Acórdão nº 4816/18.3T8GMR-B.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2022-06-02

Ano2022
Número Acordão4816/18.3T8GMR-B.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

As Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam no seguinte:

ACÓRDÃO

I. Relatório:

Por apenso aos autos da ação executiva sumária nº 4816/18.3T8GMR, intentada por X SA contra J. R. e M. F. (na qual a primeira pedira a execução do valor de capital em dívida €3.812,27 e de juros de mora vencidos de € 5.800,34, com fundamento na falta de pagamento desde março de 2003 das prestações de amortização de um crédito bancário contraído em maio de 1994, remunerável com juros remuneratórios e amortizável em 10 anos, e sem a identificação do valor de cada uma das prestações de amortização e da sua composição de capital e juros), vieram esta última e os demais herdeiros habilitados em nome do executado falecido J. R. deduzir oposição àquela por embargos, nos quais:

1. Os embargantes pediram a extinção da ação executiva, alegando, em suma: que a embargada ficou desonerada do empréstimo que sustenta a execução, uma vez que após a morte do marido em 1997 contactou o Banco ... para acionar o seguro, e que, tendo o seguro pago a dívida, o crédito do mutuante está extinto desde a liquidação de 1998; que após o Banco … ter instaurado uma ação de falência contra os executados em 2001, da qual desistiu, após a morte do marido, vem agora a exequente instaurar uma ação executiva contra a executada e herdeiros quase 20 anos depois, quando o crédito se encontra prescrito, uma vez que, como refere o acórdão da Relação de Guimarães proferido no processo nº6238/16.1T8VNF-A.G1,«I- O art.º 781.º do C.C. não tem natureza imperativa, sendo antes um direito concedido ao credor, que este poderá ou não exercer, com o que o credor tem de interpelar o devedor para exigir antecipadamente as prestações vincendas. II- A prescrição extintiva é o instituto por via do qual os direitos subjectivos se extinguem quando não são exercidos durante certo tempo, fixado na lei, e traduz-se em o direito prescrito sofrer na sua eficácia um enfraquecimento consistente em a pessoa vinculada poder recusar o cumprimento ou a conduta a que esteja adstrita. III- As chamadas prescrições de curto prazo, elencadas no art.º 310.º do C.C., visam, além do mais, evitar que o credor deixe acumular os seus créditos tornando excessivamente oneroso ao devedor pagar mais tarde. IV- Prescrevem no prazo de 5 anos, fixado no referido art.º 310.º, por se integrarem na alínea e), as prestações que constituem quotas de amortização do capital mutuado ao devedor, originando prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, englobando os juros devidos.».
2. Foi proferido despacho liminar de admissão dos embargos à execução.
3. A embargada/exequente apresentou contestação, na qual: impugnou a desoneração da dívida, o acionamento do seguro e os pagamentos alegados; defendeu que a embargante limitou-se a invocar que os créditos se encontravam prescritos, sem mais, sendo que, segundo informação prestada, o incumprimento se reporta ao ano de 2003 e ainda que se possa admitir que se encontra ultrapassado o limite prescricional, a dívida existe e os valores são devidos, o que não impede que o credor possa peticionar o seu crédito.
4. Foi proferido despacho saneador- sentença a 10.12.2021, no qual:
4.1. Foi fixado aos embargos o valor processual da ação executiva.
4.2. Foi proferido despacho de saneamento e foi julgado que os autos permitiam o conhecimento imediato do mérito da causa, nos termos dos arts. 595º/1-b) e 597º/c) do C. Processo Civil.
4.3. Foi proferida sentença, na qual foi decidido:
«Pelo exposto, decide-se:
a) julgar verificada a prescrição do crédito exequendo e, em consequência,
b) julgar procedentes os embargos de executado e determinar a extinção da instância executiva.--
*
Custas pela exequente/embargada – art. 527º, nºs 1 e 2, do Cód. Proc. Civil.
Registe e notifique, incluindo ao Sr. SE.».

5. O embargado/exequente interpôs recurso, no qual apresentou as seguintes conclusões:
«I. O douto Tribunal a quo proferiu sentença que julgou os embargos de executado totalmente procedentes, determinando, em consequência, a extinção da execução de que estes autos constituem apenso;
II. O Julgador a quo julgou procedente a invocada excepção peremptória da prescrição dos juros e capital não amortizado, considerando aplicável a alínea e) do artigo 310.º do Código Civil à situação subjudice;
III. Ora e salvo o devido respeito e que é muito, douta sentença recorrida, fez, assim, uma errónea aplicação do Direito aos factos, nomeadamente dos artigos , 309.°, 310.°, 781.° e 1142.°, todos do Código Civil;
IV. Está em causa um mútuo bancário que não foi liquidado pelos devedores.
V. A Recorrente entende que ao contrato de mútuo já resolvido é aplicável o prazo ordinário de prescrição de vinte anos (artigo 309.º, do Código Civil);
VI. Da celebração do contrato de empréstimo outorgado por escritura pública que, embora passível de ser fraccionada e diferida no tempo, resulta uma única obrigação: a de pagamento;
VII. A perda de benefício do prazo aplicável, dado o não pagamento das prestações do capital mutuado, confere ao credor o direito de exigir de imediato a totalidade do capital, ocorrendo uma convolação numa noutra obrigação: o pagamento da totalidade do capital mutuado e ainda em dívida, o qual não poderá estar sujeito ao prazo prescricional de 5 anos;
VIII. De harmonia com o teor dos acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra e de Guimarães citados nas motivações (processos n.ºs 525/14.0TBMGR-A.C1 e 589/15.0T8VNF-A.G1), na eventualidade da existência de um incumprimento no plano de reembolso acordado, o exequente pode considerar, ao abrigo do disposto no artigo 781.º, do Código Civil, vencida toda a dívida, pelo que o montante dividendo assume a sua natureza original de capital e de juros, ficando aquele sujeito ao prazo ordinário de prescrição de 20 anos, previsto no artigo 309.º, do Código Civil;
IX. A jurisprudência citada entende, salvo o devido respeito, que, uma vez vencidas todas as prestações, não estamos perante o reembolso de quotas de capital e de juros amortizáveis, mas, outrossim, do capital mutuado;
X. Por consequência e ao contrário do que propugna a decisão recorrida, a alínea e) do artigo 310.º do Código Civil não se aplica à situação sub judice, pois estamos na presença de uma única obrigação (para cada um dos contrato de empréstimo) que, embora passível de ser fraccionada e diferida no tempo, jamais pode ser equiparada a uma prestação periódica, renovável e cuja constituição depende do decurso do tempo;
XI. Ou seja, estando a dívida incorporada em título executivo – escritura pública – documento exarado por notário que importa a constituição ou reconhecimento de uma obrigação (vide n.º 1 alínea b) do artigo 703.º do Código de Processo Civil, fica a mesma sujeita ao prazo ordinário de prescrição, nos termos do 311.º, n.º 1 do Código Civil, não se aplicando a alínea e) do artigo 310.º do mesmo código);
XII. É inequívoco que o capital peticionado no requerimento executivo não abrange os juros remuneratórios nem corresponde à soma das prestações que ficaram por liquidar mas apenas a totalidade do capital em dívida após afectação dos pagamentos recebidos, sendo de concluir pela aplicação do prazo de prescrição ordinário de 20 anos;
XIII. A douta sentença recorrida fez, assim, uma errónea aplicação do Direito aos factos, na parte que diz respeito à prescrição, pois a factualidade impunha ao Tribunal que a oposição fosse julgada improcedente;
XIV. Sem embargo, a douta sentença recorrida, recorre ao disposto no artigo 310.º, do Código Civil, nos termos do qual as razões justificativas das prescrições de curto prazo destinam-se a obstar a situações de ruína económica por parte do devedor;
XV. O artigo 310.º, alínea e), do Código Civil encontra-se em vigor há décadas continuadamente e sempre foi interpretado no sentido de que não se aplicava aos mútuos bancários, mormente quando ocorre, tal como in casu, um vencimento antecipado de toda a dívida por inadimplemento (artigo 781°, do Código Civil);
XVI. O legislador não quis, como parece, agora, com as interpretações que vão sendo dadas àquela disposição legal (310.º, alínea e), do Código Civil), nem favorecer o credor, nem prejudicar o devedor;
XVII. Conforme já expendido e consta do elenco de factos provados, entre a Recorrente e os mutuários foi celebrado um contrato de mútuo, entregando a primeira aos últimos uma quantia aos primeiros que estes se comprometeram a devolver-lhe, acrescida da respectiva renumeração, em prestações, mensais e sucessivas, de capital e juros, prestações essas que correspondem ao fraccionamento da obrigação da restituição do capital mutuado (artigos 1114.º e 781.º, do Código Civil) e compreendem parte do capital e respectivos juros remuneratórios (artigos 1145.° do Código Civil e 395.° do Código Comercial);
XVIII. Os mutuários não satisfizeram as prestações a partir de 3/3/2003, o que determinou o vencimento das restantes, nos termos do disposto no artigo 781.°, do Código Civil;
XIX. Desde que ocorre o vencimento imediato, fica sem efeito o plano acordado, deixando de existirem "quotas de amortização de capital", passando a falar-se apenas de capital e juros, sujeitos aos prazos prescricionais de 20 anos para o capital (artigo 309.°, do Código Civil) e de 5 anos (artigo 310º, alínea d), do Código Civil) para os juros de mora;
XX. Salvo melhor opinião, o artigo 310.°, do Código Civil só pode ser interpretado como aplicável aos frutos civis ou rendimentos ou a créditos inerentes ao gozo continuado de uma coisa, isto é, às prestações periódicas, dependentes do factor tempo. Neste sentido vide o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 16.09.2008, processo n.º 4693/2008-l ou o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 15.10.2013, processo n.º 3992/12.3TBPRD.Pl, ambos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt;
XXI. A douta...

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