Acórdão nº 507/22.9BEPNF.P2 de Tribunal da Relação do Porto, 19-12-2023

Data de Julgamento19 Dezembro 2023
Número Acordão507/22.9BEPNF.P2
Ano2023
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. 507/22.9BEPNF.P2

Sumário
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I - Relatório
“A..., Unipessoal, Lda.” intentou o presente procedimento cautelar comum perante o tribunal administrativo e fiscal de Penafiel contra AA, BB e “B..., S.A.”.
Pede que:
“A. seja ordenado a título cautelar aos primeiros requeridos AA e mulher BB que se abstenham de qualquer ato ou comportamento que impeça o acesso de qualquer forma, por parte da segunda requerida B... ao posto de transformação que se encontra dentro da sua propriedade, de forma a concretizar e efetivar a ligação de energia à unidade industrial da requerente;
B. seja ordenado a título cautelar à segunda requerida B... que concretize e efetive a ligação de energia à unidade industrial da requerente;
C. sejam condenados os primeiros requeridos e a segunda requerida B... no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória no valor de 100,00€ por dia de incumprimento da providência que vier a ser decretada (…).”
Para tanto, alegou que:
- é uma sociedade comercial unipessoal por quotas que se dedica à fabricação de mobiliário de madeira e de cozinha, fabricação de obras de carpintaria para a construção, fabricação de folheados, contraplacados e lamelados;
- desenvolve a sua atividade comercial num pavilhão industrial para oficina de marcenaria, sito na Travessa ..., na freguesia ...;
- a requerida B... é concessionária da rede de distribuição de energia elétrica em alta e média tensão em todo o território nacional, sendo ainda concessionária da rede de distribuição de baixa tensão na maioria dos concelhos, entre os quais o concelho de Paredes;
- tendo a rede de distribuição de energia elétrica explorada pela requerida B... em regime de concessão, o estatuto de utilidade pública, conforme decorre expressamente do disposto no n.º 1 do artigo 12º do Decreto-lei nº 29/2006 de 15.02 que consagra as Bases Gerais da Organização e Funcionamento do Sistema Elétrico Nacional;
- para o normal desenvolvimento da sua atividade, a requerente (na altura alimentada de energia elétrica da rede pública em BT – Baixa Tensão (400/231 V – 50 Hz) dotou a sua unidade industrial de condições para ser alimentada eletricamente, neste caso a partir da rede pública de MT-Média Tensão (15000 V) sita na proximidade, uma vez que a maquinaria necessária para o desenvolvimento dessa sua atividade, fruto da modernização, exige maior potência para que possam trabalhar;
- para o efeito, contratou os serviços de técnicos especializados para o desenvolvimento e instrução de todo o processo de modernização da rede elétrica para acompanhar a modernização da sua maquinaria e no início do ano de 2019, efetuou junto da requerida B... (anteriormente designada por C... S.A) como operadora da rede de distribuição elétrica em MT por concessão atribuída de serviço público, um “Pedido de Condições de Ligação à rede de MT” bem como de um “Pedido de ligação à rede em MT (Média Tensão)” para a construção e implantação de um PT (Posto de Transformação) privativo aéreo tipo A11 de 250 KVA/15KV – 400-231 V – 50 HZ na sua unidade industrial, sita, como já aludido, na Travessa ..., freguesia ... e concelho de Paredes;
- tendo recebido resposta favorável por parte daquela requerida que confirmou que era viável a alimentação elétrica pretendida em MT (Média Tensão);
- em consequência, a requerida B... apresentou à requerente um orçamento no valor de 5.041,30 €, que contemplava a opção “todos os elementos de rede são construídos pela C...”, o que foi aceite pela requerente, que liquidou aquele valor;
- celebrado o exigido contrato de comercialização e inserido na competente plataforma de comunicação eletrónica, por outra comercializadora, que não a do mesmo grupo D... (E..., SA), a requerida B... marcou/agendou o dia 28 de janeiro de 2022 para a pretendida ligação elétrica, o que não aconteceu por alegada intervenção e oposição de "Terceiros" em não permitir o acesso ao poste metálico de derivação/ligação, sito nos seus terrenos;
- o atraso na ligação causou e ainda causa grave prejuízo à requerente, que efetuou um enorme investimento em maquinaria, razão pela qual solicitou um PT (Posto de Transformação) privativo de MT (Média Tensão), pois que toda essa maquinaria necessita de alimentação de maior potência, então requisitada de 187,50 KVA para poder trabalhar;
- celebrou com a requerida B... um contrato para alimentar/fornecer energia às suas instalações de MT, pagou todos os montantes solicitados por aquela, que por sua vez não cumpriu com a sua contraprestação, de forma injustificada e com enorme prejuízo para a requerente, que viu grande parte das suas encomendas suspensas, sendo que outras não as pôde aceitar porque não pode utilizar a maquinaria que adquiriu para as produzir;
- foram marcadas várias datas para a referida ligação sem contudo a mesma se ter realizado, o que levou a que todos esses fatos e ocorrências fossem relatados numa queixa-reclamação contra a requerida B... enviada a 15/03/2022 para a ENSE – Entidade Nacional para o Sector Energético E.P.E.;
- na sequência de uma participação à entidade reguladora do setor energético - a ERSE - Entidade Reguladora dos serviços energéticos - a requerente recebeu um email daquela entidade em 26.04.2022 dando conta da posição da requerida B... que mais uma vez veio confirmar que “até à presente data, não se afigurou possível concluir a ligação requisitada porquanto tem esta vindo a ser confrontada com vicissitudes exteriores, relacionadas com oposição de terceiros ao acesso à rede elétrica (…)”;
- os proprietários do terreno onde se encontra o poste metálico de MT, construído pela requerida B... e que se têm oposto a que esta proceda à ligação no mesmo são os primeiros requeridos.
- estão em causa os postos de trabalho de oito trabalhadores e a sobrevivência da requerente enquanto empresa, que não consegue trabalhar, rentabilizar o seu trabalho e consequentemente prevê-se que não poderá muito brevemente cumprir com os seus compromissos quer com fornecedores, funcionários, com a banca a quem teve que recorrer para fazer investimento e com as autoridades fiscais.
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Os requeridos deduziram oposição, invocando a exceção da incompetência material dos tribunais administrativos para conhecerem da causa, invocando, ainda, os 1ºs. requeridos a exceção da sua ilegitimidade passiva. Impugnaram a versão dos factos alegada pela requerente, atribuindo-se mutuamente a responsabilidade pela falta da ligação da energia elétrica.
A requerente pugnou pela improcedência das invocadas exceções.
O tribunal administrativo e fiscal de Penafiel declarou-se materialmente incompetente para conhecer da causa, tendo os autos sido remetidos para o juízo local cível de Paredes.
Teve lugar audiência de discussão e julgamento.
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Foi proferida decisão com o seguinte teor:
A - Ordeno, a título cautelar, os Primeiros Requeridos AA e esposa BB que se abstenham de qualquer ato ou comportamento que impeça o acesso de qualquer forma, por parte da Segunda Requerida B... ao poste (apoio) que se encontra na sua propriedade, de forma a concretizar e efetivar a ligação de energia à unidade industrial da Requerente;
B - Ordeno, a título cautelar, à segunda Requerida B... que concretize e efetive a ligação de energia à unidade industrial da Requerente;
C - Condeno os Primeiros Requeridos e a Segunda Requerida B... no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória no valor de 100,00 € por dia de incumprimento da providência decretada.
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Inconformados, os requeridos AA, BB interpuseram o presente recurso. Finalizaram com as seguintes conclusões.
- Há manifesto erro na apreciação da prova testemunhal e do depoimento de parte;
- Analisada a lei, vista a doutrina e a jurisprudência não pode deixar de se decidir, pelos argumentos expostos que tinha, pois, o Tribunal a quo, antes de decidir, de ouvir os argumentos das partes.
- Assiste, deste modo, razão aos apelantes, ao concluir pela violação do contraditório, elevado, na verdade, até, à categoria de princípio constitucional, revelando-se a existência de decisão surpresa.
- Proferida decisão-surpresa, com violação do princípio do contraditório, em desrespeito pelo estatuído no art. 3º, nº 3, do NCPC, incorre-se numa nulidade processual, nos termos do art. 195º, nº 1.
- O ato administrativo que licencia a construção tem subjacente a verificação dos pressupostos exigidos por lei para a sua aprovação por motivos de ordem pública que implicam a intervenção do Estado ou das autarquias para verificar se são cumpridas as leis em vigor que asseguram um bom ordenamento, qualidade e segurança da construção, designadamente o RGEU.
- Mas essa intervenção não é ato de constituição de servidão (ver ACs. STJ de 29 de Junho de 1989, BMJ 388-520 e de 12 de Novembro de 1991, BMJ 411-343).
- Quando a lei fala em servidão constituída por decisão administrativa apenas visa a intervenção do Estado, sentido amplo, em conceder ao particular a utilização dum uso a favor dum seu prédio (particular), como é exemplo o aproveitamento de águas públicas por particulares (ver artigo 1560 n. 2 do C.Civil, neste sentido Pires de Lima, Direitos Reais, 394 e Henrique Mesquita, RLJ 129-255) e em que essa utilização, por represamento da água, é concedida mediante um processo a decorrer perante a entidade pública (ver Tavarela Lobo, Manual do Direito das Águas, vol. I.
- As partes são legítimas quando ocupam na relação jurídica controvertida uma posição tal que têm interesse em que sobre ela recaia uma sentença que defina o direito.”
- A exigência deste requisito pretende acautelar que a causa seja julgada perante os verdadeiros e principais interessados na relação jurídica, tornando-se assim necessário que estejam em juízo, como autor e réu, as pessoas titulares da relação jurídica em causa (Acórdão da Relação de Guimarães, de
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