Acórdão nº 4902/15.1T8ENT-A.E2 de Tribunal da Relação de Évora, 2024-03-07

Ano2024
Número Acordão4902/15.1T8ENT-A.E2
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora
Proc. n.º 4902/15.1T8ENT-A.E2


Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora:

I. Relatório
1. Por apenso à execução para pagamento de quantia certa em que é exequente a Caixa Geral de Depósitos, S.A. e executados (…) e (…), veio este último deduzir oposição à penhora.
Argumentou, em resumo, que a penhora do imóvel que constitui a sua casa de habitação é inadmissível, por desproporcionada, que a penhora deve iniciar-se por bens cujo valor pecuniário seja de mais fácil realização e se mostrem adequados ao montante do crédito exequendo e que a penhora é ilegítima por inobservância do princípio do benefício da excussão prévia que lhe é conferido enquanto avalista da obrigação exequenda.
Concluiu pela procedência da oposição com as necessárias consequências legais e processuais.
Respondeu a Exequente por forma a defender que, para além do imóvel penhorado, os executados não possuem outros bens, razão pela qual a penhora nem é desproporcionada, nem se coloca a questão do benefício da execução prévia de outros (inexistentes) bens.
Em requerimento posterior à fase dos articulados o Executado requereu a absolvição da instância com fundamento na inexistência do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI).

2. Houve lugar a audiência prévia e, em seguida, foi proferida sentença em cujo dispositivo, designadamente, se consignou:
Pelo exposto, o Tribunal decide:
- julgar improcedente a exceção de falta de PERSI;
- rejeitar parcialmente a presente execução para pagamento de quantia certa instaurada por CGD, S.A., quanto ao executado/oponente (…), por falta de título / livrança contra o mesmo – artigos 703.º, 726.º, 728.º, 734.º, 590.º, 591.º, e/ou 595.º do NCPC, 30.º e 77.º da LULL.
- consequentemente, julgar prejudicado o conhecimento da presente oposição à penhora instaurada pelo(s) executado(s) ….”

3. Recurso
A Exequente recorre desta decisão e conclui:
A) A ora Apelante celebrou, a 27.02.2007, com a Executada (…) um contrato de adesão ao cartão de crédito denominado CAIXA WORKS, ao qual foi atribuído o n.º de conta cartão (…), tendo a mutuária aderido e aceite na totalidade as respetivas Condições Gerais e recebido uma cópia das mesmas;
B) O limite de crédito concedido foi de € 10.000,00;
C) Conforme resulta do referido contrato, o cartão de crédito CAIXA WORKS foi celebrado com a Executada na qualidade de empresária em nome individual e não a título particular;
D) A 05.03.2007 foi outorgado contrato de garantias acessórias, referentes ao cartão de crédito em análise, no qual o segundo outorgante (…), aqui executado, se assumiu como responsável por todas e quaisquer quantias que viessem a ser devidas à Apelante quer a titulo de capital, juros, comissões e despesas como quaisquer outros encargos devidos à entidade bancária no âmbito do contrato nos autos peticionado;
E) o Executado/Embargante mediante a sua aposição de assinatura declarou expressamente ao abrigo dos artigos 217.º, n.º 1 e 224º, n.º 1, do CC aceitar a responsabilidade por eventuais dividas resultantes do incumprimento referente ao cartão de crédito em apreço, declarando ter conhecimento das propostas de adesão que fora celebrada com a mutuária titular;
F) Conforme mencionado, o contrato em apreço foi celebrado a 27.02.2007, sendo que o contrato de garantia acessória assinado pelo Embargante foi celebrado a 05.03.2007, pelo que a sua formalização ocorrera na vigência no anterior Código de Processo Civil (1961);
G) Ora, anteriormente à entrada do Código de Processo Civil de 2013, os documentos particulares assinados pelo devedor que constituíssem uma confissão de divida eram providos de força executiva pelo disposto no artigo 46.º, n.º 1, alínea c) do CPC de 1961, pelo que para serem considerados títulos executivos apenas careciam da a assinatura do devedor e da constituição ou reconhecimento de uma obrigação;
H) Efetivamente, artigo 6.º do Lei n.º 41/2013, de 26 de junho previa que o atual CPC fosse aplicado a todas as ações executivas instauradas após a entrada em vigor desde, mesmo que a operação sobre a qual se pretendia a execução fosse celebrada na vigência do anterior CPC;
I) Face ao exposto, foi levantada uma questão de inconstitucionalidade do artigo 703.º do CPC, quando aplicado a documentos particulares emitidos em data anterior à sua entrada em vigor, exequíveis por força do artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do CPC de 1961, conjugando-se a norma do artigo 703.º do CPC com o artigo 6.º da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho.
J) Neste sentido surge um acórdão uniformizador do Tribunal Constitucional que veio declarar com força obrigatória geral inconstitucionalidade da norma que aplica o artigo 703.º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, a documentos particulares emitidos em data anterior à sua entrada em vigor, então exequíveis por força do artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil de 1961, constante dos artigos 703.º do Código de Processo Civil e 6.º, n.º 3, da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho;
K) Ora, não obstante, de constar no contrato de garantia acessória, outorgado pelo Embargante, a qualidade de avalista certo é que o título executivo dos presentes autos se consubstancia em Outro título com força executiva e não livrança;
L) Ademais refira-se que, conforme já aqui salientado, o Embargante demonstrou em sede de oposição à penhora ter assinado o referido contrato em consciência plena das responsabilidades que assumira perante a Apelante, nunca pondo em causa a sua responsabilidade perante as dívidas resultantes do incumprimento contratual associado ao cartão Caixa Works, tendo apenas suscitado uma questão superveniente à celebração do contrato mediante a invocação do acordo advindo do divórcio com a mutuária;
M) Ou seja, não obstante da inexistência de livrança, facto é que ao abrigo do anterior CPC o documento assinado pelo Embargante apresenta os elementos necessários para a sua exequibilidade: assinatura confessada pelo mesmo e reconhecimento das obrigações que assumira perante a Apelante;
N) Motivo pelo qual a Apelante instaurou a presente ação executiva com base em outro título com força executiva;
O) Assim, não se compreende como é que o doutro tribunal alega a inexistência de título executivo relativamente ao Executado se os presentes autos não tiveram por base qualquer livrança, mas sim o contrato em apreço;
P) Ademais, acresce que a função da livrança não encontra relacionada com a responsabilização ou não por uma parte contratante perante uma relação jurídica voluntariamente assumida; Este título mais não é de um mecanismo facilitador ao acionamento por parte do portador, e não um fator que defina a existência ou não de uma responsabilidade assumida contratualmente;
Q) Pelo que, não nos apraz justo, dirimir um outorgante de uma obrigação que consciente e voluntariamente assumiu perante a Apelante;
R) Não podemos simplesmente ignorar a existência de uma parte contratual nem as declarações expressas por estas prestadas!
S) O mesmo seria fazer depender uma situação jurídica de um lapso de escrita!
T) Neste sentido, é concluso que estamos perante um título executivo válido ao abrigo do anterior CPC, pelo que o fundamento do tribunal recorrido deverá improceder;
Nestes termos e nos mais de Direito, deve o presente recurso ser admitido, revogando-se a decisão recorrida quanto à inexistência de título executivo contra o Executado Embargante substituindo-a por outra que determine o reconhecimento do contrato subjacente como título executivo válido devendo prosseguir os presentes autos os seus trâmites normais.
Assim fazendo V. Exas., Srs. Desembargadores, o que é de inteira Justiça.”
Não houve lugar a resposta.
Admitido o recurso e observados os vistos legais, cumpre decidir.

II. Objeto do recurso
Considerando que o objeto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso (artigos 635.º, n.º 4 e 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), que nos recursos se apreciam questões e não razões ou argumentos e que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido, importa decidir se o contrato de garantias acessórias pode servir de base à execução e, previamente, verificar se os autos permitem conhecer do mérito do recurso.

III- Fundamentação
1. Factos
A decisão recorrida julgou provados os seguintes factos (reproduzem-se apenas os factos e não os documentos – fotografias – que, respetivamente, lhes sucedem, por forma a repor a disciplina consagrada no artigo 607.º, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, relativa à elaboração da sentença, a qual prevê a discriminação dos factos provados em momento lógico-processual anterior à indicação e apreciação das provas[1]):
1) A exequente CGD, S.A., instaurou por via eletrónica em 20/09/2015 neste Tribunal Judicial a presente execução ordinária para pagamento de quantia certa, contra os executados (…), na qualidade de mutuária, e (…), na qualidade de avalista, peticionando o pagamento da quantia global de 16.685,74 euros, apresentando como título executivo contrato de adesão/utilização de cartão de crédito ‘CAIXA WORKS’ de 27/02/2007, alegando no requerimento executivo: “Nota prévia: 1 - Os documentos particulares anexos ao presente requerimento executivo são considerados títulos executivos nos termos do disposto no artigo 703.º, n.º 1, alínea d), do CPC (Lei nº 41/2013) conjugado com o disposto no artigo 9.º, n.º 4, do DL n.º 287/93, de 20/08. Factos: 2 - Em 27/02/2007, a exequente celebrou com (…), na qualidade de titular, um contrato de adesão ao cartão de crédito denominado CAIXA WORKS, contrato esse ao qual foi atribuído o n.º de conta cartão (…), tendo a mutuária aderido e aceite na totalidade as
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