Acórdão nº 47/20.0YREVR-E.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 09-01-2024

Data de Julgamento09 Janeiro 2024
Ano2024
Número Acordão47/20.0YREVR-E.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora
Acordam, em conferência, os Juízes da 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I. No processo de Execução de Sentença Penal Estrangeira n.º 47/20.0YREVR cujos termos correm no Juízo Local Criminal de (.....), foi proferido, a 15.09.2023, despacho que, apreciando requerimento apresentado pela arguida, indeferiu o mesmo e que apresenta o seguinte teor:
Da invocada inconstitucionalidade da norma do nº 1 do artigo 2.º da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, no que se refere à limitação de 30 anos de idade
A arguida (….) invocou a inconstitucionalidade da norma prevista no n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, quanto à limitação da idade de 30 anos para aplicação de um perdão genérico de penas, por violação do princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, dada a discriminação em função da idade sem qualquer justificação objetiva e legal.
Requer, assim, a arguida que lhe seja aplicada a lei em apreço, entendendo que deve beneficiar do perdão de penas que a mesma prevê.
Mais requer a suspensão dos mandados de detenção emitidos, pelo menos até à decisão final sobre a aplicação da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, ao caso da arguida.
O Ministério Público promoveu o indeferimento do peticionado por inadmissibilidade legal da aplicação da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, nos termos em que foi requerido pela arguida, por entender que, caso a arguida dela beneficiasse, estar-se-ia a extravasar o propósito específico para o qual o legislador criou a citada Lei.
Apreciando.
Dispõe o artigo 2.º, n.º 1, da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto, a qual estabelece um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude (cfr. artigo 1.º), que «Estão abrangidas pela presente lei as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos artigos 3.º e 4».
Na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 97/XV/1.ª (https://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=173095) justificou-se aquele âmbito nos seguintes termos:
«Considerando a realização em Portugal da JMJ em agosto de 2023, que conta com a presença de Sua Santidade o Papa Francisco, cujo testemunho de vida e de pontificado está fortemente marcado pela exortação da reinserção social das pessoas em conflito com a lei penal, tomando a experiência pretérita de concessão de perdão e amnistia aquando da visita a Portugal do representante máximo da Igreja Católica Apostólica Romana justifica-se adotar medidas de clemência focadas na faixa etária dos destinatários centrais do evento.
Uma vez que a JMJ abarca jovens até aos 30 anos, propõe-se um regime de perdão de penas e de amnistia que tenha como principais protagonistas os jovens. Especificamente, jovens a partir da maioridade penal, e até perfazerem 30 anos, idade limite das JMJ. Assim, tal como em leis anteriores de perdão e amnistia em que os jovens foram destinatários de especiais benefícios, e porque o âmbito da JMJ é circunscrito, justifica-se moldar as medidas de clemência a adotar à realidade humana a que a mesma se destina».
Dispõe o artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa que:
«1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual».
Acerca do princípio da igualdade constitucionalmente consagrado, pode ler-se no Acórdão do STJ de Fixação de Jurisprudência n.º 2/2023, respeitante à lei de clemência n.º 9/2020, de 10 de abril, o seguinte: «Exige que se tratem por igual as situações substancialmente iguais e que, a situações substancialmente desiguais, se dê tratamento desigual, mas proporcionado [...] O princípio da igualdade, enquanto proibição do arbítrio e da discriminação, só é, assim, violado, quando as medidas legislativas contendo diferenciações de tratamento se apresentem como arbitrárias, por carecerem de fundamento material bastante"».
A propósito das leis de clemência, o Tribunal Constitucional tem reconhecido ampla margem de discricionariedade às opções legislativas no âmbito desta política criminal, mas essa «discricionariedade normativo-constitutiva do legislador ordinário não é ilimitada: ela tem de respeitar as normas e os princípios constitucionais» (Ac. do TC n.º 488/2008), entre os quais, naturalmente, o princípio da igualdade.
Todavia, na medida em que «qualquer medida de amnistia, entendida em sentido amplo, pode remeter, necessariamente, para uma certa derrogação do princípio da igualdade (ao menos num seu entendimento não complexivo, que abranja ou integre já essas exceções, aliás clássicas), (…) o princípio da igualdade deverá ser entendido num sentido específico: ele não impede a lei de aprovar regras especiais, dirigidas a certas categorias de ilícitos e de penas, mas sim de aprovar regras diferentes para situações objetivamente iguais. O problema consiste, pois, em avaliar as situações que poderão ser consideradas especiais"» (Acórdão do STJ de Fixação de Jurisprudência n.º 2/2023).
Decorre ainda do entendimento vertido no mencionado Acórdão que «a jurisprudência do Tribunal Constitucional afirma que o princípio da igualdade nas leis de amnistia e de perdão genérico "só recusa o arbítrio, as soluções materialmente infundadas ou irrazoáveis" (Acórdão n.º 42/95), entendendo que as diferenças de tratamento legal traduzem uma diferenciação arbitrária apenas quando não sejam concretamente compreensíveis ou quando não seja possível encontrar uma justificação razoável para a diferenciação, ligada à natureza das coisas (Acórdão n.º 152/95)"». Nesta medida, "a proibição de discriminação nos termos do artigo 13, n.º 2, da Constituição da República, não significa uma igualdade absoluta em todas as situações, mas apenas exige que as diferenciações de tratamento sejam materialmente fundadas e não tenham por base qualquer motivo constitucionalmente improprio. As diferenciações de tratamento podem ser legitimas quando se fundamentarem numa distinção objetiva e se revelem necessárias, adequadas e proporcionadas a realização da respetiva finalidade"(26).
Como tal, e nesta linha de entendimento, "embora a concessão do perdão genérico [...] seja efeito de um ato político, que pode ter por causa as mais diversas motivações [...], como sejam a magnimidade por occasio publicae laetitia excepcional, razões de política geral de apaziguamento ou outras, de correção de determinadas ponderações anteriores efetuadas pelo direito ou do modo da sua aplicação pela jurisprudência ou pela administração, ela expressa-se através de uma lei em sentido material.
(…)
Nesta medida, "o Tribunal Constitucional vem entendendo, com significativa reiteração, que, nos óbvios parâmetros do Estado de direito democrático, a liberdade de conformação legislativa goza de alargado espaço onde têm lugar preponderantes considerações não necessariamente restritas aos fins específicos do aparelho sancionatório do Estado, mas também outras ditadas pela conveniência pública que, em última instância, entroncam na raison d'Etat"(28).
Assim, o legislador da clemência tem liberdade de estabelecer os critérios e a forma de determinar o perdão, mantendo uma significativa margem de discricionariedade, de forma a cumprir os objetivos que lhe estão subjacentes. Como tal, "cabe na discricionariedade normativa do legislador ordinário eleger, quer a medida do perdão de penas - o quantum do perdão -, quer, em princípio, as espécies de crimes ou infrações a que diga respeito a pena aplicada e perdoada, quer a sujeição ou não a condições, desde que o faça de forma geral e abstrata, para todas as pessoas e situações nela enquadráveis"(29)».
No caso vertente, para além de um limite temporal e de várias exceções em função do crime praticado, da vulnerabilidade da vítima ou da qualidade do agente, foi estabelecido um critério, geral e abstrato, em que todas as pessoas que reúnem determinada idade (consideradas “jovens” por referência à faixa etária dos destinatários centrais do evento que motivou a clemência) podem ser abrangidas, sendo que a diferenciação operada se justifica pelo motivo subjacente à aprovação do referido diploma legal, ou seja, a «exortação da reinserção social» dos destinatários do evento motivador da clemência (Jornada Mundial da Juventude).
A reinserção social dos jovens constitui um valor constitucional que justifica a discriminação positiva, pois a própria Constituição da República Portuguesa consagra uma particular atenção aos jovens e à proteção que lhes é devida pelo Estado no seu artigo 70.º.
Acresce que a lei penal ordinária estabelece um regime aplicável aos jovens, ainda que com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos (Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de setembro), de modo a «instituir um direito mais reeducador do que sancionador, sem esquecer que a reinserção social, para ser conseguida, não poderá descurar os
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