Acórdão nº 5193/20.8T8CBR-A.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 25-02-2022

Data de Julgamento25 Fevereiro 2022
Ano2022
Número Acordão5193/20.8T8CBR-A.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE COIMBRA – J3)





I. Relatório:

1. A Sr.ª Juíza do Juízo Local Criminal de Coimbra – J3, Sr.ª Dr.ª (…), suscitou a resolução de conflito negativo de competência visando a determinação do tribunal competente para a tramitação processual conducente à prolação de decisão de mérito no processo n.º 5193/20.8T8CBR.

2. Cumprido o disposto no art. 36.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (doravante só designado de CPP), o Sr. Procurador-Geral Adjunto nesta Relação apresentou alegações escritas, no sentido da inexistência de impedimento da Mma. Juiz titular do acima identificado Juízo Local para a realização do julgamento no processo 5193/20.8T8CBR.


*

II. Fundamentação:

A) Elementos processuais relevantes:

1. No âmbito do processo 16068/13.7TDPRT, foi deduzida, em 08-03-2018, acusação pública contra A e M, imputando aos arguidos, com base na factualidade descrita nessa peça processual, a co-autoria material de um crime de insolvência dolosa e de um crime de favorecimento de credores.

2. Introduzido o processo na fase de julgamento, no início da audiência, a Sr.ª juíza ordenou a «separação dos processos nos termos e para os efeitos do artº 30º, n.º 1º, al. d), do Código de Processo Penal, devendo o arguido A, no processo em separado, ser notificado por éditos para se apresentar em juízo, em vinte dias, sob pena de ser declarado contumaz, nos termos e para os efeitos do artigo 335.º e seguintes do Código de Processo Penal», determinou o “início do julgamento” no processo acima identificado e «a extração de certidão e a remessa dos autos à distribuição», tendo declarado, desde logo, «o impedimento a que alude o artigo 40.º, alínea c) do Código de Processo Penal».

A final, através de sentença datada de 06-10-2020, foi decretada a absolvição da arguida M.

3. Nos autos autonomizados em razão das circunstâncias supra descritas (proc. n.º 5193/20.8T8CBR), a Sr. Juíz (…) lavrou, no dia 18-01-2022, despacho deste teor (transcrição parcial):

«Nos termos do artigo 40.º do Código de Processo Penal, (…).

Ora, a participação em julgamento anterior terá de ser interpretada no sentido de, no mesmo processo, já ter existido outro julgamento e por um qualquer motivo o mesmo ser repetido – não é este o caso dos autos, uma vez que tal originaria a violação do princípio do juiz natural.

(…).

Assim sendo, abra conclusão à Ex.ma Juiz titular do processo, pois, caso contrário, seria violado o princípio do juiz natural».

4. Proferiu, então, em 02-02-2022, a Sr.ª Juiza (…) o despacho que, nas partes relevantes, se passa a transcrever:

«Da leitura da sentença absolutória, elaborada pela ora signatária, e pese embora a separação de processos e culpas, o tribunal (…) teve de apreciar os factos e condutas imputadas e levadas a cabo (…) apenas pelo co-arguido A, levando-a a dar como assentes factos que consubstanciam/avam um claro juízo de culpa e de ilicitude sobre a conduta de A.

Isto mesmo resta nítido dos factos vertidos nos pontos 14.º, 31.º, 47.º e 55.º, infra transcritos, constantes da sentença, transitada em julgado (…).»

[Segue-se a transcrição integral dos factos dados como provados na dita sentença e da respectiva fundamentação, sendo que, em relação à factualidade provada, quando concatenada com a descrição factual da acusação, fundamentalmente, foram expurgadas e remetidas para o acervo dos factos não provados as “imputações concretizadas” dirigidas à co-arguida M, remanescendo a descrição factológica reportada às condutas do co-arguido A].

«Do impedimento legal:

Nos termos do artigo 40.º do Código de Processo Penal, «nenhum juiz pode intervir em julgamento, recurso ou pedido de revisão relativo a processos em que tiver: (…) a) (…); b) (…), c) Participado em julgamento anterior; d) (…); e) (…).

(…).

O julgamento anterior (…) não se limitou a conhecer de causas formais, processuais ou meramente adjectivas de extinção da instância.

Apreciou e concluiu pela ocorrência dos factos e pela culpabilidade de A.

(…).

O que está em causa nos presentes autos é o pré-juízo feito (…) sobre a culpabilidade de A, o ora arguido; uma apreciação feita sobre a conduta ilícita e dolosa que assentava numa co-autoria – que não se provou – mas que levou ao apuramento dos factos supra descritos em sentença transitada em julgado.

O thema probandum, o objecto do processo e do P.C.S. n.º 16068/13.7TDPRT é o mesmo. Os factos deste processo e do P.C.S. n.º 16068/13.7TDPRT são os mesmos. A prova deste processo e do P.C.S. n.º 16068/13.7TDPRT é a mesma.

Trata-se, de resto, da mesmíssima ratio que subjaz às demais alíneas do preceito legal citado, que determina a existência de tal impedimento no que concerne a juízes que tenham presidido a debate instrutório, à aplicação da medida v.g. de prisão preventiva, a decisão que tenha conhecido do objecto do processo, reusado a suspensão provisória ou a forma de processo sumaríssimo por discordar da sanção proposta…

Deste modo, recorrendo à metodologia hermenêutica, quer a compreensão teleológica da norma (…), quer os demais elementos de interpretação – gramatical, histórico, sistemático – determinam, em nosso entender, este sentido normativo como o único que se compraz também com o “sentido possível” do texto, da letra da lei (artigo 9.º do Código Civil).

Notifique e com cópia certificada [das peças processuais indicadas], remeta ao Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, atento o disposto no artigo 35.º do Código de Processo Penal


*

B) Cumpre decidir:

1. Preliminarmente, importa verificar se estamos perante um conflito de competência, nos termos em que ele é definido no artigo 34.º do Código de Processo Penal.

Dispõe este normativo, no seu n.º 1:

«Há conflito, positivo ou negativo, de competência quando, em qualquer estado do processo, dois ou mais tribunais, de diferente ou da mesma espécie, se considerarem competentes ou incompetentes para conhecer do mesmo crime imputado ao mesmo arguido».

A lei é clara sobre os pressupostos legais do conflito referido. Consiste na divergência entre dois ou mais tribunais em relação ao conhecimento de um feito jurídico-criminal, e surge...

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