Acórdão nº 4859/19.0T9LSB.L1-3 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-10-12

Data de Julgamento12 Outubro 2022
Ano2022
Número Acordão4859/19.0T9LSB.L1-3
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Decisão proferida na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa


I–Relatório:


MS_____, assistente nos autos, veio recorrer da decisão de não pronúncia dos arguidos OS____, AF____ e AT____, proferida pelo Tribunal Central de Instrução Criminal, apresentando para o efeito as seguintes conclusões:
A)–Os Arguidos OS____, AF____, AT____foram alvo do Despacho de Arquivamento de fls. 95 e ss nos termos do disposto no artigo 277º, nº 2 do C.P.P., por o Ministério Publico ter concluído pela inexistência de indícios sérios da prática de um crime.
B)–Inconformada a Assistente apresentou Requerimento de Abertura de Instrução nos termos do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 287º do C.P.P. explanando as razões da sua discordância contra o Despacho de Arquivamento, identificou o objecto da Instrução e terminou formulando a Acusação contra os supra identificados três Arguidos.
C)–O Tribunal Central de Instrução Criminal concluiu pela insuficiência de indícios da prática do crime de homicídio por negligência p.e p. pelo artigo 137º, nº 1 do C.P., pelos Arguidos OS____, AF____ E AT____em co-autoria, razão pela qual proferiu Despacho de Não Pronúncia.
D)–Para o Tribunal a quo o que importava aferir em sede de Instrução era se as seguintes causas contribuíram para o resultado morte de RC___ DE :
1-Se ao paciente foi ou não cortada a administração de enoxaparina após a queda e após a realização da 1ª TAC que revelou a presença hemática extra-axial;
2-A falta de administração da vitamina K após estes eventos.
E)–O Tribunal a quo laborou em erro crasso na percepção da realidade fáctica que perante si foi exposta através do Requerimento de Abertura de Instrução, pois não carreou para a produção de prova, em sede de Instrução, todos os factos que efectivamente ocorreram naquele fatídico dia e que conjugados conduziram ao resultado morte da vítima RC____.
F)–Desde logo o Tribunal a quo coartou a sequência lógica e cronológica dos factos, optando por se fixar única e exclusivamente na fase final de todo um percurso do chamado “iter criminis”, ou seja, nos eventos ocorridos após a queda da vítima RC____olvidando o exame crítico de todos os factos que conduziram àquela queda, não percebendo que sem esta queda nada do que veio a ocorrer posteriormente teria acontecido, pois foi a queda que provocou lesões internas que conduziram ao derrame de sangue, num paciente hemodialisado e que já tinha tomado duas doses de enoxaparina, medicamento que faz a liquidificação do sangue.
G)–O que aconteceu antes da queda e da realização da 1ª TAC é determinante, pois importa apurar se o momento em que suspenderam a toma da enoxaparina ocorreu dentro “da janela de oportunidade” para o efeito, importando apurar se entre a queda e a realização da 1ª TAC, o paciente tinha ou não, no seu organismo a enoxaparina que lhe foi ministrada às 22h do dia anterior e na manhã do dia da queda, para além se ser essencial e determinante apurar quanto tempo o medicamento fica no organismo.
H)–Ora este primeiro momento anterior à queda resulta do facto de as Arguidas OS____ e AF____ terem decidido retirar o paciente RC____ da sua cama para, sem apoio, ir à casa de banho fazer a sua higiene pessoal, sendo que ele possuía dificuldades de locomoção pois deslocava-se com o apoio de uma bengala, e usava calçado compensado.
I)– é à saída da enfermaria, já no percurso para a casa de banho que o paciente RC____ cai estatelado, batendo com a cara no chão.
J)–Tendo, naquele dia as Arguidas calçado ao paciente os chinelos de pano fornecidos pelo H, inadequados para quem carece de calçado compensado e fizeram-no deslocar-se sozinho, sem o apoio da sua bengala, sem o amparo de qualquer das Arguidas ali presentes e com uma mão a agarrar o varão que carrega o soro e com a outra a segurar as calças de pijama fornecidas pelo H, que estavam largas.
K)–Paciente a quem fora diagnosticado um risco de queda elevado, tendo sido a própria Arguida OS____, que lhe fez a avaliação de risco de queda por aplicação da escala de Downton e lhe atribuiu o nível 4, nível considerado como GRAVE, quer aquando do internamento, quer posteriormente.
L)–Sendo que o chão do corredor que ia da enfermaria, onde estava a cama do paciente RC____ à casa de banho tinha buracos no chão, provocando desníveis no pavimento, buracos que começavam na zona adjacente à porta da enfermaria onde o doente estava internado.
M)–Perante toda esta factologia era, e é, essencial apurar em que condições a queda ocorreu, como, porquê, pela mão de quem e que consequências a mesma teve num doente hemodialisado e que cuidados de acordo com a legis artis se impunha que tivessem sido tomados, antes de retirar o paciente RC____ da sua cama para se locomover – sem condições de segurança - em direção à casa de banho.
N)–Logo à primeira vista é evidente a existência de NEGLIGÊNCIA GROSSEIRA por parte das Arguidas OS____ e AF____, conhecedoras da situação clínica do paciente RC____conhecedoras que o mesmo se encontrava a fazer tratamentos de hemodialise, conhecedoras que ao mesmo foram administradas, pelo menos, antes da queda, duas doses de enoxaparina, conhecedoras do grave risco de queda que o afectava, conhecedoras que o mesmo tinha uma grave dificuldade locomotora decorrente da descompensação entre as suas duas pernas e mesmo assim deixaram-no deslocar-se sozinho para a casa de banho, sem qualquer apoio e por um local “minado” por buracos no chão, desníveis no pavimento, buracos na zona adjacente à porta da enfermaria.
O)–Foi a queda que provocou a presença do sangue/hemorragia no cérebro do paciente RC____importando apurar se existiu ou não negligência médica neste 1º momento dos factos ocorridos no H na manhã do dia 10/05/2019.
P)–Perante todos estes factos e indícios é impossível ao Juiz de Instrução excluir a audição das testemunhas indicadas pela Recorrente para apurar a responsabilidade criminal das Arguidas OS____ e AF____ porquanto o nexo causal da morte de RC____ começa na queda que lhe provocou a hemorragia cerebral que o afetou, hemorragia cerebral que foi registada na TAC realizada logo a seguir à queda.
Q)–O Relatório de Autopsia não é apto de per si a excluir o nexo causal que a queda teve em todo o “iter criminis” que culminou na morte de RC____.
R)–Pois FOI A QUEDA QUE PROVOCOU A PRESENÇA DE SANGUE NO CRÂNEO DO PACIENTE COMO FOI REGISTADO PELA 1ª TAC.
S)–O Despacho de fls. 314, que determinou a exclusão da audição das testemunhas indicadas pela Recorrente, destinadas a apurar a eventual responsabilidade criminal das Arguidas OS____ e AF____, nem sequer se pronuncia sobre este elemento de prova, nem sequer fundamenta a sua decisão no confronto deste elemento de prova documental com o que resulta do relatório de autopsia, para concluir como concluiu.
T)–O Despacho de fls. 314 que não deve ser tratado como definitivo, pois o Meritíssimo Juiz de Instrução, que presidiu à audição das testemunhas, em sede de Instrução, ao proferir a sua decisão instrutória podia ter revogado o dito despacho (e devia tê-lo feito), pois teve de examinar todo o processo de inquérito e toda a prova documental e testemunhal ali colhida, e só assim cumpriria o principio da descoberta da verdade material ( artº 340º do C.P.P)
U)–Não o tendo feito, o Meritíssimo Juiz de Instrução incorporou no Despacho de Não Pronúncia a decisão contida no Despacho de fls. 314, sendo que não apresentou qualquer fundamentação para a mesma.
V)–Pelo exposto, o Tribunal a quo na Decisão Instrutória recorrida OMITE a sua pronúncia sobre a QUEDA do paciente RC____OMITE a sua pronúncia sobre as consequências da QUEDA do paciente RC____ e não apresenta qualquer fundamentação para a manutenção da decisão contida no Despacho de fls. 314 por referencia à demais prova aqui elencada.
W)– O que configura os vícios de OMISSÃO DE PRONÚNCIA e de FALTA DE FUNDAMENTAÇÂO cfr. art art.º 615º, nº 1, d), 1ª parte do C.P.C aplicável ex vi artigo 4º do C.P. e artigo 154º do C.P.C. conjugado com o artigo 205º nº 1 da CRP aplicável ex vi artigo 4º do C.P.
X)–Estamos assim perante uma NULIDADE que afeta o presente DESPACHO DE NÂO PRONÚNCIA, objecto do presente recurso, a qual importa que o mesmo seja REVOGADO e substituído por outro que PRONUNCIE as Arguidas OS____ e AF____ pelo crime de Homicídio Negligente p. e p. pelo nº 1 do artigo 137º do Código Penal.
Y)–Porquanto ambas as Arguidas sabiam e conheciam o elevado risco de queda de RC____ e, apesar disso, não o ampararam no trajecto da cama para a casa de banho, deram-lhe chinelos hospitalares num paciente que ambas sabiam e conheciam que claudicava e que usava bengala para se deslocar e que usava calçado compensado, dada a diferença assimétrica que afetava os seus membros inferiores.
Z)–Bem sabendo ambas as Arguidas que o risco de queda era elevado e que por força da falta de compensação no calçado, a marcha do paciente RC____ iria ser forçosamente claudicante, situação que ambas as arguidas aceitaram, mantendo a sua conduta de não o apoiar nessa marcha por um pavimento com buracos, onde havia objetos (armários de material, de produtos de higiene, suportes de soro, etc..) colocados no mesmo, que dificultavam a marcha no espaço disponível, quadro que impunha a ambas as arguidas um dever acrescido de cuidados no seu acompanhamento ao paciente, ao invés do que sucedeu, tendo ambas assistido, sem intervir, à queda do paciente, com as consequências supra descritas.
AA)–As Arguidas OS____ e AF____ ao não terem levado o paciente RC____ de cadeira de rodas até à casa de banho, ou, no mínimo, tê-lo amparado no percurso, contribuíram com a sua conduta para a QUEDA daquele, queda que provocou traumatismo craniano e a presença de sangue num paciente hemodialisado e que tomara, pelo menos, duas doses de enoxaparina, medicamento que faz liquidificar o sangue usado nos tratamentos de hemodialise.
BB)–Por conseguintes dúvidas
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