Acórdão nº 476/21.2T8SEI.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2023-10-24

Data de Julgamento24 Outubro 2023
Ano2023
Número Acordão476/21.2T8SEI.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO CENTRAL CÍVEL E CRIMINAL DA GUARDA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA)

Processo nº 476/21.2T8SEI.C1 – Apelação

Relator: Maria João Areias

1º Adjunto: Arlindo Oliveira

2º Adjunto: Catarina Gonçalves

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO

G..., S.A., intenta a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra AA,

Pedindo a condenação do Réu a:

1. pagar-lhe a quantia de 9.579,68 €, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos.

2. liquidar as quantias que venham a ser pagas no âmbito do processo que o BB intentou contra a autora, em liquidação de sentença, por ainda não possível determinar o valor dessa condenação.

Para o efeito, alegando, em síntese:

no dia 1 de agosto de 2015, conduzindo o Réu o veículo de matrícula ..-..-PN a velocidade superior a 100 k/h, ao entrar numa curva, perdeu o controle do veículo entrando em despiste, embatendo violentamente nas rochas seguido de projeção imediata para a via, tendo capotado pelo menos uma vez até se imobilizar na hemifaixa contrária ao seu sentido de marcha, junto ao rail de proteção, tendo o veículo sofrido grandes deformações nos seus vários componentes;

como passageiros, sentado no banco da frente, lado direito da viatura, seguia BB e no banco traseiro mais três ocupantes;

como consequência direta e necessária do despiste ocorrido, o ocupante BB, sofreu dores e lesões e o Réu, não obstante se ter apercebido das lesões apresentadas pelo BB, a carecer de necessário tratamento médico, abandonou o local sozinho e a pé, não diligenciando no sentido de lhe vir a ser prestada a assistência pelos serviços de emergência médica, só se apresentando perante as autoridades no dia seguinte;

apesar de saber que estava obrigado a providenciar por assistência médica a BB e demais passageiros que seguiam no veículo que conduzia, não o fez, tendo sido condenado entre outros, por um crime de omissão de auxílio;

encontrando-se em vigor um contrato de seguro na autora que garantia os riscos de circulação de tal veículo, a Autora assumiu e suportou os custos inerentes com o tratamento médico e outras despesas com todos os ocupantes que necessitaram de tratamentos, no montante que peticiona;

a autora foi ainda citada numa ação intentada pelo lesado BB, onde é formulado um pedido de 200.000,00 euros decorrentes daa lesões sofridas com o acidente, devendo o Réu ser também condenado a pagar à Autora todas as quantias que venha a despender em consequência do acidente dos autos, a liquidar em ampliação de pedido, incidente de liquidação e/ou execução de sentença.

O Réu deduz Contestação, invocando a exceção de prescrição do direito da autora, dfendendo-se, ainda, por impugnação, alegando, em síntese:

o réu não abandonou o local nem omitiu o auxilio à vitima;

logo após o despiste, todos os passageiros saíram do interior do veículo pelos seus próprios meios, sendo que, apenas o passageiro da frente, o BB apresentava ferimentos;

pelos demais ocupantes e também pelo Réu, foi de imediato feita ligação para o INEM, chamadas que não foram atendidas;

passado cerca de 5 a 10 minutos, apareceu uma pessoa que conduzia um veículo e, face às infrutíferas tentativas de contacto com o INEM, levou a vítima para os Bombeiros de ..., de onde aí seguiu para o Hospital ...;

só após a vítima ter sido transportada naquele veículo, é que decidiu abandonar o local, a pé, por ter sido ameaçado quer pela própria vítima quer por outro ocupante do veículo;

foi condenado por sentença proferida em processo sumaríssimo, mas não foi sujeito a julgamento, não tendo oportunidade de se defender de forma conveniente e de explicar em detalhe e pormenor como as coisas aconteceram, havendo descuido por parte da sua mandatária que não previu as consequências que daí podiam advir;

mesmo que houvesse a situação de abandono de sinistrado, o direito de regresso da seguradora não abrange todos os danos resultantes para o sinistrado, mas apenas e tão só os danos específicos pelo abandono, ou agravados por esse abandono do sinistrado.

Conclui pela procedência da exceção de caducidade ou, caso assim se não entenda, pela improcedência da ação.

A Autora apresentou articulado de resposta à exceção, pronunciando-se no sentido da sua improcedência.

Realizada audiência prévia foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a invocada exceção de prescrição.


*

Realizada audiência de julgamento, foi proferida Sentença, que conclui com o seguinte dispositivo:

IV. DECISÃO

Pelo exposto, decide-se em julgar a presente ação parcialmente procedente, por provada, e em consequência:

A) Condenar o Réu a pagar à Autora G... S.A. o montante de 9.579,68 euros (nove mil e quinhentos e setenta e nove euros e sessenta e oito cêntimos), acrescida de juros civis à taxa legal em vigor, desde a citação até integral pagamento;

B) Absolver o Réu do pedido de condenação formulado pela Autora G... S.A., a liquidar as quantias que venham a ser pagas no âmbito do processo que o lesado BB intentou contra a Autora, em liquidação de sentença, por extemporâneo.


*

Inconformado com tal decisão, o réu interpõe recurso de Apelação, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem parcialmente[1]:

1. A presente ação reporta-se ao direito de regresso da Autora contra o Réu em acidente de viação, perante uma situação em que o sinistrado esteve sempre acompanhado e em que o Réu se terá ausentado do local.

2. A sentença objeto do presente recurso, ao julgar a ação procedente, incorreu em manifesto erro de julgamento de facto e de direito.

(…)

11. O facto dado como provado n.º 18 (“18. Após o acidente, apesar de se ter apercebido das lesões apresentadas pelo ocupante BB, a carecer de necessário tratamento médico, o Réu abandonou o local sozinho e a pé, não diligenciando no sentido de lhe vir a ser prestada a assistência pelos serviços de emergência médica.”), foi incorretamente julgado.

12. O depoimento de CC coincide com a prova recolhida nos Autos e deve ser valorado, o mesmo sucedendo com o documento n.º 1 junto com a contestação.

(…)

19. O sinistrado, não conseguiu afirmar que o Réu abandonou o local, mas apenas pôde afirmar, a 12 minutos e 3 segundos da gravação do seu depoimento, “não me lembro de nada”, acrescentando aos 25 minutos e 23 segundos “só me lembro do DD”, o que reafirma entre 25 minutos e 53 segundos e 26 minutos e 30 segundos.

21. O facto dado como provado n.º 18 deve passar a constar da factualidade dada como não provada.

(…)

23. Assim, os factos vertidos nos artigos 24.º e 45.º da contestação devem ser eliminados da factualidade dada como não provada, devendo o facto vertido no artigo 24.º da contestação passar a constar da factualidade dada como provada.

24. O facto dado como provado n.º 20 (“O Réu apesar de saber que estava obrigado a providenciar por assistência médica a BB e demais passageiros que seguiam no veículo que conduzia, não o faz”).” foi incorretamente julgado.

25. A sentença recorrida baseou-se apenas na condenação do Réu em processo penal sumaríssimo, reportando-se ao pretenso dolo do mesmo.

26. O processo penal sumaríssimo tem menores garantias de defesa e assenta em certo consenso, não se podendo atribuir ao despacho de condenação o valor probatório previsto no artigo 623.º do Código de Processo Civil.

27. No processo sumaríssimo o arguido poderá não se ter oposto por receio de condenação maior, ou até por achar que se a culpa estaria próxima do dolo, mas mais não seria do que uma mera negligência agravada ou temeridade, para usar o termo, em que é muito difícil distinguir o dolo da negligência.

28. A prova produzida também vai no sentido contrário ao juízo vertido na douta sentença, tendo sido ilidida qualquer presunção decorrente da condenação, que só por hipótese se admite.

(…)

33. É evidente que o Réu se encontrava no local logo após o acidente e que permaneceu no local pelo menos até à chegada do terceiro que o auxiliou.

34. Pelo que é impossível considerar-se provado que o Réu abandonou o sinistrado, sabendo que o tinha de auxiliar, pois não ocorreu desamparo do sinistrado.

35. O Réu estava no local logo a seguir ao acidente e o sinistrado nunca permaneceu desacompanhado, tendo ficado com ele pelo menos o seu amigo DD, para além dos demais ocupantes do veículo, eventualmente, como se refere no facto dado como provado n.º 4.

36. O facto dado como provado n.º 20 deve passar a constar da factualidade dada como não provada.

37. Relativamente a vários factos não provados, a prova produzida impõe decisão diversa da constante da sentença ora objeto de recurso.

38. A sentença recorrida dá como não provado que “-Atrás do veículo conduzido pelo Réu, a cerca de 150 metros, no mesmo sentido e num outro veículo, vinha o CC que quando chegou junto do Réu, já o carro estava imobilizado /acidentado, estando todo os ocupantes a sair do veículo e de imediato e por verem o BB com ferimentos, foi feita a ligação para o INEM, sendo que as várias chamadas também efetuadas pelo Réu não foram atendidas. (artigo 21º da contestação)”,

39. O julgamento deste facto é diretamente contrariado pela testemunha EE, que, a 14 minutos e 55 segundos da gravação do seu depoimento, prosseguindo até aos 15 minutos e 10 segundos, refere “O CC estava lá sim, mas ele chegou depois, ele não presenciou o acidente”.

(…)

42. Por outro lado, as tentativas de contacto para o INEM são comprovadas, como foi dado como provado no facto n.º 30 e é atestado pela prova gravada.

43. Esclarecendo a testemunha CC, CC, (…), que “tinha tentado ligar para o INEM, não consegui, tentei ligar para os bombeiros da minha área, da minha zona”.

44. A prova produzida impõe julgamento diverso do proferido devendo eliminar-se da factualidade dada como não provada o seguinte facto: “- Atrás do veículo conduzido pelo Réu, a cerca de 150 metros, no mesmo sentido e num outro veículo, vinha o CC que quando chegou junto do Réu, já o carro estava...

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