Acórdão nº 475/21.4PDVNG.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-06-22

Ano2022
Número Acordão475/21.4PDVNG.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. N º 475/21.4PDVNG.P1
Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Porto – Juízo Local Criminal de Vila Nova de Gaia – Juiz 1

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
No âmbito do Processo Comum Singular supra identificado, a correr termos no Juízo Local Criminal de Vila Nova de Gaia – Juiz 1, foi decidido, entre o demais:
«A) No que concerne à parte criminal:
1. Condeno o arguido AA pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, nº 1, alínea a) e nº 2, alínea a), do Código Penal, na pena de três anos de prisão;
2. Suspendo a execução da pena de prisão, acompanhada de regime de prova, devendo o seu plano de readaptação social assentar:
2.1. no dever de se submeter aos tratamentos apropriados e de se prestar a exames e observações que, atentas as especificidades do caso, devem abarcar: (i) sujeição consultas e a tratamento medicamente prescrito, em regime de internamento se necessário, incluindo a toma de medicação; (ii) a realização dos exames e observações que lhe forem clinicamente determinados, tudo sob a vigilância tutelar da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais;
2.2. abstenção de consumo de bebidas alcoólicas, devendo concretizar, caso assim venha a ser considerado necessário, tratamento;
2.3. proibição de contactar a vítima, por qualquer meio;
2.4. afastamento da residência ou do local de trabalho da vítima e devendo o seu cumprimento ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância;
2.5. frequência de programa psicoeducacional visando provocar mudança e flexibilização nos focos identificados como fundamentais na violência doméstica, deverá frequentar programa de prevenção da violência doméstica, designadamente o programa “Contigo”, da DGRSP.
3. Mais se condena o arguido na pena acessória de afastamento da vítima - pelo menos 250 metros -, da sua residência ou local de trabalho e a proibição de contactos, por qualquer meio, por um período de três anos, devendo o cumprimento de tal pena acessória ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância (art. 152º, nºs 1, 4, 5 do Código Penal);
4. Determinar a recolha de amostra de ADN ao arguido e subsequente inserção na base de dados prevista na Lei nº 5/2008, de 12 de fevereiro.
5. Condenar o arguido no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC.
B) No que concerne ao arbitramento:
6. Nos termos do disposto no artigo 21.º da Lei nº 112/2009, de 16 de setembro, condenamos o arguido a pagar à ofendida a quantia de três mil euros.»
*
Inconformado, o arguido AA interpôs recurso, pondo em causa a decisão, apresentando nesse sentido as seguintes conclusões da sua motivação (transcrição):
«1. O presente recurso tem por objecto a sentença proferida a 24 de Fevereiro de 2022 no âmbito dos presentes autos, na parte em que determinou a sujeição do Arguido, ora Recorrente, à sanção acessória de proibição de contactos com a ofendida.
2. O ora Recorrente, jamais se poderá conformar com tal decisão, que reputa de inadequada, desproporcionada e desnecessária, pugnando, consequentemente, pela sua imediata revogação.
3. Decidiu o Tribunal a quo condenar o arguido na pena acessória de afastamento da vítima - pelo menos 250 metros -, da sua residência ou local de trabalho e a proibição de contactos, por qualquer meio, por um período de três anos, devendo o cumprimento de tal pena acessória ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância (art. 152º, nºs 1, 4, 5 do Código Penal);
4. Importa assim a reapreciação da sentença recorrida nesta parte, revogando-se a mesma, não sujeitando o arguido a qualquer pena acessória, por as circunstâncias concretas do caso o não justificarem.
5. De facto, tal medida deve ser aplicada apenas e quando se revele imprescindível, e, quando o é, necessário se torna que essa imprescindibilidade esteja devidamente fundamentada, o que não sucede no caso concreto.
6. Do texto decisório do Tribunal, vê-se que foi até efetuado um juízo de prognose favorável ao comportamento do arguido por forma a suspender a execução da pena de prisão.
7. A própria “vítima” afirmou nas suas declarações não ter medo do arguido, tendo até recusado o dispositivo de vigilância electrónica, por pretender reatar a relação com o mesmo; A ofendida afirmou ao longo do seu testemunho que o arguido nunca a agrediu e que apenas se exaltava quando bebia;
8. Ora, neste momento, estando o arguido em recuperação e colaborante com as entidades médicas e equiparadas, o mesmo não constitui qualquer perigo.
9. Importa assim a reapreciação da sentença recorrida nesta parte, revogando-se a mesma, não sujeitando o arguido a qualquer pena acessória, por as circunstâncias concretas do caso o não justificarem.»
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O Ministério Público junto do Tribunal recorrido respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência e pela manutenção da decisão recorrida.
*
Também neste Tribunal da Relação do Porto, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, acompanhando a resposta apresentada pela Digna Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal recorrido, emitiu parecer no sentido de que deverá ser julgado totalmente improcedente o recurso e confirmado sentença recorrida.
*
É do seguinte teor o elenco dos factos provados e não provados constantes da decisão recorrida (transcrição):
«A. Factos provados
Em sede de audiência de julgamento, provaram-se os seguintes factos:
Da acusação:
1. º
O arguido que participou no conflito armado em território angolano no decurso da época colonial contraiu matrimónio com BB a 17 de maio de 1980.
2. º
O casal fixou inicialmente a sua residência perto da mãe da vítima, cerca de 16 anos, na Travessa ..., em ..., Vila Nova de Gaia.
De seguida, o casal mudou-se para ..., ..., e lá residiu durante cerca de dois anos.
Decorrido esse período, o casal voltou a residir em ..., perto dos ..., na Av. ..., fixando ali a sua residência durante cerca de 8 anos.
No decurso do ano de 2006, o casal mudou-se para Rua ..., Lote, ... Fração R/com Esq., ..., Vila Nova de Gaia.
3. º
Da união do casal nasceram duas filhas: CC, a 15 de setembro de 1980 e DD a 27 de janeiro de 1983.
4. º Pela prática de eventos praticados a partir do início de tal união e pelo menos até ao dia 17 de outubro de 2016, correu termos contra o visado o processo 816/16.6PDVNG, que foi objeto de despacho de acusação do Ministério Público pela pratica do crime de violência domestica.
5. º
No dia 17 de Outubro de 2016, não obstante ter sido sujeito a interrogatório judicial de arguido detido nos sobreditos autos e ter ficado sujeito às medidas de coação de TIR, proibição de contactar a ofendida por qualquer meio e de proibição de permanecer na área da residência da ofendida ou nos locais por ela frequentados, com aplicação de meios técnicos de controlo à distância, o arguido deslocou-se até à residência da ofendida e ali permaneceu em desrespeito da ordem judicial que lhe foi legitimamente dirigida.
6. º
Por via disso, o arguido esteve em situação de prisão preventiva nesses autos entre 16 de janeiro de 2017 e 7 de março de 2017.
7. º
Nesse processo o arguido acabou por ser condenado por decisão transitada em julgado a 7 de março de 2017 pela pratica do crime imputado na pena acessória de um ano e seis meses e numa pena de prisão de dois anos e oito meses, suspensa na sua execução.
8. º
A aludida pena foi declarada extinta pelo cumprimento por despacho datado de 11 de dezembro de 2019.
9. º
A pedido do arguido e das filhas, a vítima acedeu ao regresso do marido para a casa de morada de família sita na Rua ..., Lote, ... Fração R/com Esq., ....
10. º
Em 2017 arguido passou a residir novamente com BB e andou bem até maio de 2021. Em maio de 2021, o arguido começou a adotar um comportamento diferente, deixou de tomar a medicação necessária ao seu problema de saúde mental (na sequência de uma carta que lhe deu alta em psiquiatria) e retomou o consumo de álcool.
11.º Em agosto de 2021, a alteração de comportamento exacerbou-se e o arguido voltou a adotar um comportamento agressivo para com a vítima.
12. º
Durante esse hiato, quando se exaltava, o arguido desferia murros nas paredes e nas portas do domicilio comum.
13. º
A conduta do arguido agudizou-se e este passou a dizer quase diariamente à esposa: «Filha da puta”, “besta de merda”, “És uma besta”, “Não vales um caralho”, “És uma ignorante”, “És uma burra”, “És outra filha da puta como a tua mãe”.
14. º
Em data não apurada da mencionada época, o arguido ainda disse à ofendida: «Não vales um peido à minha beira».
15. º
No âmbito desses conflitos, a vitima ou outros terceiros tentaram chamar à razão o arguido para o mesmo deixar de celebrar contratos de crédito ao consumo, mas o mesmo ia replicando: «o dinheiro é para se gastar».
16. º
No decurso dessas contendas, quando a ofendida se aproximava do arguido este afastava-a, empurrando-a.
17. º
Quando a conduta se agudizou, no lar de ambos, o arguido ainda se disse à ofendida: “Bato-te. Dou-te um murro”.
18. º
Por via de tais atitudes, a vitima pretendia separar-se, o que anunciou ao marido no decurso do mês de agosto de 2021.
19. º
Em data não apurada, mas no mês de agosto de 2021, quando teve conhecimento que tinha sido elaborada a denuncia que originou os presentes autos e quando surgiu a questão da venda da casa de morada de família, o arguido anunciou à esposa: «Livra-te de eu ir preso. Se for preso, dou-te um murro que te mato».
20. º
Não obstante os pedidos da ofendida, até ser detido no âmbito dos presentes autos, o arguido recusava-se a abandonar a casa de morada de família.
21. º
No dia 1 de setembro de 2021, pelas 21h45, o arguido regressou ao lar conjugal sob efeito de bebidas alcoólicas, travou-se de razões com a ofendida por via de questões monetárias e anunciou: «Filha da puta.
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