Acórdão nº 518/22.4JAFAR-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 26-09-2023

Data de Julgamento26 Setembro 2023
Ano2023
Número Acordão518/22.4JAFAR-A.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO

1. No Tribunal Judicial da Comarca de … – Juízo Local Criminal de …, Processo com o nº 518/22.4JAFAR, foi proferido despacho, aos 05/07/2023, que alterou o estatuto coactivo e determinou que o arguido AA passasse a aguardar os ulteriores termos processuais sujeito à medida de coacção de prisão preventiva.

2. Inconformado com o teor do referido despacho, dele interpôs recurso o arguido, para o que formulou as seguintes conclusões (transcrição):

1.ª Entende a decisão recorrida que a “factualidade mais gravosa” resulta das declarações dos restantes arguidos e de testemunhas amigos daqueles.

2.ª Testemunhas cujos depoimento actuais divergem substancialmente dos que prestaram logo após os acontecimentos.

3.ª Ou seja, a convicção do Digno Tribunal foi criada por depoimentos contraditórios e ilógicos de pessoas que construíram a “história” em liberdade e de acordo com o seu interesse.

4.ª Havendo câmaras de vigilância no local, não se compreende porque não foram estas objecto de visualização.

5.ª Os factos recolhidos permitem acreditar ter havido na sua análise uma tendência particular, já que não foram concedidos ao Recorrente todos os meios de defesa.

6.ª No despacho do M.P. defende-se a “factualidade bem mais gravosa” com o depoimento das testemunhas BB (fls 280) e CC (fls 246).

7.ª Veja-se o depoimento de ambos, que são elucidativas nas divergências existentes.

8.ª O primeiro afirma que só ele é que viu a agressão e que após esta o Arguido escondeu-se na casa-de-banho.

9.ª O segundo descreve a agressão, que viu, afirmando ainda ter empurrado o Arguido até à casa de banho…

10.ª Isto é que são os depoimentos que identificam uma “factualidade mais gravosa”.

11.ª Gravidade que não se alterou desde a fixação das medidas de coacção.

12.ª O Arguido escolheu cumprir a medida de coação em casa da sua irmã, numa altura em que esta se havia separado do marido.

13.ª Contudo, viviam na mesma casa, mas em quartos separados.

14.ª A chegada do Arguido a casa do casal agravou irremediavelmente as relações entre o casal e, consequentemente, entre o Arguido e o cunhado.

15.ª O ambiente em casa era de grande violência, proporcionada por discussões violentas e que criaram no Arguido uma sensação de desespero e impotência.

16.º Foi esse ambiente hostil que levou o Arguido a praticar um acto de enorme desespero e sofrimento.

17.ª O Arguido nunca pretendeu fugir, mas tão só transferir-se para uma casa com ambiente propício.

18.ª O Arguido reconhece que agiu mal, mas nunca pretendeu eximir-se à responsabilidade dos seus actos.

19.ª O Arguido nega a autoria do “Storie” publicado na sua página do Instagram.

20.ª Em todo o caso, não se compreende como aquelas afirmações possam prejudicar a conservação e a veracidade da prova.

21.ª Em caso algum foi ponderada, pelo M.P., a possibilidade de o Arguido ter agido drasticamente por se ter sentido ameaçado por vários indivíduos.

22.ª A Acção do Arguido não foi determinada de forma gratuita, nem representa a “história” que o grupo do ofendido quis fazer passar.

23.ª Não há, seguramente, factos que possam determinar o agravamento do estatuto coactivo do Arguido.

Termos em que deve dar-se provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a douta decisão recorrida, substituindo-se por Douto Acórdão que determine a substituição da medida de prevenção aplicada ao Arguido, de prisão preventiva, por outra menos gravosa e que permita a integral recuperação do Recorrente.

Com tanto, e com o Douto e Valioso suprimento de VV: Excelências, que se pede e espera, far-se-á JUSTIÇA

3. O recurso foi admitido, a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo.

4. Respondeu à motivação de recurso o Magistrado do Ministério Público junto do tribunal a quo, pugnando por lhe ser negado provimento.

5. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

6. Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, nº 2, do CPP, não tendo sido apresentada resposta.

7. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

Cumpre apreciar e decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO

1. Âmbito do Recurso

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/1999, CJ/STJ, 1999, Tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995.

No caso em apreço, atendendo às conclusões da motivação de recurso, as questões que se suscitam são as seguintes:

Existência de fundamento para a agravação da medida de coacção anteriormente aplicada ao recorrente.

Necessidade, adequação e proporcionalidade, da medida de coacção de prisão preventiva.

2. Elementos relevantes para a decisão

2.1 Aos 27/12/2022, em sede de 1º interrogatório judicial de arguido detido, foi aplicada ao arguido a medida de coacção de prisão preventiva, “sem prejuízo de aplicação da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, com meios de controlo à distância, caso se reúnam as condições técnicas para o efeito”, por existirem fortes indícios da prática pelo mesmo de um crime de homicídio, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 131º, 22º e 23º, do Código Penal e se verificarem em concreto os perigos de perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas, perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo (nomeadamente para a aquisição, conservação e veracidade da prova) e perigo de continuação da actividade criminosa.

2.2 Por despacho de 16/01/2023, foi determinado que passasse o arguido a estar sujeito à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, com fiscalização através da utilização de meios técnicos de controlo à distância.

2.3 Por despacho de 22/03/2023, procedeu o tribunal recorrido ao reexame dos pressupostos da medida de coacção aplicada ao arguido, tendo sido mantida a determinada em 16/01/2023, por se não terem alterado esses pressupostos.

2.4 O despacho recorrido, lavrado aos 05/07/2023, apresenta o seguinte teor, na parte que releva...

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