Acórdão nº 5189/22.5T8VNG.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 25-09-2023

Data de Julgamento25 Setembro 2023
Ano2023
Número Acordão5189/22.5T8VNG.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo nº 5189/22.5T8VNG.P1

Sumário do acórdão proferido no processo nº 5189/22.5T8VNG.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:
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Acordam os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório[1]
Em 27 de junho de 2022, no Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia, Comarca do Porto, AA e BB instauraram a presente ação declarativa sob forma de processo comum contra CC pedindo que seja a doação identificada na petição inicial declarada nula, fazendo-se reverter a fração autónoma designada pela letra “A” – cave, pertencente ao prédio urbano afeto ao regime de propriedade horizontal sito na Rua ..., freguesia ... e ..., concelho de Vila Nova de Gaia, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...-..., inscrito na matriz sob o artigo ... à propriedade do autor AA.
Para fundamentar as suas pretensões, os autores alegaram, em síntese, que o autor AA doou mediante escritura pública celebrada em 22 de dezembro de 2015, no Cartório Notarial da Notária DD “por conta da sua quota disponível” ao réu, seu filho, a totalidade dos seus bens; o objetivo desta doação, era frustrar os seus credores na obtenção da satisfação dos seus créditos através da penhora e venda desse mesmo património; o autor BB nunca consentiu na doação.
Citado, com o benefício de apoio judiciário nas modalidades de nomeação e pagamento faseado da compensação de patrono e de pagamento faseado da taxa de justiça e demais encargos com o processo, o réu impugnou alguns dos factos alegados na petição inicial e alegou, em síntese, que o prédio em questão lhe foi doado pelo pai, autor nestes autos, o qual lhe quis efetivamente doar aquele bem imóvel, doação que o contestante aceitou; antevendo problemas, transtornos e despesas que lhe pudessem advir da transferência do património de seu pai para a sua esfera patrimonial, o réu só aceitou o pedido do pai porque este lhe assegurou que aquela fração ficaria para ele por conta da legítima; de resto, é o réu quem desde então se comporta como legítimo proprietário da fração, pagando todas as despesas inerentes à mesma, arrendando-a e recebendo as rendas; conclui pugnando pela total improcedência da ação.
Designou-se audiência prévia, frustrando-se a tentativa de conciliação das partes e sendo as mesmas advertidas da intenção do tribunal conhecer imediatamente do mérito da causa em virtude de estar em causa a arguição da nulidade de uma doação com fundamento em simulação pelos próprios simuladores, não tendo sido oferecido qualquer princípio de prova por escrito da invocada simulação negocial.
As partes não prescindiram de prazo para se pronunciarem sobre a questão suscitada pelo tribunal recorrido em sede de audiência prévia, tendo-lhes sido concedido o prazo de dez dias para tal efeito.
O réu pronunciou-se no sentido de dever conhecer-se antecipadamente do mérito da causa, julgando-se a ação totalmente improcedente e os autores nada disseram ou requereram.
Em 10 de fevereiro de 2023 foi proferida sentença[2] que julgou a ação totalmente improcedente absolvendo o réu do pedido.
Em 06 de março de 2023, inconformados com a sentença, AA e BB interpuseram recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
i. Os simuladores podem invocar a simulação, desde que disponham de documento que constitua um princípio de prova ou começo de prova, sendo-lhes então lícito complementar a prova já iniciada documentalmente (artº 394 nº 2 CC);
ii. O 1º A alegou que em 2015, fez uma doação ao R, seu filho de todos os seus bens, com acordo simulatório, pretendendo com aquela ficar sem bens disponíveis para penhora; tinha feito em 2012 uma confissão de dívida a um credor, já vencida à data da doação;
iii. Entendeu-se na douta sentença que inexistindo qualquer documento que constituísse um princípio de prova, não seria viável a acção intentada pelo 1º A.
iv. O 1º A. juntou um documento na petição (nº 3, não examinado na douta sentença), segundo o qual em acção de impugnação pauliana, ambos os simuladores aceitaram perante o credor a “validade da impugnação”, ou seja, admitiam a invalidade do acto de doação, e por isso punham à sua disposição parte dos bens doados que entre eles acertaram;
v. Um dos sentidos que daqui é lícito extrair é o de que o acto de doação foi viciado, com o fim de enganar terceiros; ainda o facto de o A. ter escolhido um filho para transmitir todos os seus bens é ainda um indício de que nele depositava confiança para uma futura reversão, o que reforça ainda mais a simulação;
vi. Portanto, deve entender-se que tal documento, assinado pelos simuladores e com todos os requisitos probatórios, dispõe da faculdade de constituir um princípio de prova, a completar com as restantes;
vii. O 2º A. é o outro filho do 1º A., e invocou a falta do seu consentimento, e o seu interesse em que o património (ainda não vendido) volte ao património do pai;
viii. Ainda que não alegue o seu prejuízo, este implicitamente decorre do que alegou e do acto de doação de todos os bens ao outro irmão; além de que o seu pai havia de representar a doação como consequência directa do seu acto;
ix. A simulação, ao contrário da lei substantiva anterior, não exige que haja prejuízo mas apenas o intuito de enganar (artº 240 nº 1 CC);
x. Portanto, estando alegado que o irmão donatário malbaratou o património, na sequência da doação (simulada), deve ser admitido pelo seu interesse directo a intervir na acção;
xi. Decidindo como decidiu, fez o tribunal uma errada interpretação do artº 394, 240 CC e 607 CPC, com o consequente erro de aplicação.
CC respondeu ao recurso pugnando pela sua total improcedência.
Atenta a natureza estritamente jurídica do objeto do recurso, com o acordo dos restantes membros do coletivo dispensam-se os vistos, passando-se a apreciar e decidir seguidamente.
2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelos recorrentes nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil
2.1 Da legitimidade substantiva do autor BB para arguir a simulação da doação celebrada em 22 de dezembro de 2015;
2.2 Da existência de princípio de prova documental da simulação[3].
3.1 Fundamentos de facto exarados na decisão recorrida
3.1.1 Factos provados
3.1.1.1
Por escritura pública denominada “Doação” outorgada no dia 22 de dezembro de 2015, o autor AA, declarou doar ao réu CC, entre outros, a fração autónoma designada pela letra “A” – cave, pertencente ao prédio urbano afeto ao regime de propriedade horizontal sito na Rua ..., freguesia ... e ..., concelho de Vila Nova de Gaia, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...-..., inscrito na matriz sob o artigo ....
3.1.1.2
O réu está registado como filho do autor AA.
3.1.1.3
O segundo autor está registado como filho do autor AA.
3.1.2 Factos não provados
3.1.2.1
O acordo referido em 1. [3.1.1.1] foi celebrado com o objetivo de frustrar os credores do autor AA da obtenção da satisfação dos seus créditos através da penhora e venda desse mesmo património.
3.1.2.2
Com a celebração do acordo referido em 1. [3.2.1.1] o autor AA nunca quis doar a fração aí identificada e o réu nunca quis aceitar essa doação.
4. Fundamentos de direito
4.1 Da
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