Acórdão nº 472/21.0Y5LSB.L1-5 de Tribunal da Relação de Lisboa, 05-04-2022

Data de Julgamento05 Abril 2022
Ano2022
Número Acordão472/21.0Y5LSB.L1-5
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na Secção Criminal (5ª) do Tribunal da Relação de Lisboa:

I - Relatório
No Juiz 1 do Juízo Local de Pequena Criminalidade de Lisboa, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, foi proferida sentença a julgar improcedente o recurso interposto por DG e, em consequência, manter integralmente a decisão administrativa proferida pelo Presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária que o condenou no pagamento de uma coima e na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 30 (trinta) dias, pela prática de uma contra-ordenação prevista e punida pelos artigos 60.º n.º 1 e 65.º, alínea a), ambos do Regulamento de Sinalização de Trânsito, aprovado pelo Decreto Regulamentar n.º 22-A/98, de 1 de Outubro, e artigos 138.º e 146.º, alínea o), ambos do Código da Estrada.
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Inconformado, DG interpôs recurso, concluindo do seguinte modo:
“ A. Da Prescrição:
1. Atento o prazo decorrido, desde a prática da alegada ínfração rodoviária, entende o Recorrente que ocorreu a prescrição dos presentes autos contraordenacionais, ao abrigo do artigo 188° do Código da Estrada, e conforme decisões da ANSR e Jurisprudência invocada (AC. STJ, Proc. nº 1615/08 – lª Secção);
2. O Recorrente defende que o prazo de 2 anos para efeito de prescrição consagrado no artigo 188°, nº 1 do CE é perentório e autónomo;
3. Assim, sendo este normativo não será passível de remissão;
4. De facto, o nº 2 deste artigo 188° do CE, esse sim, remete expressamente para o RGCO;
5. Deste modo, à contagem do "prazo da prescrição" previsto no n° 1 do artigo 188° do CE não se aplica o RGCO, pelo que, o prazo da prescrição nas transgressões rodoviárias é o ali previsto, ou seja, 2 anos;
6. A alegada infração sub judice ocorreu há mais de 2 anos;
7. A este prazo de 2 anos, acresce o prazo da suspensão da prescrição, que será no máximo de 6 meses;
8. Assim, com a aplicação subsidiária do RGCO, relativamente à "suspensão" e "interrupção" da prescrição, o prazo da prescrição, in casu, será de 2 anos e 6 meses (já contando o prazo máximo de 6 meses de suspensão da prescrição);
9. Considerando a data da alegada infração - 25 de Novembro de 2018 - os presentes autos prescreveram no passado dia 25 de Maio de 2021, decorridos que foram mais de 2 anos e 6 meses, o que aqui se invoca para todos os devidos e legais efeitos.
B. Da Nulidade:
10. Sem prejuízo do exposto sempre se dirá que os presentes autos encontram-se feridos de nulidade, na medida em que, violam, claramente, os artigos 50° e 58°, do RGCO;
11. Este artigo impõe que as decisões condenatórias que aplicam as coimas ou sanções acessórias, deverão conter diversos elementos e informações, concretas, e objetivas, da alegada infração, o que não sucede nos presentes autos;
12. A acusação peca por excesso de defeito de omissão pois:
- Não indica qual o sentido de marcha do veículo.
- Não indica se virou à direita.
- Não indica se virou à esquerda.
- Não indica se o Arguido transpôs a linha longitudinal contínua e voltou à via.
- Não indica se efetuou uma ultrapassagem.
_ Concluindo, não indica, em concreto nem, em que circunstâncias, terá sido efectuada a alegada manobra ilícita;
13. Sabemos, sim, que não houve qualquer acidente, nem sequer perigo, ou embaraço para o demais trânsito rodoviário, ou pedonal aliás, é a única coisa que o Arguido consegue saber ... ;
14. Este vazio de conhecimento, i.e., omissão dos factos, e provas, provoca uma nulidade insuprível, nos presentes autos, o que, desde já, aqui se invoca, para todos os devidos e consequências legais.
C. Das Normas Jurídicas Violadas -Artigo 412.º do CPP:
a) Atento o exposto, e, sempre com o devido e máximo respeito, somos do parecer que houve violação de diversas normas jurídicas,
b) Concretamente, existiu uma violação ao artigo 188° do CE, pois deveria ter sido considerado que ocorreu a prescrição nos presentes autos em virtude de ter decorrido mais de 2 anos desde a prática da alegada infração rodoviária;
c) Os presentes autos enfermam ainda de nulidade por clara violação aos artigos 50° e 58° do RGCO, como também, do artigo 32°. n.º 10 da CRP”.
O Ministério Público veio apresentar resposta, sem oferecer conclusões, mas pugnando pela improcedência do recurso.
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O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
Uma vez remetido a este Tribunal, o Exm.º Senhor Procurador-Geral Adjunto deu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do CPP.
Proferido despacho liminar e dispensados os “vistos”, teve lugar a conferência.
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II – A) Factos Provados
1. No dia 25 de novembro de 2018, pelas 09:15 horas, na Avenida Brasília, em frente ao Padrão dos Descobrimentos, em Lisboa, DG , conduzindo o veículo ligeiro de passageiros de matrícula …, transpôs a linha longitudinal contínua (M1) separadora de sentidos de trânsito existente no local.
2. Ao agir da forma descrita o recorrente não atuou com o cuidado a que estava legalmente obrigado e que se lhe impunha.
3. O recorrente procedeu ao pagamento voluntário da coima que lhe foi aplicada no âmbito dos presentes autos.
4. O recorrente não tem averbada no seu Registo Individual de Condutor a prática de qualquer contra-ordenação grave ou muito grave.
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Inexistem factos não provados.
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III - Objecto do recurso
De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19.10.1995 (in D.R., série I-A, de 28.12.1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso, designadamente a verificação da existência dos vícios indicados no nº 2 do art. 410º do Cód. Proc. Penal.
São os seguintes os fundamentos do recurso: (i) da prescrição; (ii) da nulidade por violação dos artigos 50° e 58°, do RGCO.
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IV – Fundamentação
(da prescrição)
A data da contraordenação é a de 25.11.2018.
O art.º 188.º, n.º 1, do Código da Estrada, determina que o procedimento por contraordenação rodoviária extingue-se por efeito da prescrição logo que, sobre a prática da contraordenação, tenham decorrido dois anos.
O n.º 2 do mesmo artigo determina que a prescrição do procedimento por contraordenação rodoviária interrompe-se também com a notificação ao arguido da decisão condenatória, o que ocorreu no dia 14 de Agosto de 2019.
Depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição – art.º 121.º, n.º 2, do Código Penal, aplicável por força dos artigos 32.º do Decreto-Lei n.º n.º 433/82, de 27.10 (RJIMOS) e 188.º, n.º 2, primeira parte, do Código da Estrada.
A lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, que introduziu medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, veio, no seu art.º 7.º, n.ºs 3 e 4, versão primitiva, determinar que a situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos, regime que prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional.
Também a lei n.º 4-B/2021, de 01.02, no seu art.º 6.º-B, n.ºs 3 e 4, veio outrossim determinar que são igualmente suspensos os prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os processos e procedimentos identificados no n.º 1, regime que prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, aos quais acresce o período de tempo em que vigorar a suspensão.
Tais prazos de suspensão da prescrição vigoraram desde 9 de março de 2020 até 3 de junho de 2020 e de 22 de janeiro e 6 de abril de 2021 (cfr. art.ºs 6.º-A, 7.º, 10.º e 11.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, e 6.º da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril).
Os prazos de prescrição visam sancionar lapsos de tempo consideráveis e injustificados sem andamento do processo, não sendo de todo exigível que os visados estejam, por tempo irrazoável, sob procedimento administrativo ou criminal ou à espera do cumprimento de uma contraordenação ou pena. Há um tempo razoável para fazer justiça, consagração de um processo justo e equitativo, previsto no art.º 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, e no art.º 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
Todavia, esta especialíssima legislação foi implementada num período particularmente severo da pandemia, que obrigou as pessoas a permanecer em casa, em confinamento, sendo muito restritas as excepções em que dela podiam sair. As pessoas estiveram impedidas de se deslocar aos tribunais e aos serviços administrativos, excepto em situações de manifesta urgência.
Esta situação sanitária de extrema excepcionalidade também justifica que a suspensão dos prazos de prescrição se aplique a todos os processos, mesmo os já pendentes
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