Acórdão nº 4734/20.5T8LRS.L1-2 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-04-28

Ano2022
Número Acordão4734/20.5T8LRS.L1-2
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados


IRELATÓRIO


JO interpôs o presente recurso de apelação da sentença que julgou improcedente a ação declarativa de condenação que, sob a forma de processo comum, intentou contra CA SEGUROS – COMPANHIA DE SEGUROS DE RAMOS REAIS, S.A..

Na Petição Inicial, o Autor pediu que a Ré fosse condenada no pagamento da quantia 7.861,05 €, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento, alegando, em síntese, que:
- O Autor, no dia 08-08-2019, conduzia o seu veículo de matrícula …-…-… no IC 17, sentido Sacavém-Algés, quando, antes da saída para Olival Basto, foi embatido por trás pelo veículo de matrícula …-…-…, por culpa exclusiva do condutor deste último veículo (FT), que ia desatento, em velocidade excessiva e sem guardar a distância de segurança entre veículos;
-Ambos os condutores assinaram a respetiva declaração amigável, incluindo o esquema da posição dos veículos, aquando do embate;
- O veículo MZ “ficou danificado na retaguarda, na parte lateral direita da viatura, e na parte da frente, resultando danos na chapa, para-choques, janelas, bagageira, pintura, luzes”, cujo custo da reparação foi orçado em 7.861,05 €, conforme orçamento junto “e a implicar perda total do veículo”;
- A responsabilidade civil pelos danos emergentes da circulação do veículo XC encontrava-se, à data do acidente, garantida pela Ré.
O Autor arrolou testemunhas, designadamente FT, cuja notificação requereu. Juntou documentos, incluindo a “declaração amigável de acidente automóvel” (assinada pelos condutores) e um relatório da avaliação dos danos do veículo.

Regularmente citada, veio a Ré apresentar Contestação, na qual se defendeu por impugnação motivada, de facto e de direito, alegando, em síntese, que:
- O único culpado do acidente foi o Autor, que circulava na faixa da direita e que, repentina e imprevisivelmente, mudou para a faixa da esquerda, na qual circulava o veículo XC, colocando-se imediatamente à frente deste veículo e travando, tornando impossível evitar o embate;
- Ainda que ao Autor assistisse razão quando à dinâmica do acidente, só seria indemnizável a quantia de 4.961,00 €, por ter ocorrido a perda total do veículo MZ.
A Ré arrolou testemunhas, designadamente FT, cuja notificação requereu. Juntou documentos, incluindo a “declaração amigável de acidente automóvel” (assinada pelos condutores e na qual figura como participante KG).
O Autor foi notificado para se pronunciar por escrito, ao abrigo do disposto no art. 3.º, n.º 3, do CPC, sobre a questão da perda total do seu veículo, o que fez mediante articulado de 08-03-2021.
Em 22-04-2021 foi proferido despacho saneador (tabelar) e despacho de identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.
Em 07-06-2021, notificada da impossibilidade de notificação da testemunha FT, a Ré requereu que fosse efetuada pesquisa nas Bases de Dados, a fim de se apurar da atual morada, o que foi deferido conforme despacho de 15-06-2021.
Em 29-06-2021, realizou-se a 1.ª sessão da audiência de julgamento, no início da qual o Autor prescindiu da testemunha comum FT, tendo sido ouvidas as testemunhas AM e MC, bem como o Autor, em declarações de parte. Foi ainda proferido despacho que, além do mais, fixou o prazo de 10 dias para a Ré indicar os elementos de que dispusesse para notificação da testemunha FT.
Mediante requerimento de 10-7-2021, a Ré veio indicar que apenas conseguiu obter o n.º da licença de condução da testemunha e requereu que se efetuasse pesquisa junto dos serviços da DGV ou, caso não fosse possível, que se oficiasse ao Julgado de Paz onde correu termos outro processo relativo ao mesmo sinistro, o que foi deferido mediante despacho de 12-07-2021.
O Instituto da Mobilidade e Transportes Terrestres, IP informou conforme ofício de 28-07-2021, indicando a morada da testemunha que já constava dos autos, com exceção do código postal.
Em 10-09-2021, a Ré requereu a notificação da aludida testemunha na morada indicada, com o novo código postal.
Em 13-09-2021, data da 2.ª sessão da audiência de julgamento (em que foi ouvida a testemunha MM), foi proferido despacho determinando, além do mais, que se oficiasse ao Julgado de Paz de Odivelas no sentido de informar a morada da testemunha FT, cuja realização não fora efetuada, por a carta ter vindo devolvida, com indicação de que o destinatário se mudou (cf. carta junta a 16-09-2021).
Em 20-09-2021, foi proferido despacho que determinou que a testemunha FT fosse contactada telefonicamente, dando-se conta da data agendada para audiência de julgamento e da imprescindibilidade da sua presença, mais se solicitando que fornecesse a sua morada a fim de ser remetida a notificação por carta. Tal diligência foi efetuada, conforme cota de 21-09-2021, tendo sido deixada mensagem no voice mail.
Realizou-se a 3.ª sessão de audiência de julgamento, em 15-10-2021, sem que tivesse sido possível notificar a testemunha FT, tendo sido ouvida a testemunha LF.

Foi proferida, em 22-11-2021, sentença cujo segmento decisório tem o seguinte teor:
“Decisão:
Em face do exposto, julgo procedente a presente acção, e, em consequência, absolvo a ré da totalidade do pedido.
Custas pelo autor (artigo 527.º n.º 2 do CPC).
Registe e notifique.”

Inconformado com esta decisão, veio o Autor, em 19-01-2022, interpor recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:
1.–A acção apreciada foi intentada pelo Autor, ora Recorrente, pelo que tendo o tribunal de 1.ª instância absolvido a Ré da totalidade do pedido, nitidamente que julgou a acção improcedente e não procedente, como refere.
2.–Assim, nos termos do previsto no artigo 614.º do Código de Processo Civil, a sentença contém um lapso manifesto, pelo que se requer, à luz do disposto no n.º 2, a sua retificação, com todas as consequências legais.
3.–O tribunal de 1.ª instância não valorou nem fez qualquer referência ao teor do documento n.º 1 junto pelo Recorrente com a sua petição inicial. O qual mais não é do que a Declaração Amigável de Acidente Automóvel, assinada pelos condutores dos dois veículos sinistrados.
4.–Do elenco de factos provados da sentença recorrida – fundamentação de facto, com relevância para a decisão da causa, ponto IV. – não consta, sequer, que as partes, procederam, livremente e por acordo, à assinatura da DAAA, nos momentos imediatamente seguintes ao sinistro.
5.–No entanto, a inserção deste elemento nos factos provados reveste, de todo, uma especial importância para a boa decisão da causa e, por conseguinte, para a interpretação e valoração da prova.
6.– Assim, o tribunal a quo desconsiderou total e completamente a prova documental junta aos autos, bem como as declarações da testemunha MC, gestora do processo de sinistro, quando referiu que “(...) o processo foi aberto com uma declaração amigável pelos dois condutores que apenas, na frente, possuía a data do acidente, local, identificação de duas testemunhas e não indicava qualquer outra circunstância ou observação (...) (minuto 02:12 a 02:30 das declarações prestadas pela testemunha MC).
7.– Prova esta que se analisada devidamente e conjugada com a restante teria permitido ao tribunal de 1.ª instância concluir de modo diferente daquele que concluiu e, consequentemente, julgar improcedente a acção intentada pelo Recorrente, com todas as consequências legais.
8.– A verdade é que Recorrente e condutor do veículo segurado da Recorrida, Sr. FT, assinaram, pelo seu punho, a DAAA, logo após a ocorrência do sinistro, tendo ambos os intervenientes concordado em assinar o documento, porquanto ambos apresentaram a sua concordância relativamente à dinâmica do acidente e aos danos causados nas viaturas.
9.–O Recorrente, quanto a este aspecto, referiu – matéria também desconsiderada pelo tribunal de 1.ª instância que “Assinámos declaração amigável” - (minuto 04:15, das declarações de parte prestadas pelo Recorrente).
10.–Questionado sobre os motivos da assinatura da declaração, o Recorrente disse que “A declaração atesta um consenso das pessoas envolvidas no acidente” – (minuto 11:45 a 11:49 das declarações prestadas pelo Recorrente).
11.–No que respeita ao croqui, à posição dos veículos disse o Recorrente que “(...) desenhámos ambos, quer eu, quer o Sr. FT (...)” – (minuto 13:27 a 13:33 das declarações prestadas pelo Recorrente), tendo concretizado que “(...) eu desenhei, se eu me recordo exactamente, o desenho, portanto, da estrada que corresponde ao sítio onde ocorreu o acidente” (minuto 13:40 a 13:47 das declarações prestadas pelo Recorrente).
12.–Acrescentou, por fim, que “(...) o senhor da concessionária até fez o desenho porque conhecia o nome das vias (...) e cada um de nós inseriu o seu carro, na sua vez” (minuto 14:00 a 14:05 das declarações prestadas pelo Recorrente.
13.–Da descrição do acidente feita pelos intervenientes, perfeitamente perceptível no croqui, não é feita qualquer alusão à mudança de faixa, da direita para a esquerda, levada a cabo pelo Recorrente.
14.–De facto, a mudança de faixa aconteceu, mas em nada contribuiu para a produção do sinistro. Quando o embate se deu, já o Recorrente se encontrava posicionado na faixa da esquerda, a circular à frente do veículo segurado da Recorrida.
15.Questionado o Recorrente, pela meritíssima juiz, do tempo que terá decorrido entre a mudança de faixa e o embate, o Recorrente respondeu que “(...) é difícil precisar o tempo exacto, se me pedisse para estimar, eu poderia dizer uns 10 segundos, talvez, não sei (...)” – (minuto 08:29 a 08:35 das declarações prestadas pelo Recorrente).
16.–Se o condutor do veículo segurado da Recorrida tivesse apontado como causa do sinistro a mudança de faixa, então não teria, livremente, procedido à assinatura da DAAA, sem que a esta se tivesse feito qualquer alusão.
17.–
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