Acórdão nº 492/21.4PAMTJ.L1-9 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-07-06

Ano2023
Número Acordão492/21.4PAMTJ.L1-9
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam em conferência os Juízes da 9ª secção criminal deste Tribunal da Relação

I. RELATÓRIO
Inconformada com a sentença datada de 11-11-2022, depositada nessa mesma data, nestes autos de processo comum com intervenção de tribunal singular, com o nº 492/21.4PAMTJ, veio a arguida
AA, filha de PS e de MS, natural de Almada, nascida em 20-01-1980, solteira, doméstica, titular do cartão de cidadão n.º ..., e residente na ..., Montijo,
interpor recurso de tal decisão, na qual se decidiu nos seguintes termos, conforme consta no respectivo dispositivo (transcrição):
a) Condenar AA pela prática, como autora material, de um crime de ofensa à integridade física, qualificada, previsto e punido pelos artigos 143.º, n.º 1, 145.º, n.ºs 1, alínea a) e 2, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea l), do Código Penal, na pena de 8 (oito) meses de prisão;
b) Suspender a execução da pena de prisão aplicada, nos termos do disposto nos artigos 50.º, n.ºs 1, 3 e 5, e 53.º n.º 1, do Código Penal, pelo período de 1 (um) ano, sujeitando tal suspensão a regime de prova, a definir pela Direcção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais;
c) Condenar AA pela prática, como autor material, de um crime de um crime de ofensa à integridade física, qualificada, previsto e punido pelos artigos 143.º, n.º 1, 145.º, n.ºs 1, alínea a) e 2, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea l), do Código Penal, na pena de 12 (doze) meses de prisão;
d) Suspender a execução da pena de prisão aplicada, nos termos do disposto nos artigos 50.º, n.ºs 1, 3 e 5, e 53.º n.º 1, do Código Penal, pelo período de 1 (um) ano, sujeitando tal suspensão a regime de prova, a definir pela Direcção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais;
(…)
(fim de transcrição)
*
As razões da sua discordância encontram-se expressas nas conclusões da motivação do recurso, apresentadas na sequência de despacho de convite ao seu aperfeiçoamento, que em seguida se transcrevem:
1. Salvo o devido respeito, há pontos de facto que foram incorrectamente julgados e há erro notório na apreciação da prova.
2. O ora recorrente aceita como provados os factos constantes dos pontos nºs. 1 a 5 da douta sentença.
3. A ora recorrente discorda dos factos dados como provados nos nºs. 6, 8 e 9 da douta sentença ora recorrida por terem sido incorretamente julgados.
4. O douto acórdão dá como provado no seu ponto 6 que:
“No decurso de tal desentendimento, a arguida AA empurrou com o braço o corpo de AV”
E,
5. No ponto 8, a douta sentença dá como provado que:
“Em consequência da actuação dos arguidos AA e JF, AV padeceu de intensa dor e sofrimento, sem que, todavia, tivesse tido necessidade de receber tratamento e sem que tivesse sofrido qualquer período de doença ou de incapacidade para o trabalho.”.
E,
6. A douta sentença dá ainda como provado, no ponto 9, que:
“Ao atuarem da forma supra descrita, agiram os arguidos AA e JF, de forma independente entre si e com o intuito concretizado de maltratarem e molestarem fisicamente AV, ofendendo-a no seu corpo e saúde.”
7. O Tribunal a quo alicerçou a convicção na prova realizada em audiência de discussão e julgamento, analisada de forma crítica e recorrendo a juízos de experiência comum, nomeadamente nas declarações dos arguidos e nos depoimentos das testemunhas inquiridas em audiência de discussão e julgamento, tendo valorado a versão dos factos narrada por AV. e corroborada pelas demais testemunhas, em detrimento da versão dos factos trazida pelos arguidos.
8. Sucede que, se analisarmos as declarações dos arguidos, das testemunhas e quanto a estas de AV, das mesmas não se extrai que a recorrente tivesse uma postura agressiva e que empurrou com o braço o corpo de AV. com intenção de agredir a mesma.
9. Com efeito, a arguida declarou AA: – CD 01:07 a 02:04 ...
AA – “... Entretanto eu empurrei-a, é verdade, fiz assim para me livrar. Os meus filhos estavam aqui não agrediram nem nada..."
...
- CD - 08:23 a 09:53
AA – “E, entretanto, diz: "Põe-te na rua cigana."E, entretanto, empurrei-a assim para me livrar, este braço, também fui operada a este braço e não tenho muita força, se não paro para a empurrar ela fazia-me ainda outras coisas piores. Entretanto empurrei-a assim e ela começou aos gritos. "Ciganos estão-me a roubar. Ela roubou-me a máscara, está na mala dela. Ladrona...cigana...ponha-se na rua."
11. Por sua vez a testemunha AV declarou:
- CD - 10:12 a 11:23 ...
AV – “... entretanto a senhora empurra-me para eu sair porque eu era o obstáculo que estava ali, portanto, porque queriam fechar a porta e empurrou-me e o senhor que já estava à porta do gabinete entretanto já tinha chegado.”
AV – “Pegou-me pelas 2 mãos e empurrou-me para eu me desviar daquele sítio.”
...
- CD - 26:27 a 29:03
AV – “... a senhora empurra-me para fora da ombreira da porta...
AV- “A senhora deu-me um empurrão para me desviar da porta.”
Defensora Oficiosa – “Ficou com alguma mazela do empurrão, que eu presumo que quando se empurre a tendência pelos menos, eu agora estou a fazer o gesto, é na parte de cima. Ficou com alguma sequela desse empurrão?”
AV –“Penso que não.”
Defensora Oficiosa – “Como já mencionou aqui, o empurrão era mesmo para a desviar da porta.”
AV – “Para desviar e para fechar a porta com certeza.”
12. A testemunha FN declarou: ...
CD – 23:30 a 25:00
FN – “Depois disso começou o confronto físico naquela tomada de empurrão para cá...”
13. As declarações da testemunha NR foram: ...
- CD – 10:20 a 10:56
Procuradora –“ ... Viu a arguida a agir fisicamente sobre a enfermeira AV?”
NR – “Ver, ver não consegui ver porque tinha o segurança à frente mas vi a enfermeira a ser projectada para trás, neste caso, e vi depois já a senhora com o senhor a avançar sobre...”
Procuradora – “Quando a enfermeira foi projectada para trás conseguiu
perceber qual das pessoas é que fez fazer isso?”
NR – “Não consegui, não lhe consigo dizer porque, como disse, tinha o segurança que entretanto também avançou e eu não consegui perceber, mas no momento só estavam estas duas pessoas e a enfermeira.”
...
- CD – 20:23 a 21:26
Advogada – “Aí não visualizou nenhuma agressão? Ou nenhum empurrão ou o que quer que fosse?”
NR – “Que eu me apercebesse não porque, tal como eu disse, no meu campo de visão, eu só conseguia ver a porta a abrir e a fechar mas só depois é que vejo a enfermeira a ser projectada.”
Advogada – “Mas não consegue precisar quem é que foi.”
NR – “Quem foi...com que foi...isso não sei. Não consigo dizer.”
14. A testemunha ... declarou: CD – 14:00 a 14:40
...
Procuradora – “Olhe, viu alguma agressão?”
Dra. IM – “Ver não vi. Do sítio de onde estava não dava para visualizar. Agressão física. Verbal ouvia-se.”
...
- CD – 15:00 a 18:02
Advogada – “E quando ouviu estes gritos não viu nenhuma agressão física?”
Dra. IM -“Do sítio onde estava não dava para ver.”
16. Dos depoimentos das testemunhas FN, NR e Dra IM não se pode concluir tout cour que a arguida AA “… empurrou com o braço o corpo de AV.”
17. A testemunha AV é a própria a declarar que a arguida empurrou-a “…para eu sair porque eu era o obstáculo que estava ali, porque queriam fechar a porta... a senhora empurra-me para fora da ombreira da porta... Para desviar e para fechar a porta com certeza.
18. O que é corroborado pelas declarações da arguida.
19. Assim, face aos depoimentos mencionados supra o douto tribunal deveria ter dado como provado que: “No decurso de tal desentendimento, a arguida AA, para desviar e para fechar a porta empurrou com o braço o corpo de AV”
20. O douto tribunal a quo por outro lado não podia dar como provado que “Em consequência da actuação dos arguidos AA e JF, AV padeceu de intensa dor e sofrimento, sem que, todavia, tivesse tido necessidade de receber tratamento e sem que tivesse sofrido qualquer período de doença ou de incapacidade para o trabalho.” e que “Ao atuarem da forma supra descrita, agiram os arguidos AA e JF, de forma independente entre si e com o intuito concretizado de maltratarem e molestarem fisicamente AV, ofendendo-a no seu corpo e saúde.”
21. Nomeadamente porque é a própria testemunha AV que afirma que o empurrão foi para a desviar da porta e que não ficou com qualquer sequela.
22. A Mmª. Juiz a quo baseou-se assim em meros indícios, uma vez que não foi feita uma prova segura, firme e concreta, antes pelo contrário, reitera-se, é a própria AV que no seu depoimento diz que “… a senhora empurra-me para eu sair porque eu era o obstáculo que estava ali, porque queriam fechar a porta... a senhora empurra-me para fora da ombreira da porta... Para desviar e para fechar a porta com certeza.
23. Constata-se que houve erro na apreciação da prova, vício este que constitui fundamento do presente recurso e que deverá conduzir à modificação da decisão do douto Tribunal a Quo sobre a matéria de facto dada como provada.
24. Acresce que, salvo o devido respeito, a recorrente entende que a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento também não é suficiente para imputar à recorrente a prática do crime pelo qual foi condenada, e mesmo que assim não se entenda,
25. Qualquer dúvida, por mais frágil que seja, deve jogar sempre a favor da arguida e impõe ao julgador que aplique de imediato o princípio “in dubio pro reo “.
26. Pelo que, mesmo que se considere, por mera hipótese académica, que “No decurso de tal desentendimento, a arguida AA empurrou com o braço o corpo de AV” tal não é suficiente para condenar a recorrente pela prática como autora material dum crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos art.ºs 143, nº.1, 145º, nº. 1 al. a) e n.º 2 por referência ao art.º 132º n.º 2 al l) todos do Cód. Penal, na pena de 8 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, suspensão esta acompanhada do regime de prova a definir pela Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, porque este crime supõe a produção dum resultado que é a ofensa
...

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