Acórdão nº 5020/20.6T8VNG.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-09-12

Data de Julgamento12 Setembro 2022
Ano2022
Número Acordão5020/20.6T8VNG.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Procº nº 5020/20.6T8VNG.P1
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 1285)
Adjuntos: Des. Rui Penha
Des. Jerónimo Freitas

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório

AA, aos 31.07.2020, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra X..., S.A., tendo formulado o seguinte pedido:
“deverá a presente acção ser julgada procedente por provada, considerando-se a parcela remuneratória paga a titulo de “Complemento de Desempenho”, como retribuição, condenando-se a Ré a pagar à Autora as diferenças salariais inerentes à sua integração na remuneração base cujos valores desde janeiro de 2020 a 30/09/2020 ascendem a 405,00€, bem como as que se vierem a vencer na pendência dos autos.
Deverá ainda a Ré,
ser condenada no pagamento dos juros de mora desde a citação até efetivo e integral pagamento.”
Alegou, para tanto e em suma, que, trabalhando para a R., beneficiou, em termos retributivos, de montantes relativos a Complemento de Desempenho, o qual, todavia, a R. deixou de lho pagar a partir de 2020, sem razão justificativa.

A R. contestou a acção, defendendo, em síntese, que a prestação pecuniária em apreço não integra o conceito de retribuição, porquanto o respectivo pagamento está dependente da avaliação positiva do desempenho do trabalhador, avaliação essa que, na situação da A., decaiu.

Proferido despacho a fixar o valor da acção em €10.800,00, bem como despacho saneador tabelar, com dispensa de indicação do objecto do litígio e temas da prova e realizada a audiência de discussão e julgamento, cujo encerramento ocorreu aos 17.11.2021, foi, aos 23.11.2021, proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo a Ré dos pedidos contra ela formulados.

Inconformada, a A. recorreu, tendo formulado as seguintes conclusões:
“1. O presente recurso vem interposto da douta sentença que julgou improcedente a presente ação, absolvendo a Ré dos pedidos contra a mesma formulados.
2. Com o devido respeito considera a recorrente que o Mm.º Juiz a quo, atenta a matéria de facto dada como assente, não fez uma correta interpretação das normas jurídicas aplicáveis, designadamente, dos art.ºs 258º, 1, 2 e 3, 260º al. c) e 129º n.º 1 al. d) todos do Código do Trabalho.
3. Pelo que a interpretação conjugada dos referidos preceitos legais determinaria um outro resultado interpretativo, oposto ao entendimento sufragado pelo Tribunal a quo, o que determinaria uma decisão diversa, no sentido da procedência da pretensão da recorrente.
4. O entendimento da Autora assenta no facto de que a Ré durante sete anos consecutivos, desde 2012 a 2019 inclusive, pagou à trabalhadora uma prestação pecuniária regular, periódica no valor anual de 540,00€ (paga trimestralmente) que acrescia à remuneração base e diuturnidades.
5. Conforme dispõe o art.º 258º n.º 1, 2 e 3 do CT considera-se retribuição a prestação que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho. A retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, em dinheiro ou em espécie. Presume-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador.
6. As prestações regulares e periódicas, como acontece com o denominado “Complemento de Desempenho” pagas pelo empregador à trabalhadora, independentemente da designação, só não serão consideradas parte integrante da retribuição se tiverem uma causa específica e individualizável, diversa da remuneração de trabalho.
7. Cabe ‘pois ao empregador provar que as quantias que paga destinam-se a compensar/incentivar o mérito do trabalhador na atividade que exerce na empresa.
8. No caso em apreço consta do Despacho da DRH de atribuição do Complemento de Desempenho datado de 15/07/2012 que “o pagamento de cada uma das prestações fica condicionado à confirmação de nível de desempenho, bem como à permanência do trabalhador, pelo período em referência, na empresa em efetivo exercicio de funções e sob o seu poder executivo”.
9. Pese embora o referido Despacho indique como condicionante do recebimento por parte do trabalhador do Complemento de Desempenho ao que parece ser uma avaliação de desempenho, fá-lo de uma forma vaga e imprecisa, sem concretizar o procedimento ou critério de avaliação.
10. Alega a Ré que a retirada do Complemento de Desempenho a partir de janeiro de 2020 se deveu ao facto da Autora ter reduzido o nível de desempenho e o rendimento do seu trabalho.
11. Na verdade a Autora em 2019 obteve uma avaliação sensivelmente mais baixa de 3,87 (numa escala de 0 a 5), comparativamente com os anos anteriores, mas o mesmo já acontecera nos anos de 2013 e 2014 em que a nota baixou de 17 para 16 (numa escala de 0 a 20) e a prestação recebida a título de complemento de desempenho manteve-se inalterada.
12. De todo o modo nunca a ré esclareceu a partir de que nota avaliativa o trabalhador teria direito a este complemento, ou a partir de que nota avaliativa deixaria de o receber.
13. Aliás a comunicação enviada pela Direção de Recurso Humanos à Autora em 31/12/2019 sob a referência “Alteração de prestações compensatórias” onde é mencionado que esta alteração se deveu “… a política de compensação definida pela Empresa para o ano económico de 2020, o seu quadro retributivo deixará de incluir o pagamento de Complemento de Desempenho a partir do próximo dia 1 de janeiro de 2020”.
14. Em momento algum, como se extrai da comunicação, a Ré esclareceu que a retirada do referido Complemento se deveu à redução do nível de desempenho da Autora.
15. O Mm.º Decisor desvalorizou assim a prova documental junta aos autos.
16. Encontrando-se pois demonstrado que a Ré pagava à Autora uma prestação pecuniária que denominava de Complemento de Desempenho com regularidade trimestral, num valor fixo, durante sete anos, sem se saber qual o seu concreto fundamento, deverá valer a presunção prevista no art,.º 258º n.º 3 do CT, integrando tal prestação a retribuição da Autora.
17.Pelo que não poderá deixar de ser paga sendo ainda insuscetível de qualquer redução conforme art.º 129ºn.º 1 do CT.
18. Assim a sentença sob recurso não fez a correta interpretação das normas jurídicas aplicáveis nomeadamente do disposto nos art.ºs 258º n.ºs 1, 2 e 3, 260º al. c) e 129º n.º 1 d) todos do Código do Trabalho.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência ser a decisão proferida revogada e substituída por outra que considere a parcela remuneratória paga a título de Complemento de Desempenho como retribuição, integrativa na retribuição base.”

A Ré contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões:
“1.º A Sentença ora em crise não merece, nos temas em causa, objectiva censura.
2.º Com efeito, a decisão do Tribunal a quo analisa devidamente a questão da natureza retributiva da prestação, excluindo-a do conceito de retribuição por aplicação da al. c) do n.º 1 do art.º 260.º do Código do Trabalho e, em consequência, da aplicação do princípio da irredutibilidade da retribuição plasmado no art.º 129.º do mesmo legal compêndio.
3.º Relativamente à alegada regularidade da prestação em causa, e sendo esta uma das características da prestação que permite que a mesma se subsuma ao conceito de retribuição ínsito no n.º 2 do art.º 258.º do Código do Trabalho, também é verdade que a verificação dessa característica não é determinante para, por si só, conferir natureza retributiva a determinada prestação.
4.º Ademais, a Recorrente desconsiderou todo o raciocínio jurídico posterior desenvolvido pelo Tribunal a quo, bem como a factualidade dada por provada.
5.º O Tribunal a quo veio dar por provado, com interesse para a boa decisão da causa, que “a atribuição, pela R. aos seus colaboradores, do apelidado Complemento de Desempenho, dependia da avaliação do desempenho profissional destes, quer individualmente, quer em equipa.
Facto este que a A. não podia desconhecer, porquanto apôs a sua assinatura no documento junto ao processo a fls. 37 v.º, do qual se retira expressamente que tal atribuição fica condicionada ‘à confirmação de nível de desempenho’”, conforme consta dos pontos m) a t) do elenco da matéria de facto provada, matéria essa que não foi impugnada pela Recorrente, mas antes expressamente aceite por esta.
6.º Ora, a prova produzida nos autos, parece ser suficiente para subsumir a prestação em causa à previsão constante da al. c) do n.º 1 do art.º 260.º do Código do Trabalho.
7.º Note-se que a própria Lei veio acolher a tese da retribuição modular ou padrão, de acordo com a qual se exclui do conceito de retribuição em sentido estrito as prestações cujo pagamento não é justificado pela prestação de trabalho em si mesma, mas por outra específica motivação – conforme tem vindo a ser entendido, de forma uniforme e pacífica, pela Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça e demais Tribunais Superiores.
8.º O acolhimento de tal tese significa que o princípio da irredutibilidade da retribuição previsto no art.º 129.º do Código do Trabalho não incide sobre a globalidade da retribuição auferida, mas apenas sobre a retribuição estrita, retribuição estrita esta que não inclui, entre outras, as prestações associadas ao desempenho do trabalhador que não se encontram antecipadamente garantidas.
9.º Aliás, a própria Lei é expressa ao excluir do conceito de retribuição “as prestações decorrentes de factos relacionados com o desempenho ou mérito profissionais (…) cujo pagamento, nos períodos de referência respetivos, não esteja antecipadamente garantido” – art.º 260.º, n.º 1, al. c) do Código do Trabalho.
10.º Face ao exposto, tendo ficado provados os citados pressupostos – designadamente, que a atribuição do Complemento de Desempenho dependia do efetivo desempenho da trabalhadora Autora, não se encontrando antecipadamente garantido o seu
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