Acórdão nº 47/18.0T8TMR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2023-03-16

Ano2023
Número Acordão47/18.0T8TMR.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

No Juízo do Trabalho de Tomar, foi efectuada participação de acidente de trabalho sofrido em 30.10.2018 por AA, quando exercia as funções de trabalhador avícola sob as ordens e direcção de Zêzerovo – Produção Agrícola e Avícola do Zêzere, Lda., cuja responsabilidade se encontrava transferida para Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A..
Não tendo sido obtido acordo na tentativa de conciliação, foi proposta petição inicial e, após contestação, organizado o apenso de fixação de incapacidade.
Neste apenso, foi solicitado parecer ao IEFP para análise do posto de trabalho e caracterização dos riscos profissionais. Realizada junta médica, os peritos médicos consideraram o sinistrado afectado de uma incapacidade parcial permanente de 20,47% e responderam aos quesitos formulados.
Realizado julgamento, a sentença considerou o sinistrado afectado de uma IPP de 20,47%, recusou a atribuição de IPATH, e condenou a Seguradora a pagar “o capital de remição de € 31.323,69, correspondente a uma pensão anual de € 1.892,10, devida desde o dia 05-12-2019, por uma IPP de 20,47%”, bem como € 35,00 a título de despesas de transporte, tudo acrescido de juros de mora.

Inconformado, o sinistrado recorreu dessa sentença.
Uma vez que as suas conclusões, longas e prolixas, não cumprem o dever de síntese imposto pelo art. 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil, deixaremos aqui, apenas, o resumo das questões ali colocadas:
A. Relativamente ao conjunto de tarefas que constituem o núcleo essencial da actividade profissional do sinistrado, como trabalhadora avícola, não podiam ser julgados como provados os factos constantes das als. P) a V).
B. Deveriam ser declaradas provadas as 7 tarefas/funções que constituem o núcleo essencial da actividade desenvolvidas pelo sinistrado, enumeradas no relatório do IEFP.
C. Deveria ser dado como provado que: As sequelas impedem o sinistrado estar de pé durante mais de 1 hora, não pode subir e descer escadas, não pode deambular por grandes distâncias e não pode proceder à reposição, limpeza e fiscalização das aves que se encontram nas jaulas.
D. A sentença, na rejeição da atribuição de IPATH ao sinistrado:
- Aceitou de forma acrítica e plena o parecer da Junta Médica, de que a “situação clínica do sinistrado não é condicionada de IPATH”, limitando-se a sobrevalorizar um juízo técnico-científico.
- Não teve em conta, nem o Relatório do Perito do IEFP, nem o Relatório do Médico de Medicina do Trabalho, entidades que procederam à ponderação e avaliação da capacidade funcional do trabalhador e concluíram que o sinistrado se encontra absolutamente incapacitado para o exercício do seu trabalho habitual de trabalhador avícola.
E. Deveria concluir-se que o sinistrado está afectado de IPATH, porquanto não é reconvertível em relação ao posto de trabalho que ocupava à data do acidente.

A Seguradora também deduziu recurso subordinado, ali colocando as seguintes questões:
A. A sentença deveria ter sobrestado no cálculo do capital de remição, aguardando o trânsito em julgado da decisão definitiva, calculando-o ulteriormente, em caso de manutenção da denegação ao A. de IPATH.
B. Caso venha a ser atribuída IPATH, a pensão não será obrigatoriamente remível, face ao art. 75.º n.º 1 da LAT.

A Seguradora respondeu ao recurso do sinistrado.
Já nesta Relação, a Digna Magistrada do Ministério Público apresentou Parecer propondo o provimento do recurso deduzido pelo sinistrado.
Dispensados os vistos, cumpre-nos decidir.

Impugnação da matéria de facto
Reconhecendo, previamente, que se encontram reunidos os requisitos do art. 640.º n.º 1 do Código de Processo Civil para se proceder ao conhecimento da impugnação fáctica deduzida, declarou a sentença provado, nas als. P) a V), o seguinte:
“As funções do autor determinam (…):
P) Monitorizar e examinar ovos;
Q) Misturar alimentos e aditivos e encher recipientes de alimentos e água;
R) Vacinar aves através da água para beber, injecções ou pulverização do ar;
S) Recolher e embalar ovos para venda no mercado;
T) Executar tarefas relacionadas com a reprodução de aves (inseminação artificial e incubação de ovos);
U) Manter e limpar instalações e equipamentos de exploração de criação de aves;
V) Organizar venda e transporte de aves, ovos e produtos derivados”.
Foi solicitado parecer ao IEFP, para análise do posto de trabalho do sinistrado, e ali constam enumeradas as funções por ele desempenhadas como trabalhador avícola numa instalação de produção de ovos de galinhas poedeiras em regime intensivo industrial, assim enumeradas:
«17.1. Cuida das condições básicas de higiene, colaborando na manutenção dos alojamentos das aves limpos, designadamente, procedendo à recolha dos excrementos das aves através do uso de uma pá e carrinho de mão nos diversos pavilhões;
17.2. Procede à observação dos corredores, muitas vezes em cima de escadotes com rodas, a fim de verificar da necessidade, designadamente, de recolha de cadáveres de aves, fazendo a respectiva limpeza com carrinho vassoura manual;
17.3. Vigia os animais, informando sobre as suas condições, ou reportando situações anómalas, sempre que necessário apoia na manutenção da saúde e bem-estar das galinhas poedeiras, colaborando na sua monitorização e exame para detectar ferimentos, doenças, evolução do peso, morte, etc.;
17.4. Efectua lavagens das laterais exteriores dos através, nomeadamente de mangueira a jacto de água;
17.5. Executa a verificação de depósitos de água assim como das rações, tendo de subir e descer escadas, e procede à elaboração do respectivo relatório diário;
17.6. Procede à pulverização sanitária dos espaços exteriores com vista à eliminação de insectos indesejados, nomeadamente de moscas;
17.7. Efectua, por vezes, manutenção simples de rotina aos equipamentos e participa, também ocasionalmente, na apanha de um elevado número de galinhas aquando da renovação dos espaços com aves novas;
17.8. Cumpre normas de higiene, saúde e segurança no trabalho.”
Ponderando este descritivo funcional, aliado ao depoimento da única testemunha ouvida em julgamento, BB, que é a responsável de qualidade e segurança alimentar na empresa empregadora do sinistrado, acumulando as funções de gestão de recursos humanos, e que revelou conhecimento pormenorizado das funções por este desempenhadas, desde logo ressalta que o sinistrado não tinha funções de vacinação de aves, não procedia à recolha de ovos nem à sua classificação (os ovos são recolhidos através de meios mecanizados, e o sinistrado não tinha de os monitorizar, examinar ou embalar), não executava tarefas de reprodução de aves (a empresa não se dedica a essa tarefa, compra galinhas vivas, com 17 semanas e já aptas a colocar ovos, e os que produz e vende não estão incubados, i.e., não contêm um embrião em desenvolvimento para eclosão de um pinto), nem participava na venda e transporte de aves, ovos e produtos derivados.
Assim, a matéria das als. P), R), S), T) e V), não podia ser considerada provada.
No que concerne à al. Q) – misturar alimentos e aditivos e encher os recipientes de alimentos e de água – não cabia nas tarefas do sinistrado proceder à composição e mistura das rações e aditivos dados às galinhas, mas tão só verificar os níveis dos silos de rações e de água. Em consequência, a primeira parte daquela alínea não podia ser considerada provada, e quanto à segunda deveria considerar-se provado apenas que o sinistrado verificava os níveis dos silos de rações e de água.
Quanto à al. U) – manter e limpar instalações e equipamentos de exploração de criação de aves – como foi referido pela testemunha BB (44m05s a 44m30s do seu depoimento), a empresa não se dedica à actividade de criação de aves: produz ovos, com galinhas poedeiras compradas com 17 semanas de vida; e quando as galinhas ultrapassam a sua fase produtiva, vende-as para abate. Logo, a empresa não dispõe de instalações e equipamentos destinados à criação de aves, pelo que também esta matéria não podia ser considerada provada.
Quanto às tarefas/funções que constituem o núcleo essencial da actividade desenvolvidas pelo sinistrado, elas estão enumeradas, de forma pormenorizada, no relatório do IEFP, e foram confirmadas no depoimento da testemunha BB (nomeadamente entre 9m45s e 28m35s do seu depoimento). Pela sua clareza e relevo para a determinação do direito aplicável, importa que essa matéria seja aditada ao elenco fáctico, nesta parte também procedendo a impugnação do Recorrente.
*
Pretende, ainda, o Recorrente que seja aditado ao elenco fáctico que as sequelas o impedem estar de pé durante mais de 1 hora, não pode subir e descer escadas, não pode deambular por grandes distâncias e não pode proceder à reposição, limpeza e fiscalização das aves que se encontram nas jaulas.
Os peritos médicos referiram que o sinistrado está afectado de raquialgias residuais lombares, rigidez ligeira do joelho esquerdo, e rigidez bilateral da subastragalina, i.e., rigidez nos ossos dos dois tornozelos.
Daí que tenham classificado as sequelas do sinistrado nas seguintes rúbricas da TNI:
- Capítulo I – 1.1.1.b) – Coluna vertebral – Entorses, fracturas e luxações – Traumatismos raquidianos sem fractura, ou com fracturas consolidadas sem deformação ou com deformação insignificante – Apenas com raquialgia residual: 0,02 a 0,10, tendo arbitrado um coeficiente de 0,02;
- Capítulo I – 12.2.4.1.b) – Joelho – Limitação (rigidez) – Flexão – Mobilidade até 110°: 0,00 a 0,03, tendo arbitrado
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