Acórdão nº 4930/22.0T8BRG-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 25-05-2023

Data de Julgamento25 Maio 2023
Ano2023
Número Acordão4930/22.0T8BRG-A.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

RELATÓRIO

AA intentou a presente ação declarativa com processo comum contra o ESTADO PORTUGUÊS pedindo a sua condenação a pagar-lhe uma indemnização no valor de € 150 000,00, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos contados desde a citação e até integral pagamento.
Como fundamento do seu pedido, alegou, em síntese, que, na qualidade de sinistrada, intentou o Processo de Acidente de Trabalho nº 359/11.... do Juízo do Trabalho ... (Juiz ...), no qual veio a ser proferida sentença, em 12.10.2016, que considerou a autora curada sem incapacidade e condenou a ré seguradora a pagar somente a quantia que despendeu em deslocações em consequência do acidente.
A autora interpôs recurso desta sentença na sequência do que foi proferido acórdão pela Relação de Guimarães que determinou a anulação da sentença para ampliação da matéria de facto.
Em 28.1.2019 foi proferida nova sentença idêntica à anterior e que decidiu nos mesmos termos, tendo a autora interposto recurso da mesma.
Em 24.10.2019, foi proferido acórdão pela Relação de Guimarães o qual alterou a matéria de facto provada, considerou que a autora ficou a padecer de uma Incapacidade Permanente Parcial (IPP) de 80,00% com Incapacidade Permanente para o Trabalho Habitual (IPATH) e necessidade de acompanhamento permanente de terceira pessoa e de ajudas técnicas e medicamentosas e condenou a ré seguradora a pagar as prestações devidas, nos termos da Lei nº 98/2009 de 4 de Setembro (Lei dos Acidentes de Trabalho.
Este acórdão foi objeto de recurso, o qual não foi admitido por acórdão proferido pelo STJ e que transitou em julgado em 24.9.2020.
As sentenças que foram proferidas na 1ª instância contêm erro grosseiro de julgamento, o mesmo sucedendo com outros despachos interlocutórios que foram proferidos no processo.

Em consequência, a autora sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais pelos quais pretende ser indemnizada, ao abrigo do disposto no art. 13º da Lei 67/2007, de 31.12., posto que considera que se verificam os pressupostos de responsabilidade civil extracontratual do Estado.
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Regularmente citado, o réu contestou tendo invocado a prescrição do direito da autora relativamente à primeira sentença que foi proferida (de 9.11.2016) e aos despachos que indeferiram os requerimentos probatórios (de 8.4.2015 e 6.10.2015), atendendo a que autora foi notificada dos acórdãos revogatórios, respetivamente, nos dias 19.6.2017, 7.12.2015 e 25.1.2016.
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A autora apresentou resposta quanto à questão da prescrição pugnando pelo seu indeferimento.
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Em 30.1.2023, foi proferido despacho (ref. Citius ...00) que:
a) fixou à causa o valor de € 150 000,00;
b) dispensou a realização da audiência prévia;
c) apreciou tabelarmente os pressupostos processuais;
d) apreciou a exceção de prescrição invocada e considerou que “o tribunal apenas conhecerá do direito da autora relativamente à segunda sentença que foi proferida e aos danos que possam ter sido causados por esta decisão”;
e) identificou o objeto do processo e procedeu à enunciação dos temas de prova;
f) apreciou os requerimentos probatórios e designou data para a realização da audiência final.
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A autora não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:
“1- Versa o presente recurso sobre o despacho saneador proferido em 31 de janeiro de 2023 e notificado à Autora em 03 de março de 2023 que julgou procedente a exceção de prescrição invocada pela Ré relativamente à sentença proferida no dia 12 de outubro de 2016 e aos despachos datados de 08/04/2015 e 06/10/2015, que indeferiram os requerimentos probatórios atendendo a que a Autora foi notificada dos acórdãos revogatórios, respetivamente no dia 19 de junho de 2017, 07 de dezembro de 2015 e 25 de janeiro de 2016 e que “a prescrição do direito da autora refere-se a todos os elementos da responsabilidade civil, incluindo o dano”, decisão com a qual a mesma não se conforma.
2- O direito da Recorrente é tempestivo, sendo que os danos emergentes da decisão que a final foi revogada por Acórdão prolatado em 24/10/2019 e transitado em julgado em 24/09/2020, tiveram início com a prolação da sentença que julgou a aqui A. curada sem incapacidade em 09 de novembro de 2016 conforme doutamente julgado pelo Tribunal da Relação de Guimarães sendo este o facto gerador do direito da Autora e apenas por esta conhecido em termos definitivos em 24/09/2020, data do trânsito em julgado da decisão revogatória (artigo 13.º, n.º 2 da Lei 67/2007), data a partir da qual o seu direito à indemnização passou a ser exigível porquanto só nesta data a decisão foi revogada com base em erro, erro este que a Recorrente considera, salvo o devido respeito, clamoroso.
3- Preceitua o artigo 13.º da Lei 67/2007 que o Estado é civilmente responsável pelos danos decorrentes das decisões jurisdicionais manifestamente inconstitucionais, ilegais ou injustificadas por erro grosseiro na apreciação dos respetivos pressupostos de facto e dispõe o número 2 do mesmo preceito que o pedido de indemnização deve ser fundado na prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente.
4- A prescrição inicia-se quando o lesado tenha obtido um conhecimento completo sobre os pressupostos da responsabilidade civil, revelando-se o conhecimento parcial insuficiente para que o prazo de prescrição se inicie.
5- Se o conhecimento do direito sobrevier segmentado em distintos momentos temporais, apenas o momento em que o mesmo se encontre completo pode determinar o início da prescrição.
6- A prescrição se inicia quando o lesado tenha obtido o conhecimento dos factos constitutivos do direito, ou seja, dos factos cuja alegação e prova lhe incumbe fazer, nos termos do artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil (no caso sub judice erro de julgamento).
7- Conforme preceitua o artigo 306.º, n.º 1, 1.ª parte do Código Civil, “ o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido”.
8- O critério geral coloca, deste modo, dois requisitos para que o prazo prescricional inicie a sua contagem: a existência do direito e a possibilidade do seu exercício.
9- A decisão ínsita no despacho saneador recorrido que julgou prescrito o direito da Autora, ora Recorrente e decidiu “que apenas conhecerá do direito da autora relativamente à segunda sentença que foi proferida e aos danos que possam ter sido causados por essa decisão” viola as disposições conjugadas dos artigos. 498.º, n.º 1, 342.º, n.º 1 e 306.º, n.º 1, 1.ª parte, todas do Código Civil, razão pela qual, deverá ser revogada.”
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O Ministério Público contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, tendo apresentado as seguintes conclusões:

“1ª A Autora pretende ser indemnizada por danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de alegados erros judiciários cometidos nas seguintes decisões judiciais, todas proferidas no processo de acidente de trabalho nº359/11.... do Juízo do Trabalho ... (Juiz ...):

1ª – odespachode8/4/2015,parcialmente revogadopelo Acórdãode 03/12/2015,doquala Autora tomou deste conhecimento em 7/12/2015 (cfr. refª Citius ...76 a fls 359 do apenso A do processo 359/11....);
2ª - o despacho de 6/10/2015, revogado pelo Acórdão de 21/01/2016, do qual a Autora tomou conhecimento em 25/1/2016 (cfr. refª Citius ...91 a fls 65 do apenso B do processo 359/11....); 3ª - a sentença de 12/10/2016 anulada pelo Acórdão de 14/6/2017 do qual a Autora tomou conhecimento em 19/6/2017 (cfr. refª Citius ...71 a fls 782 do processo 359/11....); e
4ª - a sentença de 28/01/2019 revogada pelos Acórdãos de 24/10/2019 e de 23/01/2020 dos quais a tomou conhecimento em 28/10/2019 e 27/1/2020 (cfr. refª Citius ...08 e ...43 do processo eletrónico 359/11....);

2ª Mais pretende a Autora/apelante que o início do prazo prescricional de 3 anos do seu direito à indemnização pelos erros judiciários que imputa às referidas decisões judiciais se deve contar do momento em que teve conhecimento da revogação da última sentença, caso em que o prazo extintivo ainda não estava esgotado aquando da citação do Réu/apelado na presente ação.
3ª Para o efeito, afirma a autora/apelante que só com o conhecimento da revogação da última sentença (em 28-10-2019) adquiriu conhecimento dos pressupostos da responsabilidade civil emergente dos erros judiciários que aponta, incluindo das três decisões judiciais anteriores ( despachos de 8/4/2015 e 6/10/2015 e sentença de 12/10/2016), para concluir que o prazo prescricional do seu direito á indemnização se iniciou apenas nessa data.
4º Sobre o início da contagem do prazo de prescrição, existe o sistema subjetivo segundo o qual o prazo de prescrição só começa a correr quando o credor tenha conhecimento dos elementos essenciais relativos ao seu direito, e o sistema objetivo, adotado pela lei portuguesa, no art.306º, nº 1, 1ª parte, do C. Civil, segundo o qual o prazo de prescrição começa a correr assim que o direito possa ser exercido e independentemente do conhecimento que o credor tenha ou possa ter dos elementos essenciais do direito.
5ª Sendo a responsabilidade civil extracontratual do Estado reportada a uma determinada decisão, o prazo de prescrição inicia-se a partir da notificação da respetiva decisão revogatória. A partir desta data o lesado tem necessariamente conhecimento do direito que lhe compete, ficando a conhecer todos os elementos da responsabilidade civil (facto, ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade). Poderá não conhecer a pessoa do responsável e a extensão integral dos danos, mas estes aspetos não têm relevância para a prescrição.
6º O critério objetivo adotado pelo legislador no art. 306º, nº 1, do C. Civil afasta qualquer consideração pelo eventual carácter continuado ou duradouro dos alegados erros judiciários de que emerge o direito de indemnização invocado...

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