Acórdão nº 492/21.4T8VNG.P2 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-02-27

Ano2023
Número Acordão492/21.4T8VNG.P2
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo nº 492/21.4T8VNG.P2-Apelação
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto-Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia-J3
Relator: Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Miguel Baldaia
2º Adjunto Des. Jorge Seabra
Sumário:
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I-RELATÓRIO
AA, residente na Rua ..., ..., 4º Dto. Frente, ..., Matosinhos, intentou a presente acção declarativa de condenação, contra BB, residente na Rua ..., ..., 3º andar, fracção AO, Vila Nova de Gaia, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de € 316.344,02, acrescida de juros à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Alegou para tanto que é a única herdeira de CC, falecida em 06/10/2020, a qual era titular das contas bancárias que o Réu estava autorizado a movimentar, a pedido e no interesse daquela, tendo este transferido a quantia total de € 311.027,59 para uma conta sua, três dias depois do falecimento daquela.
A mesma era ainda titular de uma outra a conta que o Réu movimentava porque dispunha de um cartão multibanco e respectivo código para o efeito, tendo este pago as despesas do funeral da sua mãe com dinheiro desta conta, sem fornecer cópia da factura e prestar contas o que impossibilitou o recebimento do subsídio de funeral por parte da Segurança Social, que ascenderia ao montante de € 1.316,43, bem como efectuou as transferências bancárias referidas nos arts. 19º e 20º da petição inicial, no total de € 4.000,00, para contas cujo titular desconhece.
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O Réu contestou, alegando que, uma vez que não existia qualquer convivência entre a Autora e a mãe, era com ele que com esta mantinha laços de amizade, como se fosse família, tendo sido incumbido por CC de zelar pela resolução dos seus assuntos de vida, nomeadamente pagamentos que fossem devidos, a qual também lhe pediu que tratasse de todos os assuntos após a sua morte, incluindo o funeral.
No âmbito desse relacionamento de confiança a mãe da Autora celebrou com ele contratos de abertura de contas bancárias, de natureza solidária, que podia movimentar também no seu interesse próprio, tendo ambos efectuado diversas aplicações de natureza financeira. A quantia de € 243.724,34 respeitava a um seguro de capitalização de que ele era beneficiário em caso de falecimento da mãe da Autora, a quantia de € 16.497,50 correspondia a metade de um depósito a prazo que era titulado em comum por si e por CC, e a quantia de € 52.167,46 correspondia a metade de um depósito à ordem também pertencente a ambos. Relativamente às demais quantias, sempre agiu em conformidade com as determinações da falecida mãe da Autora, tendo-as utilizado para proceder ao pagamento do serviço de funeral e de serviços àquela prestados por terceiros.
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O Réu invocou ainda a excepção de erro na forma de processo, por entender que estaria em causa uma situação de prestação de contas, que a A. nunca solicitou ao R., para a qual está previsto um processo especial, que não se compadece com a forma comum dos presentes autos.
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A Autora respondeu, defendendo não se verificar a excepção invocada, pois não estava em causa qualquer acto de administração por parte do Réu, não pretendendo qualquer prestação de contas, mas a devolução de dinheiro de que o Réu se apropriou.
Pediu ainda a condenação do Réu como litigante de má fé, em multa e indemnização, alegando que o mesmo alterou a verdade relativamente a factos essenciais ao desfecho da acção.
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Foi elaborado despacho saneador, em 27/05/2021, onde, considerando-se verificada a excepção invocada, se absolveu o R. da instância.
A A. interpôs recurso desta decisão, por requerimento de 11/06/2021, o qual foi admitido por despacho de 21/09/2022.
Por acórdão de 12/10/2021, o Tribunal da Relação do Porto decidiu “julgar procedente o recurso, ao qual concedem provimento e, em consequência, em revogar a decisão recorrida, devendo os autos prosseguir os seus termos”.
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Foi designada data para realização de audiência prévia, com os objectivos referidos nas alíneas a), c), d), f) e g) do nº 1 do art. 591º do C.P.C..
No decurso da diligência completou-se a elaboração do despacho saneador, fixou-se o objecto do litígio e enunciaram-se os temas da prova.
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Teve lugar a audiência de discussão e julgamento que decorreu com a observância do legal formalismo.
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A final, foi proferida decisão que julgou a acção totalmente parcialmente procedente, por provada e consequentemente condenou o Réu a entregar à Autora a quantia € 311.094,02 (trezentos e onze mil noventa e quatro euros e dois cêntimos), acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento, à taxa de 4% ou outra que legalmente venha a estar em vigor.
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Não se conformando com o assim decidido veio o Réu interpor o presente recurso rematando com as seguintes conclusões[1]:
a) O presente recurso vai interposto da matéria de facto pois entende o Réu/Recorrente que deveria ter sido dado como demonstrado que:
1. Autora e a mãe não mantiveram qualquer contato ou relacionamento durante mais de 20 anos.
2. A mãe da Autora e o Banco 1... celebraram em 02-10-2022 um contrato correspondente a um novo seguro de capitalização do ramo vida, mantendo inalterados o capital e o beneficiário por morte deste, e que nesse contexto resgatou o seguro de capitalização mencionado no ponto 15) dos fatos provados.
3. A motivação da mãe da Autora ao resgatar o seguro de capitalização mencionado nos pontos 13), 14) e 15) dos factos provados, deveu-se ao facto de se aproximar a data de vencimento e a mãe da autora temer que a degradação do seu estado de saúde não lhe permitisse assinar novo contrato.
b) O Recorrente entende ainda que a factualidade constante dos pontos f); h), I) e J) dos factos não provados, deveria ter disso dada como demonstrada, por brotarem dos autos elementos probatórios que permitiam concluir de forma diversa, nomeadamente do depoimento das testemunhas DD, EE, FF, GG e HH, bem como do depoimento de parte do Réu e bem assim do depoimento do filho da Autora, II.
c) O Tribunal “a quo” deveria ter considerado como demonstrada matéria que não foi por si valorada, pelo que se pretende a ampliação da matéria de facto dada como provada quanto matéria vertida nos seguintes pontos infra, por ser a mesma relevante para a boa decisão da causa.
d) Vai igualmente interposto quanto à matéria de direito, pois violação do disposto nos artigos 35.º do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril (regime jurídico do contrato de seguro) uma vez que ao contrário do sufragado pelo tribunal “a quo” o contrato de subscrição de um seguro de capitalização (seguro de grupo do ramo vida) foi concluído de forma plena, tendo sido assinado pelas partes, não se tratando assim de uma mera proposta sem nenhum efeito jurídico.
e) A circunstância de existir um erro, cometido pelo funcionário do Banco 1..., na identificação do número da conta bancária aposto no documento previamente elaborado de verificação da elegibilidade da mãe da Autora para subscrição do seguro de capitalização, não afecta a validade e eficácia do contrato.
f) O contrato atingiu o estado de perfeição e como tal deveria produzir efeitos jurídicos plenos –artigo 35 do DL 72/2008 e 236.º do Código Civil, os quais foram violados pelo Tribunal “a quo”, porquanto deveriam ter sido valorados no sentido de qualificar o contrato como correspondendo a um seguro de capitalização e não a mera proposta.
g) A circunstância de o Banco 1... não ter logrado inserir na plataforma informática o aludido contrato por ter provocado um erro no documento de elegibilidade, não pode afectar a produção de efeitos do contrato, pelo que o facto de não ter transferido o montante realizado para a conta do produto financeiro, não implica que tudo se resuma a uma mera proposta negocial.
h) Em conformidade deve reconhecer-se que o Réu/Recorrente actuou de forma legítima ao resgatar a quantia aplicada pela mãe da Autora, no montante de € 242.362,63.
i) Por sua vez, o facto do Réu/recorrente ter sido instituído, inicialmente procurador com poderes para movimentar a conta bancária e, posteriormente, cotitular da mesma conta bancária, a qual assumiu a natureza de conta conjunta solidária, o que sucedeu por vontade da anterior titular, conjugado com o depoimento da testemunha DD que referiu que o Réu passou a efectuar depósitos na conta e que aquela queria que ele constituísse uma poupança, e o depoimento de parte do Réu/Recorrente, significa que os saldos da conta passaram também a pertencer-lhe em virtude do animus donandi da D. CC.
j) Nessa conformidade, foi violado o disposto no artigo 947.º, n.º 2, 1.ª parte, do CC. pois a doação de coisas móveis não depende de formalidade alguma externa, quando acompanhada de tradição da coisa doada.
l) Deste modo as transferências das quantias efectuadas pelo Réu/Recorrente foram legitimas, pois, tais quantias passaram a pertencer-lhe por vontade expressa da D. CC, a qual alterou a sua condição de procurador para cotitular solidário da conta bancária.
m) Razão pela qual, os fundos da conta DO e DP passaram a pertencer igualmente ao Réu/Recorrente.
n) A transferência da quantia de € 500,00 efectuada pelo Réu/Recorrente, destinou-se a pagar serviços a terceiros, atinentes com cuidados pessoais à D. CC, estando atestado no documento n.º 3 junto com o requerimento probatório do Réu/Recorrente e nos depoimentos das testemunhas GG e HH.
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Devidamente notificada contra-alegou a Autora concluindo pelo não provimento do recurso.
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Corridos os vistos legais cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil.
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No seguimento desta orientação são duas as questões que importa apreciar:
a)- saber se o tribunal
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