Acórdão nº 4941/21.3T8LRS-A.L1-2 de Tribunal da Relação de Lisboa, 15-09-2022

Data de Julgamento15 Setembro 2022
Ano2022
Número Acordão4941/21.3T8LRS-A.L1-2
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na Secção Cível (2ª Secção) do Tribunal da Relação de Lisboa:
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I - FS intentou acção especial de divisão de coisa comum contra J.
Alegou a A., em resumo:
Vivendo A. e R. em união de facto, adquiriram em compropriedade um lote de terreno para construção e nele construíram uma moradia composta de três pisos, para habitação, com logradouro, sita na Rua … …, nº …, em Camarate, descrita na Conservatória do Registo Predial de Loures sob o nº … da União das Freguesias de Camarate, Unhos e Apelação, tendo para o efeito contraído empréstimos bancários e contribuindo com os respetivos rendimentos para o pagamento das prestações dos ditos empréstimos.
Assim, A. e R., ainda devedores de parte de dois empréstimos, são comproprietários daquela moradia na proporção de metade. Todavia, tendo-se separado em Maio de 2020, a A. pretende pôr termo a essa situação de compropriedade.
Pediu a A. que se declare que A. e R. são comproprietários da referida moradia, em partes iguais, ordenando-se a divisão da mesma moradia na proporção de metade para a A. e metade para o R., ou, concluindo-se tratar-se de bem indivisível, promover a sua adjudicação ou venda, com repartição do respetivo valor na dita proporção de metade para cada um.
Contestou o R.. Na contestação impugnou alguma da factualidade alegada pela A., salientando, designadamente, que com o produto da venda de um imóvel, que era da sua exclusiva propriedade, procedeu à amortização de um dos empréstimos contraídos por ambas as partes, mas admitindo que A. e R. são comproprietários da citada moradia, na proporção de metade para cada um, bem como pretender, igualmente, pôr fim à situação de compropriedade. Afirmou não ser possível a divisão em substância do imóvel, mas que em caso de adjudicação a qualquer um dos comproprietários ou de venda do imóvel indiviso, não se poderá repartir o respetivo valor entre as partes na proporção de metade para cada um, havendo que reconhecer a favor do R. um crédito sobre a A..
Neste contexto, deduziu o R. pedido reconvencional, dizendo dever ser reconhecido a seu favor um crédito sobre a A. no montante que então fixou (provisoriamente) em 37.500,00 €, pugnando pela admissibilidade da dedução de pedido reconvencional no caso concreto.
Concluindo, a final:
«…deve, ao abrigo da conjugação do disposto nos artigos 266.º, n.º 3, 37.º, n.º 2 e 926.º, n.º 3, todos do Código de Processo Civil, admitir-se a reconvenção deduzida pelo Réu, seguidamente a se ordenar que o processo siga os termos, subsequentes à contestação, do processo comum e, em consequência, deve reconhecer-se, a favor de JC, um crédito sobre a autora FS, no montante ora fixado em 37.500,00€ (trinta e sete mil e quinhentos euros), pelas supracitadas razões, a fim de obter a sua compensação na partilha do valor, através de adjudicação do imóvel ou venda a terceiro e repartição do valor».
A A. apresentou réplica na qual defendeu a inadmissibilidade da reconvenção, uma vez que de acordo com a tramitação prevista para a forma de processo especial de divisão de coisa comum, não sendo contestada a compropriedade, a indivisibilidade do bem e a proporção das quotas, se seguiria a realização de uma conferência com vista a acordo quanto à adjudicação, não havendo lugar a quaisquer diligências de processo comum o que tornava manifesta a incompatibilidade de tramitação processual a seguir. Defendeu, igualmente, não deter o R. qualquer crédito sobre si.
Concluiu requerendo a não admissão da reconvenção, sendo ordenado o prosseguimento dos autos nos termos do processo especial de divisão de coisa comum, nomeadamente com a marcação da conferência de interessados, bem como que caso assim não seja entendido, seja julgado improcedente o pedido reconvencional, absolvendo-se a autora do mesmo, e, ainda que, no caso de ser reconhecido crédito ao réu, seja reconhecido o crédito da A. sobre o R. em valor a apurar (nunca inferior a 20.000,00€) e, assim, ser julgada a compensação entre os créditos em causa.
O R. respondeu e concretizou que a liquidação antecipada do empréstimo aludido na contestação que apresentara, ocorrido em 1-7-2010, fora no valor de 61.199,08 €.
Foi proferido despacho saneador, havendo o Tribunal de 1ª instância decidido – despacho recorrido:
«Os presentes autos seguem a forma de ação especial de divisão de coisa comum, regulada nos artigos 925.º e segs. do Código de Processo Civil, a qual integra uma fase declarativa e uma fase executiva.
A fase declarativa visa decidir sobre todas as questões suscitadas pelo pedido de divisão, conforme previsto no artigo 926.º, n.º 2 do Código de Processo Civil. Estas questões prendem-se, maioritariamente, com a divisibilidade do bem e fixação de quotas de cada um dos comproprietários. Contudo, poderão suscitar-se outras questões que influam no pedido de divisão e que devam ser apreciadas nesta fase declarativa.
Verificando-se que a questão não pode ser sumariamente decidida, o juiz manda seguir os termos, subsequentes à contestação, do processo comum.
Veio o Requerido deduzir reconvenção pugnando pelo reconhecimento do seu direito de crédito sobre a Requerente no valor de € 61.199,08, montante que entende ser seu património exclusivo e que foi utilizado para pagamento de empréstimo concedido às duas partes destes autos e que teve como fim a aquisição do lote de terreno onde foi implantada a habitação cuja divisão se pretende.
O artigo 266.º, n.º 2, al. c) do Código de Processo Civil admite a dedução de reconvenção quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor.
No caso dos autos a Requerente não peticiona um direito de crédito sobre o Requerido, mas sim a divisão de um bem comum. Assim, a fase declarativa não visa a apreciação de direitos de crédito mas sim a divisibilidade do bem e a fixação da quota de cada um dos comproprietários.
Contudo, na fase executiva desta ação poderá o bem ser adjudicado a um dos comproprietários, cabendo-lhe pagar tornas ao outro comproprietário. Poderá também o bem ser vendido, ao que o valor da venda deverá ser dividido por cada um dos comproprietários.
Nessa altura, cumpre apurar o valor de tornas ou o montante do preço que cabe a cada comproprietário, nascendo um crédito do respetivo montante. E é nessa fase que o pedido deduzido pelo Requerido se mostra relevante, operando a compensação que se venha a julgar procedente.
Face ao exposto, admite-se a reconvenção deduzida pelo Requerido.
Notifique».
Foi, ainda, decidido que uma vez «que a apreciação do pedido reconvencional não pode ser sumariamente decidida, seguem os presentes autos a forma de processo comum».
Apelou a A., concluindo nos seguintes termos a respectiva alegação de recurso:
1. A apelante interpõe o presente recurso do despacho do tribunal a quo que admite a reconvenção e manda seguir o processo declarativo comum, por entender que o mesmo, salvo o devido respeito, assenta em fundamentos contraditórios entre si, ignora factos essenciais já provados nos autos e desconsidera o facto de o pedido de divisão formulado pela autora não visar a apreciação de um direito de crédito e seu significado.
2. Diga-se que bem foi o tribunal a quo ao declarar que “Assim, a fase declarativa não visa a apreciação de direitos de crédito mas sim a divisibilidade do bem e a fixação da quota de cada um dos comproprietários.” [sublinhado nosso]
3. Por seu lado, resulta do regime da ação especial de divisão de coisa comum (arts.925º e 926º nº2 do CPC) que a decisão que se impõe na sua fase declarativa incide tão só sobre a divisibilidade do bem e a fixação das quotas de cada comproprietário suscitadas pelo pedido e que só se estas questões não puderem ser sumariamente decididas é que se seguirão os termos do processo declarativo comum.
4. Ora, na contestação, o réu declara que “JC e FS, são comproprietários da citada moradia, sita Rua … …, n.º …, em Camarate, na proporção de metade para cada um.” e que “não é possível a divisão em substância”, além de acrescentar que o pedido reconvencional “não tem a virtualidade de alterar a proporção da respetiva quota”, pelo que o réu não se opôs à divisão e tornou definitivamente assentes nos autos os factos dos quais depende a divisão – que a moradia é compropriedade de autora e réu, que nenhum pretende manter-se na indivisão, que o bem é indivisível e que a quota de cada um é de 50%.
5. Posto isto, em cumprimento da tramitação prevista para a forma de processo especial de divisão de coisa comum estabelecida no art.929º do CPC, não tendo sido contestada a compropriedade, a indivisibilidade do bem e a
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