Acórdão nº 4827/23.7T8LRS.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2024-02-06

Ano2024
Número Acordão4827/23.7T8LRS.L1-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

A. Relatório
A.A. Identificação das partes e indicação do objeto do litígio
CS instaurou o presente processo de incumprimento do acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais homologado pelo conservador do Registo Civil, nos termos previstos no art. 41.º, n.º 1, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC), contra HR, respeitante à sua filha comum, EOR.
Conclui pedindo:
a) Termos em que requer a V. Exa. que se digne ordenar o cumprimento do disposto no n.º 3 do artigo 41.º do RGPTC, ou em alternativa, que seja apurada a situação pessoal e económica do Requerido, decretando-se, a final, e através do mecanismo previsto no artigo 48.º do referido diploma legal, as medidas necessárias ao cumprimento coercivo da quantia em dívida, bem como a condenação do requerido em multa e em indemnização a favor do menor;
b) Se digne mandar oficiar as entidades competentes (p.e. Instituto da Segurança Social, Autoridade Tributária e Centro Nacional de Pensões) a fim de saber se o requerido aufere retribuições, ou outras prestações suscetíveis de fazer face aos pagamentos devidos;
c) Em caso afirmativo, se digne ordenar o imediato desconto no vencimento ou outras prestações de que o requerido seja titular, das prestações vencidas e vincendas, acrescidas de juros de mora civis vencidos, calculados à taxa legal em vigor;
d) Se digne ordenar o depósito das quantias descontadas ao requerido, na conta da titularidade da Requerente, a qual se encontra identificada nos presentes autos.
Para tanto, alegou que o requerido incumpriu a obrigação de alimentos a que está vinculado, em benefício da filha menor.
Notificado o requerido, ofereceu este a sua alegação, nos termos previstos no art. 41.º, n.º 3, do RGPTC, excecionando a prescrição do direito a alimentos, a dificuldade de efetuar a sua prestação e a desnecessidade da credora de receber o valor dos alimentos acordados. Concluiu nos seguintes termos:
Termos em que se requer a V. Exa. que se digne considerar improcedente, por não provada, toda a factualidade invocada pela Requerente que resulte num valor de dívida da pensão de alimentos devida pelo requerido à menor EOR, que exceda o valor de 755,18 € (setecentos e cinquenta e cinco euros e dezoito cêntimos).
Mais se requer a V. Exa. que, previamente a qualquer ato previsto no artigo 48.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, e nos termos do disposto nos n.os 3 e 4 do artigo 41.º do mesmo diploma, seja agendada conferência de pais, tendente a se tentar obter um acordo relativamente ao pagamento do valor da pensão de alimentos que se encontra vencido e não prescrito, bem como a fim de se tentar obter um acordo relativamente à alteração do valor da pensão de alimentos em vigor, que acautele de forma proporcional os interesses de todos os filhos e do enteado a cargo do requerido, tendo em consideração a respetiva idade e capacidade individual de obter rendimentos próprios.
Na pronúncia final, o tribunal a quo decidiu a causa nos seguintes termos:
Tudo somado, e na procedência da pretensão deduzida nos exatos termos expendidos supra:
– Condena-se HR a liquidar a quantia global de € 21.959,97 peticionada - a título de prestações alimentos, incluindo a respetiva atualização anual, em dívida desde dezembro de 2012 até maio de 2023, inclusive, sendo que a atualização anual apenas ocorreu a partir de setembro de 2013 -, acrescendo ao valor parcial/total das prestações em dívida juros de mora, à taxa legal supletiva de juros civis em vigor - 4% -, desde o dia seguinte ao do vencimento de cada uma das prestações em falta e até efetivo e integral pagamento;
– Condena-se HR a liquidar, igualmente, as prestações de alimentos vencidas e não pagas desde maio de 2023 em diante, acrescidas da atualização anual convencionada que sucessivamente ocorra, assim como de juros de mora que se vencerem, à taxa legal supletiva de juros civis vigente, desde o dia seguinte ao do respetivo vencimento e até efetivo e integral pagamento;
– Absolve-se HR do pedido de condenação, como litigante de má fé, em multa e indemnização em benefício da filha menor.
Inconformado, o requerido apelou desta decisão, concluindo, no essencial:
6.º (…) a decisão proferida, ao condenar o requerido a pagar determinados montantes monetários à requerente, decide em objeto diverso do pedido apresentado pela requerente, o que vicia de nulidade tal decisão, nos termos do disposto no artigo 615.º n.º 1, al. e) do Código de Processo Civil. (…)
10.º (…) ao não se pronunciar sobre o pedido de realização de uma conferência de pais para os efeitos previstos no n.º 4 do artigo 41.º do regime Geral do Processo Tutelar Cível, a douta sentença deixou de se pronunciar sobre uma questão com especial incidência no superior interesse da menor EOR, padecendo do vício de nulidade previsto no artigo 615.º n.º 1, al. d) do Código de Processo Civil, que se argui para todos os efeitos legais. (…)
17.º (…) a factualidade provada nos autos permite concluir que, durante mais de 10 anos, o valor de 150,00 € (…) mensais que o requerido contribuiu com para o sustento da filha de ambos, EOR, foi suficiente para o sustento da mesma, nunca tendo a requerente exigido do requerido qualquer montante adicional, ou sequer a atualização anual de tal montante.
18.º (…) o agregado familiar do requerido ampliou, mantendo outros 3 menores a seu cargo, (…) [e] o requerido perdeu o emprego que lhe permitira acordar como fez em sede de divórcio, passando a auferir um rendimento muito mais reduzido. (…)
32.º Ao não se pronunciar sobre o pedido de realização da conferência de pais, a douta sentença deixou de se pronunciar sobre uma questão fundamental na proteção dos interesses da menor, e logrou qualquer possibilidade de acordo entre os respetivos progenitores no sentido de obter uma decisão judicial que ratificasse uma realidade que decorreu durante mais de 10 anos sem qualquer oposição.
33.º (…) ao não reconhecer a concreta e efetiva alteração dos pressupostos que determinaram a medida dos alimentos fixada em sede de processo de divórcio, há mais de 11 anos, nomeadamente a alteração da capacidade do requerido em cumprir com o valor dos alimentos aí fixada, e as concretas necessidades da menor, que com o valor mensal de 150,00 € (…), pago pelo requerido durante mais de 10 anos, sempre foram supridas, com o reconhecimento tácito por parte da requerente, a douta sentença recorrida padece de um erro de julgamento, não dando como provados factos relevantes para a boa decisão da causa.
Termos em que se requer a V. Exas. que seja dado provimento ao presente Recurso, por provado e, em consequência, sejam reconhecidas as nulidades da douta sentença proferida, ao decidir em objeto diverso do pedido apresentado pela requerente, e ao não se pronunciar sobre o pedido de realização da conferência de pais peticionada pelo requerido, para os efeitos previstos no n.º 4 do artigo 41.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, nos termos do disposto no artigo 615.º n.º 1, al. e) e d) do Código de Processo Civil, que se arguem para todos os efeitos legais, devendo a sentença ser revogada e substituída por outra que, determinando o prosseguimento dos autos, convoque os progenitores para a conferência de pais, nos termos requeridos.
Subsidiariamente, caso assim não se entenda, por dever de patrocínio, requer-se que seja a douta sentença proferida revogada e substituída por outra que, reconhecendo-se a efetiva alteração das circunstâncias que determinam a medida dos alimentos devidos pelo requerido à sua filha menor, EOR, de forma estável e duradoura durante mais de 10 anos, reconhecidas tacitamente pela requerente, determine que o valor da pensão de alimentos efetiva deverá ser fixado em 150,00 € (…) mensais, por durante tal período se ter manifestado corresponder às concretas necessidades da menor e capacidade do requerido em prover ao sustento da mesma.
A apelada contra-alegou, pugnando pela manutenção de decisão do tribunal a quo recorrida.
A.B. Questões que ao tribunal cumpre solucionar
As duas primeiras questões a enfrentar prendem-se com as duas nulidades da sentença arguidas. Segue-se a reapreciação da matéria de facto.
As questões de direito respeitantes ao mérito da causa serão mais desenvolvidamente enunciadas após a reapreciação da matéria de facto, se não se mostrar prejudicada tal enunciação.
*
B. Fundamentação
B.A. Arguição de nulidades (vícios processuais)
1. Omissão de pronúncia
Entende o apelante que, “ao não se pronunciar sobre o pedido de realização de uma conferência de pais para os efeitos previstos no n.º 4 do artigo 41.º do regime Geral do Processo Tutelar Cível, a douta sentença deixou de se pronunciar sobre uma questão com especial incidência no superior interesse da menor EOR, padecendo do vício de nulidade previsto no artigo 615.º n.º 1, al. d) do Código de Processo Civil, que se argui para todos os efeitos legais”. Dispõe a norma invocada que “É nula a sentença quando (…) [o] juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…)”. Este dispositivo deve ser articulado com a primeira parte do n.º 2 do art. 608.º do Cód. Proc. Civil (questões a resolver – ordem do julgamento): “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”.
A decisão proferida pelo tribunal a quo deve ser qualificada, na economia desta forma processual especial, como “sentença” (art. 152.º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil). Pela decisão impugnada, o tribunal recorrido decidiu a demanda, pronunciando-se sobre a sua causa de pedir e sobre as exceções, na fundamentação que apresenta. Todas as questões suscitadas em torno do objeto do processo foram abordadas na fundamentação – sem prejuízo do que adiante se dirá sobre a pronúncia
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