Acórdão nº 508/22.7GABNV.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2023-06-28

Ano2023
Número Acordão508/22.7GABNV.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I. RELATÓRIO
1. Da decisão
No Processo Sumário n.º 508/22.7GABNV da Comarca de Santarém Juízo Local Criminal de Benavente - Juiz 1 realizado julgamento foi decidido:

“- Condenar o arguido AA, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292º, nº 1 do CP, na pena de 10 (dez) meses de prisão;

- Suspender a execução da pena de prisão pelo período de 1 (um) ano e 6 (seis) meses a contar do trânsito em julgado da (…) sentença, nos termos dos artigos 50º, nº 5, 52º, nº 3 e 53º todos do Código Penal, mediante regime de prova, com frequência, se adequada e gratuita, da resposta estruturada de reinserção social denominada Taxa.Zero e com sujeição a tratamento médico da sua dependência alcoólica, caso o mesmo se venha a revelar necessário, após avaliação médica;

- Condenar o arguido AA na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 1 (ano) ano e 1 (um) mês, nos termos do disposto no artigo 69º, nº 1, al. a) do CP;

(…) Fica o arguido advertido de que para efetivação da proibição de conduzir, deverá, no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado desta decisão, entregar a sua carta de condução na Secretaria deste Tribunal ou em qualquer posto policial, sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência e de ser ordenada a apreensão daquele título, nos termos do Art.º 500.º, n.ºs 2 e 3 do C. P. Penal e Art.º 69.º, n.º 3 do C. Penal – cf. AUJ 3/2013 de 08/01.

Fica ainda advertido de que, durante o período da pena acessória em que foi condenado, não pode conduzir veículos com motor, sob pena de incorrer na prática do crime de violação de imposições, proibições ou interdições (art. 353º do CPP).”.


2. Do recurso
2.1. Das conclusões do arguido
Inconformado com a decisão o arguido interpôs recurso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição):
“I. O presente recurso tem por objeto a matéria de facto e de direito da douta Sentença, proferida pelo Tribunal a quo, a qual condenou o Recorrente pela prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1, do CP, na pena de 10 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano e 6 meses, mediante regime de prova, com frequência, se adequada e gratuita, da resposta estruturada de reinserção social denominada “Taxa Zero” e com sujeição a tratamento médico da sua dependência alcoólica, caso o mesmo se venha a revelar necessário, após avaliação médica; bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, pelo período de 1 ano e 1 mês, ao abrigo do disposto no artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do CP.
II. Discutida a causa, o Tribunal a quo deu como provados os factos constantes dos pontos 1 a 16 dos factos provados e julgou como não provados os factos constantes da alínea a) dos factos não provados.
III. É com esta motivação de facto que o Recorrente não se conforma, por considerar que, face à prova documental junta aos autos, conjugada com aquela que foi concretamente produzida em sede de audiência de julgamento, impunha-se ao Tribunal a quo julgar como provados todos os factos incluídos na alínea a) dos factos não provados.
IV. Após a leitura da douta acusação, o Recorrente confessou, de forma integral, livre e esclarecida, os factos por si praticados e explicou, por palavras suas, ao Tribunal a quo os motivos que determinaram a prática daqueles factos.
V. Quanto aos factos confessados pelo Recorrente, não houve lugar a produção de prova, dispensando-se as testemunhas indicadas pela acusação.
VI. O Recorrente consentiu sujeitar-se a tratamento médico de dependência alcoólica, caso tal viesse a ser considerado necessário.
VII. Em cumprimento do formalismo legal, foram inquiridas as duas testemunhas indicadas pelo Recorrente e elaborado Relatório Social.
VIII. Analisada a prova produzida em sede de julgamento, a versão apresentada pelo Recorrente, para ter exercido a condução de um veículo automóvel, no dia e hora dos factos descritos na douta acusação pública, resulta provada, por credível, tendo sido corroborada pelas Testemunhas BB e CC.
IX. A Testemunha BB confirmou que, no dia 4 de dezembro de 2022, recebeu, no seu telemóvel, uma chamada telefónica do filho, a qual foi atendida pelo Recorrente; esclareceu que, no decorrer dessa chamada telefónica, o filho relatou que a irmã (identificada como “DD”) e o namorado desta (identificado como “EE”) estavam no interior da casa onde aquele mora com a Testemunha CC, mãe da Testemunha BB, e que, não obstante a insistência daquela, se recusavam a sair, gerando-se um clima de grande ansiedade, nervosismo, tensão e medo entre todos os intervenientes. Relatou, também, que tanto a filha, como o namorado desta, são pessoas violentas e que, por diversas ocasiões, já agrediram a Testemunha CC, no interior da habitação desta, não obstante se tratar de uma pessoa idosa e com graves problemas de saúde. Ao tomarem conhecimento do que se estava a passar e em resposta ao pedido de ajuda que lhes foi dirigido, a Testemunha BB, assim como o Recorrente, dirigiram-se imediatamente para casa da Testemunha CC.
X. O Recorrente atuou com o intuito de evitar que Testemunha CC fosse novamente agredida pela neta e/ou pelo namorado desta; o que só não veio efetivamente a ocorrer devido à pronta intervenção do mesmo e da Testemunha BB.
XI. A Testemunha CC relatou, de forma isenta e pormenorizada, que, nesse mesmo dia, a neta tinha aparecido em sua casa e, não obstante a oposição daquela, insistia em aí permanecer, na companhia do namorado; confirmou temeu efetivamente pela sua vida e integridade física, uma vez que já foi agredida pelo namorado da neta, empurrões e chapadas na cara; pediu socorro ao Recorrente e à Testemunha BB, tendo confirmado que estes tomaram conhecimento daquela situação através de uma chamada telefónica efetuada pelo neto para o telemóvel da mãe.
XII. Não restam dúvidas quanto à identidade de quem efetuou e de quem recebeu a chamada telefónica referida pelo Recorrente, nem quanto ao conteúdo da mesma, inexistindo as contradições referidas pelo Tribunal a quo.
XIII. Cabia ao Tribunal a quo proceder a uma correta análise da prova produzida e, em consequência, julgar como provados os motivos que estiveram na base da condução pelo Recorrente, conforme descritos na alínea a) dos factos não provados.
XIV. Pelo que, ao condenar o Recorrente pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º do CP, o Tribunal a quo não procedeu a uma análise rigorosa da prova produzida, julgando incorretamente os factos descritos na alínea a) dos factos não provados. Sem conceder,
XV. O artigo 32.º, n.º 2, da CRP consagra no nosso ordenamento jurídico o princípio in dúbio pro reo, segundo o qual todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação.
XVI. Analisada a decisão condenatória de que agora se recorre, verifica-se que o Tribunal a quo reconhece ter ficado com dúvidas quanto aos motivos que determinaram a deslocação do Recorrente a casa da Testemunha CC.
XVII. Ao invés de sanar tais dúvidas, o Tribunal a quo optou por as considerar em sentido desfavorável ao Recorrente.
XVIII. Pelo que, o Tribunal a quo procedeu, também, a uma errada interpretação e aplicação do artigo 32.º, n.º 2, da CRP; o que é suscetível de configurar uma violação dos princípios constitucionais do in dúbio pro reo e da presunção da inocência.
XIX. O crime de condução de veículo em estado de embriaguez, em que o Recorrente foi condenado, encontra-se previsto no artigo 292.º, n.º 1, do CP, sendo legalmente punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
XX. Analisada a prova documental carreada para os autos, conjugada com aquela que foi efetivamente produzida em sede de audiência de julgamento, resulta provado que o Recorrente procedeu à condução do seu veículo na via pública, não obstante se encontrar embriagado, por se ter visto confrontado com uma situação que, ao que tudo indica, representava um perigo iminente para a vida e integridade física da Testemunha CC.
XXI. A Testemunha CC é frequentemente agredida pelo namorado da neta, nomeadamente com empurrões e chapadas na cara; apesar de já terem chamado, por diversas vezes, as autoridades a casa da Testemunha CC, as mesmas costumam demorar demasiado tempo ou, como referido, nem sequer comparecem.
XXII. Foi neste circunstancialismo que o Recorrente, fundadamente receoso pela vida e integridade física da Testemunha CC, prestes a ser afetada, em grau mais ou menos grave, resolveu deslocar-se a casa desta, o mais rapidamente possível, utilizando para o efeito o seu veículo automóvel.
XXIII. Face ao comportamento adotado pelo dito indivíduo, existia, de forma séria e iminente, a possibilidade de aquele lograr cometer sobre a Testemunha CC novos atos de agressão corporal, de imprevisível gravidade.
XXIV. Onerar o Recorrente com o ónus de aguardar pela chegada das autoridades a casa da Testemunha CC, revela-se, no presente caso, totalmente desajustado.
XXV. A situação de iminente perigo para a vida e integridade física da Testemunha CC manteve-se até ao momento em que o Recorrente e a Testemunha BB chegaram a sua casa e expulsaram o indivíduo identificado como “EE”.
XXVI. A aludida situação de perigo para integridade física da Testemunha CC não foi voluntariamente criada pelo Recorrente e o interesse na salvaguarda do direito à integridade física daquela apresentou-se-lhe como notoriamente superior ao interesse subjacente à proibição legal da condução de veículos automóveis em estado de embriaguez.
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