Acórdão nº 52737/21.4YIPRT.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-02-21

Ano2022
Número Acordão52737/21.4YIPRT.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo nº 52737/21.4YIPRT.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Vila Nova de Gaia – Juízo Local Cível, Juiz 3
Relator: Miguel Baldaia Morais
1º Adjunto Des. Jorge Miguel Seabra
2º Adjunto Des. Pedro Damião e Cunha
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Sumário
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I - RELATÓRIO

O Hospital..., S.A. intentou procedimento de injunção contra AA, solicitando a atribuição de força executiva ao requerimento de injunção no qual peticiona o pagamento da quantia de €7.358,75, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos e bem assim da importância de €102,00 atinente à taxa de justiça paga.
Alegou, em síntese, que se dedica à gestão e prestação de todo o tipo de serviços de saúde, diagnóstico e terapêutica em todas as suas vertentes e que, no exercício dessa atividade, a pedido do réu, prestou-lhe os serviços clínicos necessários e adequados ao diagnóstico e tratamento da patologia apresentada, emitindo a correspondente fatura, em 20 de agosto de 2020, com vencimento na mesma data, no valor de €9.202,10.
Acrescenta que apresentada a pagamento a dita fatura, o réu apenas procedeu ao pagamento de €1.843,35, mostrando-se por liquidar o valor remanescente.
O réu deduziu oposição, sustentando, desde logo, que, considerando o sentido norteador que está na génese da criação do procedimento de injunção, a autora recorreu indevidamente ao mesmo, verificando-se, por conseguinte, uma exceção dilatória que conduz à absolvição do réu da instância.
Advoga ainda que a autora cumpriu defeituosamente a sua prestação, razão pela qual lhe assiste o direito de não efetuar o pagamento reclamado.
Notificada a autora para responder às exceções invocadas, pugnou pela improcedência das mesmas.
Foi então proferido saneador/sentença, com o seguinte teor: «Nos termos do artigo 7.º do diploma anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 01/09, a injunção é a providência destinada a exigir o cumprimento de obrigações a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular (obrigações pecuniárias emergentes de contratos, de valor não superior a 15.000,00 EUR).
Com o referido diploma legal, pretendeu o legislador criar um processo simplificado para a litigância de massa empresarial, onde não havendo litígio sobre o conteúdo central da obrigação, haveria apenas litígio sobre o pagamento. Aliás, chega o legislador a descrever, no preâmbulo do diploma em causa, este tipo de ações como sendo baseadas no “(…) no modelo da ação sumaríssima, [e que aqui ainda] o simplifica, aliás em consonância com a normal simplicidade desse tipo de ações, em que é frequente a não oposição do demandado.”
Seguindo de perto o entendimento plasmado no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo n.º 73674/18.4YIPRT.L1-2, relator Arlindo Crua, de 24-04-2019, disponível em www.dgsi.pt, “a injunção traduz-se num procedimento ou mecanismo eivado de simplicidade e celeridade, tendo por desiderato subjacente a cobrança simples de dívidas, por forma a “aliviar os Tribunais da massificação decorrente de um exponencial aumento de ações de pequena cobrança de dívidas”, surgindo num quadro de evidente necessidade de melhoramento dum sistema que “estava a permitir uma instrumentalização do poder soberano dos tribunais, transformando-os em agências de cobranças de dívidas, que o legislador criou o procedimento da injunção”; para a pertinente determinação da forma do processo a aplicar, não basta olhar e ponderar, apenas, se estamos ou não perante o cumprimento de uma obrigação pecuniária emergente de contrato de valor não superior a 15.000 €, antes urgindo, igualmente, para além da verificação e preenchimento de tais pressupostos, indagar se o pedido formulado está em consonância com o fim para qual foi estabelecida ou criada a forma processual a que o autor recorreu, bem como ter em atenção e ponderação se o litígio subjacente e natureza do contrato/relação obrigacional em causa implica o conhecimento de questões complexas e carecidas de um desenvolvimento e trato mais exigente, de forma a acautelar os direitos das partes em litígio (…)”.
Ora, de tudo quanto se expôs supra, afigura-se que no caso dos autos não poderá aplicar-se a ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos. Com efeito, analisando e ponderando devidamente as questões suscitadas pelas partes, resulta que o réu coloca em causa o cumprimento das legis artis médicas por parte da autora, sustentando não haver lugar ao cumprimento da sua obrigação, em face do cumprimento defeituoso por parte da autora.
A verdade é que a discussão em juízo das questões suscitadas pelo réu não se compadece com a marcha processual prevista para esta forma de processo especial. A apreciação do (não) cumprimento das legis artis médicas, de acordo com as circunstâncias do caso concreto, envolve, necessariamente, uma complexidade incompatível com a simplicidade e celeridade processuais que caracterizam o procedimento especial consagrado no DL n.º 269/98.
Acresce que, em face do litígio que opõe as partes, entende-se que as garantias das partes apenas ficarão, devidamente, acauteladas com a marcha processual que caracteriza o processo comum, concretamente no que respeita aos prazos processuais ali consagrados, número limite de testemunhas, delimitação do objeto do litígio e definição dos temas da prova, meios de prova, etc.
Assim sendo, não sendo o procedimento adotado pela parte o meio adequado, existe um obstáculo processual impeditivo do conhecimento de mérito, ocasionando exceção dilatória inominada, que determina a absolvição da instância (artigos 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º e 578.º,
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