Acórdão nº 504/21.1PBBRR-A.L1-5 de Tribunal da Relação de Lisboa, 06-06-2023

Data de Julgamento06 Junho 2023
Ano2023
Número Acordão504/21.1PBBRR-A.L1-5
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


1Relatório


No processo nº 504/21.1PBBRR que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Instrução Criminal do Barreiro, por despacho datado de 7/11/22 foi rejeitado o requerimento de abertura de instrução do recorrente, ao abrigo do disposto no art.º 287º, nº 3 do Cód. Proc. Penal, por ter sido apresentado através de correio electrónico, com o recurso ao servidor de correio electrónico da Ordem dos Advogados, sem que do correio electrónico conste a assinatura electrónica avançada do seu mandatário, nem a aposição de selo temporal por entidade terceira idónea e sem que o original do requerimento de abertura de instrução tenha sido remetido ao Tribunal no prazo dos dez dias subsequentes.

Inconformado com esta decisão, o arguido AA interpôs o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
A)–O tribunal a quo decidiu rejeitar o requerimento de abertura de instução apresentado pelo arguido, ora recorrente, por ter sido enviado por correio eletrónico, sem assinatura digital, nem validação cronológica, por entidade terceira idónea, tendo, por isso, o valor da telecópia e sem que tenham junto aos autos o respectivo original, no prazo de legal de 10 dias.
B)–O artigo 287º, nº 3 do CPP consagra que o requerimento de abertura de instrução só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do Juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução, não tendo ocorrido nenhum destes motivos. O despacho recorrido viola esta disposição legal, sendo expressão da prevalência da forma em detrimento da verdade material pela qual o Processo Penal, para não dizer toda a Justiça, sempre deverá ser norteado
C)–Não constitui causa de rejeição do Requerimento de Abertura de Instrução a não verificação do disposto na Portaria nº 642/2004 de 16 de Junho, referente aos actos processuais e notificações enviados por correio electrónico simples.
D)–Inexiste sanção legal para a não remessa do original do email no prazo legalmente previsto de 10 dias.
E)–Tratando-se de mera irregularidade processual, o despacho recorrido, para além de violar a ratio da Portaria 642/2004 de 16 de Junho e o artigo 3º, viola o princípio da adequação formal e o princípio de colaboração a que o tribunal está adstrito pelo disposto no artigo 7º do CPC.
F)–Tal irregularidade deveria ter sido sanada, competindo ao Tribunal a quo, ao abrigo do princípio da adequação formal, ter endereçado o convite à signatária do requerimento para junção do original.
G)–A decisão de rejeição do requerimento, sem prévia notificação à parte que o apresentou, é extrema e viola o sistema de direitos liberdades e garantias consagrado na Constituição da República Portuguesa, designadamente, fere, de forma desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva, na modalidade de direito a um processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4, e artigo 18.º da Constituição).
H)–Por identidade de razões, cita-se relativamente à rejeição liminar do recurso apresentado pelo arguido, enviado por correio eletrónico, o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 174/2020, de 11/03/2020, decidiu julgar inconstitucional, por ferir, de forma desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva, na modalidade de direito a um processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4, e artigo 18.º da Constituição), "a interpretação normativa extraída da conjugação do artigo 4.º da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, do artigo144.º , n.ºs 1, 7 e 8, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, e da Portaria n.º 280/2013, de 26 de agosto, com o disposto nos artigos 286.º, 294.º e 295.º do Código Civil, e artigo 195.º do CPC aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho segundo a qual é nulo o recurso apresentado pelo arguido a juízo, por correio e eletrónico, dentro do prazo, no âmbito do processo penal, sem prévio convite à apresentação daquela peça processual pela via considerada exigível.”
I)–A falta de um processo equitativo é patente no facto de a Advogada signatária ser notificada pelo tribunal a quo do despacho de rejeição do RAI por correio electrónico, quando o envio do RAI através o mesmo meio é rejeitado, sem mais.
J)Assim, deve o despacho recorrido ser substituído por outro que, por atempado, receba o requerimento.
K)Considerando-se essa necessidade, deve o despacho ser substituído por outro que determine a apresentação do original do RAI e documento junto do mesmo.”
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O recurso foi admitido, com subida imediata, em separado e com efeito suspensivo.
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O Ministério Público apresentou resposta, formulando as seguintes conclusões:
1º- Por despacho de 7 de novembro de 2022, o Exmº JIC proferiu despacho de rejeição do requerimento de abertura de instrução, apresentado pelo arguido AA, por extemporâneo, nos termos do preceituado no artº 287º, nº3 do CPP, uma vez que o mesmo foi apresentado em 19/09/2022, através de correio eletrónico, utilizando o servidor da Ordem dos Advogados.
Não veio o arguido, no prazo de 10 dias, a entregar o original, na secretaria judicial ou serviço do MP.
2º- O arguido, não se conformando com tal despacho, veio recorrer do mesmo, alegando, para o efeito, que o requerimento de abertura de instrução foi enviado ao Tribunal por correio eletrónico, em tempo e assinado digitalmente via eletrónica pelo endereço oficial emitido pela Ordem dos Advogados (OA); Caso o Tribunal entendesse faltar cumprir alguma formalidade, como a validação da peça processual, deveria ter notificado o assistente para este juntar os originais respetivos; O Tribunal "a quo" violou, entre outras, a norma do nº 3 do artº 287º do Cód. Proc. Penal, pelo que requer o Recorrente/Assistente que seja declarado nulo o despacho de rejeição de abertura da Instrução, ou que seja o arguido convidado a suprir a mera irregularidade de falta de assinatura eletrónica válida.
3º- O requerimento de abertura de instrução não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos atos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar (...)" (n.º 2, do artº 287º do CPP).
4º- A abertura de instrução pode ser requerida no prazo de 20 dias a contar da notificação da acusação ou do arquivamento; Tal como se verifica dos autos, o arguido AA, foi notificado do despacho de acusação, no dia 05/08/2022 (cf. Prova de depósito por PD sob o registo 33345938, junto aos autos em 11/08/2022).
5º- Logo, o prazo de 20 dias acrescidos dos 5 dias de dilação do correio previstos no art.° 113º, n.º 3, do CPP, terminou no dia terminou no dia 25.09.2022. pelo que a entrega dos originais na secretaria do tribunal ou serviços do M°P°, deveria ocorrer nos 10 dias seguintes.
6º- Competia ao arguido, nos 10 dias seguintes, apresentar o original do requerimento de abertura de instrução, o que não ocorreu,
7º- Tal como supra se refere, dispõe o artigo 10.º da dita Portaria 642/2004, à apresentação de peças processuais por correio eletrónico é aplicável o estatuído no DL n.º 28/92, de 27-02, o qual disciplina o regime do uso de telecópia, estabelecendo o artigo 4.º do último dos diplomas mencionados a obrigatoriedade de serem remetidos, no prazo de 10 dias..."
8º- Quanto a eventual convite do Exmº JIC, ao arguido, para apresentar os originais do requerimento, no prazo de 10 dias, o despacho do Exmº JIC, sustentado, aliás, na lei, refere que o prazo de 20 dias é perentório.
9º- Consequentemente, conceder mais 10 dias ao arguido, não tem cabimento nem fundamento legal, sendo que a maioria da jurisprudência entende que no caso de o requerimento para abertura da instrução padecer de irregularidades ou de deficiências, não deve haver convite ao aperfeiçoamento do mesmo, por ausência de normativo legal que permita a formulação desse "convite".
10º-Pelo exposto, o requerimento só podia ser, como foi, rejeitado, por extemporâneo, nos termos do nº3 do artº 287º do CPP.
11º-Consequentemente, deverá manter-se o despacho de rejeição, por extemporâneo do RAI.
12º- Não se mostram violadas quaisquer normas legais.”
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Nesta Relação, o Ministério Público emitiu parecer, acompanhando a posição assumida na primeira instância, no sentido da improcedência do recurso e da manutenção da decisão recorrida.
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Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 417º, nº 2 do Cód. Proc. Penal, nada tendo o recorrente vindo acrescentar ao já por si alegado.
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Proferido despacho liminar, teve lugar a conferência.
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2– Objecto do Recurso
Conforme o previsto no art.º 412º do Cód. Proc. Penal, o âmbito do recurso é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação do recurso, as quais delimitam as questões a apreciar pelo tribunal ad quem, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso (cf. neste sentido, Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, vol. III, 1994, pág. 320, Simas Santos e Leal-Henriques, in “Recursos Penais”, 9ª ed., 2020, pág. 89 e 113-114, e, entre muitos outros, o acórdão do STJ de 5.12.2007, no Processo nº 3178/07, 3ª Secção, in Sumários do STJ, www.stj.pt, no qual se lê: «O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação - art. 412º, nº 1, do CPP -, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações
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