posse do imóvel sito na Rua ..., ..., Hab. ..., ... Vila Nova de Gaia, inscrito na matriz urbana da freguesia ... sob o artigo ....
Inquiridas as testemunhas indicadas foi decretado, sem contraditório, a providência solicitada.
Notificada a requerida BB, apresentou oposição alegando, em síntese, não ter existido esbulho violento, sendo certo que o requerente não tem sequer posse que justifique a ocupação do mencionado prédio urbano.
Realizada a audiência final, veio a ser proferida decisão que julgou procedente a oposição, revogando a providência anteriormente decretada por se considerar que o requerente não é possuidor do imóvel.
Não se conformando com o assim decidido, o requerente interpôs o presente recurso, admitido como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes
CONCLUSÕES:
1. Em sede do presente Procedimento Cautelar, em se julgando provada, indiciariamente, a posse do Recorrente e o seu esbulho violento, foi o mesmo decretado, vendo-se o Recorrente restituído provisoriamente a tal posse.
2. Deduzida Oposição pela Recorrida, na qual esta alegou e provou a inexistência da posse por efeito de Notificação Judicial Avulsa dirigida ao Recorrente e já comunicada à data da sua privação, o douto Tribunal a quo revogou o que antes decretara.
3. Tal revogação assentou no entendimento de que a posse do Recorrente emergia de um Contrato de Comodato ao qual a sua Comodante pusera termo através da sobredita Notificação Judicial Avulsa, dando-lhe execução na pessoa da Recorrida, enquanto sua representante legal, e materializando-a através da mudança da fechadura.
4. Isto porque, segundo o douto Tribunal a quo, o Recorrente deixou de se ver protegido pelo requisito da existência de posse a partir do momento em que a entidade que lha atribuíra lhe pôs fim através de interpelação para esse efeito e por aplicação do Artigo 1137º, n.º 1, do CC.
5. Sucede que a mesma decisão se mostra ao arrepio da matéria de facto provada no que respeita à determinação do uso do imóvel comodatado e, concretamente, na parte em que a mesma dá por assente que a Comodante, em 08/05/2017, cedeu total, permanente e gratuitamente, o gozo da coisa locada para que Recorrente, Recorrida e o filho de ambos aí sediassem a sua casa de morada de família.
6. Ou seja, o Meritíssimo Tribunal a quo aplicou incorretamente o disposto no Artigo 1137º, n.º 2, do CC, pois que deveria, outrossim, aplicar o n.º 1 do mesmo Artigo e Diploma, violando-o, pois.
7. Acresce que a Notificação Judicial Avulsa na qual o douto Tribunal a quo sustenta a extinção da posse do Recorrente nunca poderia produzir este resultado, e isto por duas ordens de razões:
. Porque se essa fosse a sua finalidade, a sociedade Comodante deveria ter adotado igual procedimento no que respeita ao filho do Recorrente e da Recorrida, o que não sucedeu, antes vedando o acesso, àquele, do imóvel, sem qualquer fundamento legal ou contratual.
. Porque no mesmo documento, nada se alega que sustente a intenção de pôr fim ao Contrato de Comodato.
8. O que é dizer que, também por esta via, se verifica a violação do Artigo 1137º, n.º 1, do CC.
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A requerida apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.
II- DEFINIÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil[1].
Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pelo apelante, a questão a decidir é a de saber se se encontram ou não reunidos os pressupostos normativos para ser decretada a providência cautelar de restituição provisória de posse do prédio urbano em causa.
III- FUNDAMENTOS DE FACTO
Após a inquirição das testemunhas arroladas pelo requerente o tribunal de 1ª instância deu como perfunctoriamente provados os seguintes factos:
1. O Requerente casou, no regime da comunhão de adquiridos, com a Requerida, em 27/07/1991, estando dela separado de pessoas e bens desde 24/04/2019.
2. Não obstante a sobredita separação de pessoas e bens, Requerente e Requerida nunca deixaram de viver em comunhão, dormindo juntos, tomando as várias refeições domésticas em conjunto, recebendo familiares e amigos na casa que continuou sendo de ambos, sempre na companhia do seu filho, além de, perante familiares, amigos e terceiros, continuarem a apresentar-se como marido e mulher, nomeadamente em eventos sociais.
3. O Requerente peticionou, contra a Requerida, a anulação daquela separação, com fundamento em simulação, no processo n.º 53/23.3T8VNG do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo de Família e Menores de Vila Nova de Gaia, Juiz 4.
4. Aquele Tribunal decidiu pela sua incompetência em razão da matéria, atribuindo-a aos Tribunais Comuns.
5. Na sequência de tal decisão, o ora Requerente requereu a sua remessa para aqueles últimos, o qual foi distribuído ao Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia, Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, sob o mesmo n.º 53/23.3T8VNG.
6. Este último Tribunal também se declarou incompetente em razão da matéria.
7. O Requerente continuou, como habitualmente, a fazer as compras de supermercado, sozinho ou acompanhado pela Requerida, destinadas ao aprovisionamento das necessidades de alimentação, higiene e limpeza de todo o agregado familiar.
8. Requerente e Requerida também nunca deixaram de partilhar os seus tempos livres, no exterior da sua habitação, deslocando-se frequentemente a quaisquer locais públicos para fins de consumo ou lazer, designadamente centros comerciais, cafés, restaurantes e salas de espetáculo, tanto assim que gozaram férias, em Portugal e no estrangeiro, nomeadamente nas seguintes datas e para os seguintes destinos:
• 25/07/2019 a 02/08/2019, na Jamaica;
• 02/09/2019 a 09/09/2019, em Creta;
• 09/01/2020 a 26/01/2020, em Bali;
• 24/06/2020 a 28/06/2020, no Algarve (...);
• 26/07/2020 a 03/08/2020, no Algarve (...);
• 06/09/2020 a 13/09/2020, no Algarve (...);
• 12/01/2021 a 14/01/2021, no Douro;
• 26/06/2021 a 29/06/2021, em Torre Romariz;
• 26/07/2021 a 02/08/2021, em Ibiza;
• 22/08/2021 a 29/08/2021, no Algarve (...);
• 30/10/2021 a 01/11/2021, no Douro;
• 30/04/2022 a 08/05/2022, no Algarve (...).
9. Requerente e Requerida sempre pretenderam comemorar o dia 27 de julho, corresponde à data do casamento, aproveitando para viajar.
10. Em 30/10/2019, Requerente e Requerida prestaram o seu aval no âmbito do Contrato de Compra e Venda e Locação Financeira, junto a fls. 15 e segs.
11. A casa de morada de família do Requerente, da Requerida e do seu referido filho está, desde 08/05/2017, sediada na Rua ..., ..., Hab. ..., ... Vila Nova de Gaia, inscrito na matriz urbana da freguesia ... sob o artigo ... e com o valor patrimonial de € 261.315,28.
12. Na mencionada data, a arrendatária do identificado imóvel cedeu-lhes, total, permanente e gratuitamente, o seu gozo.
13. A arrendatária, nessa data, era a sociedade comercial por quotas denominada “A..., Lda.”, NIPC ..., com sede na Rua ..., freguesia ..., ... Porto, cujo capital social de 5.000,00€ é detido, quanto a 90%, pela Requerida e, quanto aos restantes 10%, pelo seu filho e do Requerente, conforme documento junto a fls. 15 e segs.
14. Posteriormente, por Escritura de 30/10/2019, a senhoria do imóvel locado vendeu-o ao “Banco 1..., S.A.” e este, por seu turno, deu-o em locação financeira à aludida sociedade, conforme documento junto a fls. 20 e segs.
15. A sobredita sociedade manteve a cessão do seu gozo nos exatos termos alegados no anterior ponto 12.º.
16. No passado dia 31/03/2023, o filho do Requerente e da Requerida, no...
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