Acórdão nº 5242/20.0T8VNF-C.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2022-02-24

Data de Julgamento24 Fevereiro 2022
Ano2022
Número Acordão5242/20.0T8VNF-C.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. Relatório

Na oposição à execução, mediante embargos, deduzida pelos executados A. F. e L. F., vieram os mesmos requerer a suspensão da execução, referindo, em suma, que foi impugnada a exigibilidade e a liquidação da obrigação exequenda [art.º 733.º, n.º 1, al. c) do CPC], pretensão à qual se opôs a exequente.
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Foi, então, proferida decisão, nos seguintes termos e fundamentos:
-“Determina o art.º 733, n.º 1, al. c) do CPC que «o recebimento dos embargos suspende o prosseguimento da execução se tiver sido impugnada, no âmbito da oposição deduzida, a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda e o juiz considerar, ouvido o embargado, que se justifica a suspensão sem prestação de caução».
Resulta deste normativo que, em regra, o recebimento de embargos não suspende a execução, o que se compreende, na medida em que se torna necessário garantir o pagamento da dívida exequenda mediante a penhora dos bens do executado, o que «visa pôr o exequente a coberto dos riscos da demora no seguimento do processo, objetivo que se adequa à função da garantia geral das obrigações que a lei civil (artigos 623.º e ss. do Cód. Civil) lhe assinala» [cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Junho de 2006 (processo n.º 1767/02)].
Ora, a provisão do art.º 733.º, n.º 1, al. c) do CPC pressupõe a reunião de dois elementos: estar impugnada, nos embargos, a exigibilidade e/ou a liquidação da obrigação exequenda e justificar-se a suspensão sem prestação de caução.
Relativamente ao primeiro pressuposto da previsão normativa, que tem natureza puramente factual e que depende apenas da confirmação que o executado deu à oposição à execução, temos que, efetivamente, os embargantes impugnaram a exigibilidade da obrigação.
No entanto, por si só, isto não basta para obter a suspensão da execução, pois, caso contrário, a lei não exige – como requer - que o juiz entenda que, para além desse requisito, que se justifica a suspensão da execução sem prestação de caução.
Será então de exigir que dos termos da impugnação, confrontados com os elementos de apreciação, maxime o título executivo, se revele algo de importante e manifesto que dispense o imperativo de colocar o exequente a coberto dos riscos da demora no prosseguimento da ação executiva ou do empreendimento de manobras delapidatórias por parte do executado [acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 05 de Maio de 2021 (processo n.º 505/13.3TBMMV-B.C1)]
Assim, o critério da justificação depende estritamente da interação entre os fundamentos e finalidades da ação executiva e a realidade factual apresentada pelo embargante/executado, pressupondo que se possa concluir que os autos contêm uma situação de vida que justifica a atenuação da pressão exercida sobre o executado pelas diligências coercivas do processo e a colocação em risco do princípio da efetividade que norteia o processo executivo (obter o cumprimento do direito), o que naturalmente decorre de se prescindir da caução [acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 02 de Julho de 2015 (processo n.º 602/14.8TBSTS-B.P1)].
Com efeito, como bem se decidiu no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13 de Novembro de 2018 (processo n.º 35664/15.1T8LSB-C.C1), «quando nos embargos o executado impugna a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda a conclusão de que se justifica a suspensão sem prestação de caução há-de exigir que o embargante suporte essa alegação numa versão factual consistente, verosímil, conforme às regras da experiência do comportamento humano e apresente logo meios de prova com forte valor probatório que se anteveja difícil de superar em sede de audiência de julgamento».
Não se trata de determinar se a obrigação exequenda é ou não inexigível ou ilíquida, mas antes de considerar se, perante os termos em que foram questionados aqueles pressupostos, se justifica que se suspenda o decurso da execução.
No caso, impõe-se constatar que, apesar dos embargantes questionarem a exigibilidade (a obrigação diz-se exigível quando estiver vencida ou depender de mera interpelação do devedor; a exigibilidade é o reconhecimento de que a obrigação se encontra vencida) da obrigação exequenda, no entanto, não alegaram absolutamente nenhum facto sobre as possíveis consequências da continuação da execução, o eventual prejuízo que essa continuação acarretará, o relevo ou dimensão desse prejuízo ou a sua irreparabilidade. É certo que o executado impugna a existência da obrigação exequenda/título executivo, porém, a discussão sobre a existência da obrigação delineada nos embargos de executado está bem longe de possuir características que permitam antever o sucesso dos embargos ou tornar essa possibilidade mais provável que o seu insucesso.
Com efeito, no cotejo entre o título executivo e anexos, bem assim, do requerimento executivo, e a impugnação deduzida pelos embargantes, não vemos alegados e demonstrados (ainda que de forma indiciária) quaisquer factos ou circunstâncias que justifiquem a suspensão da ação executiva sem a prestação de caução.
Na verdade, o título executivo é uma livrança preenchida de forma aparente com o respetivo pacto de preenchimento, apresentando-se a obrigação que dele exteriormente decorre, na aparência, válida, para efeitos de fundar uma execução, sendo que os termos da impugnação dessa prestação, quanto à sua exigibilidade, não são de forma a trazer elementos relevantes para afastar a regra da exigência de prestação de caução para que possa ser suspensa a execução. Ou seja, a impugnação não é de tal modo evidente nem reveladora de algo manifesto e importante que admita um juízo de justificação nos termos do artigo 733.º, n.º1, alínea c) do CPC.
Destarte, e estando em causa a situação da alínea c) do n.º1 do artigo 733.º do Cód. Proc. Civil, não se divisa que exista fundamento para afastar a regra de que a dedução dos embargos de executado não impede o prosseguimento do curso da execução, pelo que se indefere o pedido de suspensão da execução”.
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II-Objecto do recurso

Não se conformando com a decisão proferida, vieram os executados/embargantes interpor recurso, juntando, para o efeito, as suas alegações, e apresentando, a final, as seguintes conclusões:

A. A decisão que não admitiu a suspensão da execução enferma de nulidade por falta de fundamentação.
B. Tal decisão viola também o disposto na alínea c) do número 1 do artigo 733º do Código de Processo Civil que, ao contrário do que foi decidido, impunha e impõe que neste caso, tendo isso mesmo sido requerido com a propositura dos embargos, a respetiva admissão tivesse como consequência a suspensão da execução sem a prestação de caução;
C. A decisão recorrida pura e simplesmente não considerou o alegado quanto ao momento do vencimento da obrigação - “a obrigação diz-se exigível quando estiver vencida ou depender de mera interpelação do devedor”;
D. E ao período de tempo decorrido entre esse momento e a data que foi aposta no título;
E. Se tal ponderação tivesse sido efectuada – como devia – teria, por certo, sido ordenada a suspensão da execução.
F. A decisão recorrida violou, ainda, o disposto no artº 91º do CIRE que impõe que a data de vencimento das obrigações da insolvente (devedora principal) coincida com a da declaração de insolvência - norma legal imperativa.
G. É a data de declaração de insolvência – 19 de janeiro de 2017 – a data de vencimento do título cambiário,
H. Não tendo a Exequente exercido o seu direito cambiário até 18 de janeiro de 2020 prescreveu o seu direito, nos termos do artº 70º da LULL.
I. Inserir uma data no título que constitua um obstáculo à invocação da prescrição no período de três anos após a declaração de insolvência, equivale com toda a clareza a uma violação do pacto de preenchimento, a um preenchimento abusivo da livrança.
J. Existe má-fé para efeitos do artº 10º da LULL quando a portadora Exequente/ recorrida sabe – como não podia deixar de saber – que a obrigação subjacente à livrança se venceu e apõe no título uma data que impede a invocação da prescrição pelos avalistas, embargantes e agora recorrentes.
K. Os documentos juntos aos autos e o direito aplicável aos títulos de crédito e ao processo de insolvência permitem ao Juiz a quo, desde já, concluir o contrário do que fez na decisão em crise – permitem concluir que “os autos contêm uma situação de vida que justifica a atenuação da pressão exercida sobre o executado pelas diligências coercivas do processo”, a determinar a suspensão imediata da execução, sem prestação de caução.
L. O Tribunal deveria, em face dos documentos juntos aos autos, nomeadamente da prova da data da declaração de insolvência da devedora principal, declarar extinta, por prescrição, a obrigação exequenda, e, em consequência, extinguir a execução (dando total procedência aos embargos).
M. Assim não tendo entendido, deveria ter acautelado a posição em que se encontram os embargantes/recorrentes e suspender a execução, sem prestação de caução,
N. A decisão recorrida violou, assim, as normas citadas - da alínea c) do número 1 do artº733ºdo CPC, 91ºdo CIREe 10º, 43º, 44º, 70ºe77ºdaLULL, prejudicando injustamente e desnecessariamente a posição dos ora recorrentes.

TERMOS EM QUE DEVE SER REVOGADA A SENTENÇA RECORRIDA, E SER ORDENADA A IMEDIATA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO SEM PRESTAÇÃO DE CAUÇÃO,
Assim sendo feita a costumada JUSTIÇA!
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Foram colhidos os vistos legais.
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III - O Direito

Como resulta do disposto nos artos. 608º., nº. 2, ex vi do artº. 663º., nº. 2, 635º., nº. 4, 639.º, n.os 1 a 3, 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá...

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