Acórdão nº 5012/18.5T8GMR.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2024-02-22

Ano2024
Número Acordão5012/18.5T8GMR.G2
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

O Ministério Público instaurou processo judicial de promoção e proteção relativamente à menor AA, nascida a ../../2017, filha de BB e de CC.
Foi solicitada a realização de relatório social ao Instituto da Segurança Social que emitiu parecer no sentido de aplicação de uma medida de promoção e proteção de Apoio junto dos pais, a executar junto da mãe.
Uma vez junto o mesmo, o M.º P.º promoveu a designação de data para audição dos progenitores e do Gestor Técnico do caso.
Pelo Tribunal a quo foi proferido em 09/11/2022 o seguinte despacho:
“O processo é de jurisdição voluntária, nos termos do art.º 100.º da L.P.C.J.P. Assim, não obstante o parecer da E.M.A.T. e promoção do Ministério Público, por ora, com cópia do relatório antecedente, das sentenças proferidas nos apensos e dos relatórios periciais aí constantes (e deste despacho), solicite avaliação psicológica da criança e dos progenitores ao I.N.M.L. Após decidir-se-á o processado subsequente. Notifique-se e demais D.N.”.
Juntos aos autos os relatórios periciais veio a progenitora CC requerer a notificação da perita para especificar as concretas medidas psicossociais que entende que devem /podem ser adotadas a fim de garantir a segurança da criança e acautelarem o seu superior interesse.
O progenitor também requereu que a perita prestasse esclarecimentos.
O M.º P.º promoveu novamente a designação de data para audição dos progenitores e do Gestor Técnico do caso.
De seguida, pelo Tribunal a quo foi proferido despacho indeferindo, por desnecessários à instrução dos autos e tomada de decisão, os requerimentos de ambos os progenitores, considerando não ver utilidade para a instrução dos autos tomar declarações aos progenitores, pois certamente nada acrescentariam ao que disseram já em sede pericial, e o técnico da E.M.A.T. também não terá mais conhecimentos que os mesmos ou que a perita e determinando o arquivamento dos autos nos termos do artigo 111.º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (de ora em diante apenas LPCJP) por não se verificar uma situação de perigo, designadamente a prossecução do superior interesse da criança ou jovem.
Inconformada, veio a progenitora CC interpor recurso do despacho que determinou o arquivamento tendo sido proferida decisão Sumária que, julgando procedente a apelação, revogou a decisão recorrida e determinou que o Tribunal a quo proferisse despacho a, deferindo os requerimentos apresentados pelos progenitores, determinar que a perita prestasse os esclarecimentos pretendidos e, na sequência destes quaisquer outros que se revelassem necessários, e designasse data para a tomada de declarações aos progenitores e ao gestor do processo, bem como a realização de quaisquer outras diligências que se viessem a revelar necessárias.
Para cumprimento do decidido foram ouvidos os progenitores, o gestor do processo e a Senhora Perita em esclarecimentos.
Foi também determinada a audição das seguintes testemunhas indicadas pela Progenitora: DD, Educadora de infância/Coordenadora no Patronato ..., EE, Educadora de infância no Patronato ..., FF, Auxiliar no Patronato ... e GG, médica de medicina geral na USF ....

Veio a ser proferida sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva:
“Assim, concordamos com a medida proposta pela EMAT e secundada pela Digna Magistrada do M.P., pelo que se decide pela aplicação de uma medida de proteção de APOIO JUNTO DOS PAIS, A EXECUTAR ESPECIALMENTE JUNTO DA MÃE, com as seguintes injunções:
- colaborar com a presente equipa no acompanhamento da situação familiar, comparecendo sempre que solicitados;
- manterem os cuidados básicos à criança (alimentação, educação, saúde, conforto e saúde);
- fazerem um esforço para diminuir o grau de litigiosidade e, em especial, manter a menor completamente preservada;
- garantirem que a menor frequente com assiduidade, consulta de apoio psicológico, junto de profissional isento ( não indicado pela mãe ou pelo pai), com vista a minimizar e desconstruir os efeitos psicológicos de eventuais falsas memórias relativas aos relatos dos pretensos abusos que deram origem a estes autos;
- No que respeita à progenitora com quem a menor reside, proteger a AA de situações que a possam deixar desconfortável, abstendo-se de observações depreciativas face ao outro progenitor, de a questionar inadequadamente sobre putativos abusos sexuais protagonizados pelo progenitor, de incutir na menor falsas memórias, de andar atrás de lastro probatório para consubstanciar a sua pretensa suspeita e, em caso algum, torpedear os convívios e a boa relação que a mesma mantém com o outro progenitor pois que, a persistirem os indicadores desse lamentável aviltamento, o tribunal ver-se-á forçado a eventualmente rever as responsabilidades parentais, atribuindo a residência da menor a pessoa diversa.
A gestora do processo, tratará do acompanhamento psicológico da menor e do acompanhamento da medida.
Estas medida, se não antes, será revista em 6 meses.
Notifique e comunique e demais D.N.”.

Inconformada, veio a progenitora CC interpor novamente recurso, concluindo as suas alegações da seguinte forma:
“1-O presente recurso visa matéria de facto e de direito.
2-A douta sentença recorrida encontra-se ferida da nulidade prevista no artigo 615º n.º 1 al. b), (ex vi artigo 607º n.º 3) do Cód. Proc. Civil, conforme se evidenciou supra em I, porquanto não elencou provados e não provados, em violação do artigo 121º n. º2 da Lei 147/99, de 1 de setembro, tornando impossível à recorrente sindicar o concreto iter decisório em matéria de facto e subsequente aplicação do direito.
3-Consequentemente e sem prescindir, padece de falta de fundamentação de facto já que o Tribunal proferiu a decisão ancorado em pressupostos que não se encontram minimamente comprovados, nem resultam de factos assentes, o que constitui nulidade, por violação da mesma norma do CPC.
Ainda sem prescindir,
4-É manifesto que o Tribunal errou na apreciação da prova e não só na falta de elenco da mesma, pelas razões constantes da motivação precedente e das demais que V. Exas. Doutamente suprirão.
5-O Tribunal tinha que dar como provado, face aos documentos e depoimentos evidenciados supra em II, que manifestamente o impõem, que:
i. À semelhança do que a mãe relatou na queixa, a menor foi sucessivamente e em diversos contextos, relatando que o pai lhe mexia na pombinha, circunstanciando que lhe tirava o pijama e a deixava em cuecas, que o fazia de noite, na cama, e que ela o sentia;
ii. Não era o pai que lhe dava banho e a vestia, tarefa da avó paterna quando se encontra com o pai;
iii. A perícia psicológica se revelou inconclusiva, para o sim e para o não, quanto à credibilidade dos relatos, mas não quanto à existência dos mesmos;
iv. A Perita garantiu que ninguém pode assegurar que a situação de perigo esteja afastada.
6-Perante esta factualidade, impõe-se diferente decisão de direito que passa por assumir que o perigo para a menor não se encontra de forma nenhuma afastado e que o superior interesse da mesma, à semelhança do que se decidiu no Acórdão referenciado supra, impõe a revogação do decidido e a sua substituição por medida de apoio junto dos pais, residindo a criança em exclusivo com a mãe e fixando-se contactos entre a criança e o pai/família sob supervisão, por forma a prevenir perigo, enquanto não se mostrar, seja pela idade da menor, seja pelo comportamento do pai, seja pelas conclusões retiradas da supervisão, ou por outro motivo relevante e evidenciado, que se encontra completamente afastado qualquer perigo e que a menor pode, sem o correr, conviver e pernoitar com o pai.
7-Da mesma forma se impõe que seja revogada, por infundada e manifestamente abusiva, a última parte da decisão recorrida, que visa exclusivamente e sem assento em qualquer facto, a mãe, como se de uma delinquente manipuladora – que não é-, se tratasse”.
O Ministério Público apresentou contra-alegações pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
A menor AA apresentou contra-alegações pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
O progenitor também apresentou contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção da decisão recorrida.
Cumpre apreciar e decidir.
***
II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigos 124º da LPCJP e 639º do Código de Processo Civil, de ora em diante designado apenas por CPC).

As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pela Recorrente são as seguintes:
1) Saber se a sentença é nula por falta de fundamentação [artigo 615º n.º 1 alínea b) do CPC];
2) Saber se deve ser mantida a medida aplicada pelo Tribunal a quo.
***
III. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Da nulidade da decisão recorrida
Conforme supra delimitamos é objeto do presente recurso aferir da nulidade da decisão recorrida por falta de fundamentação nos termos previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 615º do CPC.
Vejamos.

Dispõe este preceito que:
1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido”.
Começamos por precisar que as decisões judiciais podem encontrar-se viciadas por causas distintas, sendo a respetiva consequência também diversa: se existe erro no julgamento dos factos e do direito, a consequência é a revogação, se foram...

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