Acórdão nº 4957/20.7T8VNG.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 14-11-2022

Data de Julgamento14 Novembro 2022
Ano2022
Número Acordão4957/20.7T8VNG.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo nº 4957/20.7T8VNG.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Vila Nova de Gaia – Juízo de Comércio, Juiz 1
Relator: Miguel Baldaia Morais
1º Adjunto Des. Jorge Miguel Seabra
2ª Adjunta Desª. Maria de Fátima Andrade
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SUMÁRIO
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I- RELATÓRIO

“M..., Lda.” veio intentar a presente ação declarativa em processo comum contra “B..., S.A.”, pedindo que seja declarada nula a deliberação tomada na assembleia geral da ré realizada em 16 de julho de 2020.
Para substanciar tal pretensão alega ser acionista da ré, tendo sido convocada para uma assembleia geral a realizar na referida data, sendo que da respetiva convocatória faziam parte os seguintes pontos da ordem de trabalhos: “A) Discussão e votação das contas do exercício de 2019; B) Discussão e votação da proposta do Administrador Único sobre aplicação dos resultados do exercício constante do relatório de gestão”.
Acrescenta que na convocatória vinha anexo o Balanço de 2019 e o relatório de gestão, não tendo sido enviado o parecer do ROC.
Mais alegou que, na data agendada, realizou-se a assembleia geral da ré, na qual não esteve presente o fiscal único, tendo estado presentes todos os acionistas, sendo que a autora, através do seu representante, pediu esclarecimentos, aos quais o administrador único respondeu, considerando a autora que as respostas dadas foram evasivas, sem qualquer concretização ou explicação plausível.
Referiu ainda que não teve acesso ao parecer do Fiscal único sobre as contas do exercício do ano de 2019, facto que não lhe permitiu obter a informação necessária sobre a vida da sociedade, tendo sérias dúvidas sobre os esclarecimentos prestados na assembleia geral pelo administrador dada a ausência do fiscal único e inexistência do respetivo parecer.
Conclui dizendo que, por violação do direito à informação, se viu impedida de votar esclarecidamente as deliberações em crise, sendo que estas são nulas por ofensivas dos bons costumes, constituindo um manifesto abuso de direito por parte dos sócios que votaram favoravelmente a deliberação de distribuição de apenas 50% dos lucros, já que a mesma visou prejudicá-la, obstando a que pudesse obter a adequada rentabilidade pela sua participação social.
Devidamente citada, a ré deduziu contestação, pugnando pela improcedência da presente ação.
Alega, para tanto, que a ata da assembleia geral foi lavrada em colaboração com o representante da autora, que aceitou a sua redação. Por outro lado, entre a convocatória da Assembleia Geral (08.06.2020) e a referida Assembleia Geral (16.07.2020) decorreram quase 5 semanas, sendo que durante tal período nenhum pedido de esclarecimento ou dúvida foi transmitida à Ré. A autora, simplesmente, compareceu na Assembleia Geral, aí solicitando os esclarecimentos que ficaram lavrados em ata, não tendo requerido qualquer outro esclarecimento, sendo certo que se outras questões tivessem sido levantadas, teriam as mesmas sido certamente esclarecidas.
Alega também que todos os elementos de informação relativos à atividade da R. estiveram sempre à disposição da A., inclusive na Assembleia Geral, sendo que o parecer do ROC foi, efetivamente, enviado posteriormente à convocatória, mas a tempo de ser estudado pela autora, não tendo esta levantado qualquer objeção nessa assembleia no que respeita à falta do relatório do ROC, quer à ausência deste.
Acrescenta que todos os elementos de informação relativos à atividade da Ré estiveram sempre à disposição da autora, quer anteriormente, quer no dia da Assembleia Geral, não tendo a mesma manifestado qualquer intenção de consultar qualquer informação, nem se “queixou” de lhe ter sido sonegada ou escondida informação.
Por último, refere que, nessa assembleia, a autora não apresentou qualquer outra proposta de distribuição dos lucros, limitando-se a votar “contra” a proposta de aplicação de resultados, sendo que a deliberação em causa foi tomada por não se revelar aconselhável uma maior distribuição dos lucros em face das circunstâncias do mercado.
Foi proferido despacho saneador em termos tabelares, definiu-se o objeto do litígio e fixaram-se os temas de prova.
Realizou-se audiência de julgamento, vindo a ser proferida sentença que julgou a ação improcedente.
Não se conformando com o assim decidido, veio a autora interpor o presente recurso apelação, que foi admitido a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes
CONCLUSÕES:
1. A sentença recorrida acabou por considerar a acção totalmente improcedente e em consequência absolveu a Ré B... do pedido.
2. A aqui recorrente não pode aceitar o entendimento do tribunal recorrido.
3. Conforme resulta dos factos provados na assembleia geral de 16 de Julho de 2020 foram aprovadas as contas do exercício do ano de 2019 e a proposta do Administrador Único sobre a aplicação dos resultados do exercício.
4. Na acção interposta pela Autora discutiam-se duas questões: a violação do dever de informação e a violação do dever de distribuição dos lucros.
5. Começando pela violação do dever de informação, a aqui recorrente alega que o relatório do ROC não foi enviado com a convocatória nem o Fiscal único esteve presente na assembleia geral de aprovação de contas.
6. Ora sobre a questão do relatório do Fiscal Único a sentença recorrida de forma surpreendente dá como não provado factos negativos (“não tenha sido enviado posteriormente o parecer do ROC à A. e “a autora, antes da assembleia, não tenha consultado na sede social os documentos de suporte da contabilidade”).
7. Ora tendo a Autora alegado que não lhe foi enviado o referido relatório cabia à Ré a prova do respetivo envio! E tendo sido notificada para o efeito não o fez!
8. A Ré foi notificada para o efeito e apenas em 16/3/2022 juntou o mesmo aos autos, apesar de na contestação (artigo 14º da contestação) referir que o mesmo tinha sido enviado à Autora!
9. Parece-nos pois claro que não se pode extrair a conclusão de que não tendo a Autora referido na ata que faltava o relatório do ROC que o mesmo tivesse sido enviado!
10. Sendo certo que a Fiscal Único não esteve presente na assembleia geral de aprovação de contas (dever esse previsto no artigo 422º nº 1 alinea a) do Código das Sociedades Comerciais).
11. O Fiscal Único ao não estar presente impediu de facto o accionista de obter uma informação profícua e verdadeira sobre as contas do exercício do ano de 2019, sendo certo que ao votar contra as contas do ano de 2019 mesmo após os esclarecimentos do Administrador Único a aqui recorrente apenas o fez por não ter um interlocutor que em principio será uma entidade independente e credível no sentido de ter efectuado uma fiscalização conscienciosa e imparcial das contas do ano de 2019.
12. Parece-nos assim claro que ao não ter tido acesso à certificação das contas do ano de 2019 por parte do ROC e à não comparência do ROC na assembleia geral a Autora viu coartado o seu direito à informação previsto no artigo 290º do Código das Sociedades Comerciais.
13. Já quanto à questão do dever de distribuição dos lucros.
14. Sabemos que esta questão é pouco debatida em termos de jurisprudência e doutrina sendo certo que ao contrário do que defende a sentença recorrida não se pode considerar como principio base o de que sendo distribuídos 50% dos lucros fica satisfeito o escopo legal.
15. O principio legal de distribuição mínima dos lucros pelos sócios (artigos 217 nº 1 e 294º nº 1 CSC) não pode implicar que não tenha que existir uma justificação por parte da Administração da sociedade para não ir além desse mesmo mínimo legal!
16. E no caso concreto vemos que a proposta de aplicação de resultados em momento algum justifica a razão de apenas serem distribuídos 50% dos lucros!
17. A sentença recorrida de forma surpreendente vem justificar estes 50% com o relatório do fiscal único junto aos autos em 16/03/2022! A assembleia geral realizou-se em 16 de Julho de 2020.
18. Na opinião da aqui recorrente e tendo por base o principio da defesa do interesse dos accionistas minoritários (e a aqui Recorrente é minoritária dado que as participações sociais ligadas ao Administrador Único AA levam-no a ter mais de 50% dos votos) a deliberação de distribuição dos lucros deve ser justificada no sentido de os sócios conseguirem perceber que determinada distribuição dos lucros (quer seja o mínimo legal ou sejam 60, 70 ou 80% dos lucros) é a que melhor serve os interesses da sociedade. Sendo que no caso vertente nenhuma justificação existe para que sejam distribuídos apenas 50% dos lucros do exercício.
19. Como sabemos nas sociedades existe a tendência para que a mesma se possa transformar numa relação de poder ou domínio da maioria. No caso do direito ao lucro, importa, a este respeito, diferenciar o direito a quinhoar nos lucros que a sociedade venha a distribuir (ou direito ao lucro stricto sensu) que constitui um núcleo inderrogável do sócio, não estando sob o império do princípio maioritário, mas tal já assim não sucede com o direito a uma efetiva distribuição de lucros distribuíveis.
20. Parece-nos assim claro que atendendo à tendência moderna da protecção das minorias, nomeadamente, naquelas sociedades em que não ocupam cargos sociais remunerados (e,
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