Acórdão nº 468/10.7TBFND-E.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2023-03-14

Ano2023
Número Acordão468/10.7TBFND-E.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE CASTELO BRANCO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO)

Apelação nº 468/10.7TBFND-E.C1

Tribunal recorrido: Comarca de Castelo Branco - C.Branco - JC Cível - Juiz 2

Des. Relatora: Maria Catarina Gonçalves

Des. Adjuntos: Maria João Areias

Paulo Correia

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I.

No âmbito da acção instaurada por AA e mulher BB contra CC e mulher DD e de incidente de liquidação que nela foi deduzido, foi determinada a suspensão da instância – por decisão de 09/11/2021 – por força do óbito da Autora BB que havia ocorrido em 30/05/2019.

Após esse facto, o Autor e EE, melhor identificados nos autos, vieram deduzir incidente de habilitação de herdeiros, alegando serem os únicos herdeiros da falecida (respectivamente, marido e filho) e requerendo a sua habilitação como herdeiros da Autora a fim de prosseguirem como sujeitos activos nos presentes autos.

Na sequência da apresentação desse requerimento, foi proferido despacho onde se determinou a notificação dos Requerentes para juntarem aos autos certidão de assento de nascimento do Requerente EE.

Ainda antes da notificação desse despacho, os Requerentes vieram juntar aos autos uma escritura de habilitação de herdeiros, dizendo que não a haviam junto com a petição inicial porque, por lapso, não se recordavam da sua celebração. Vieram ainda, uns dias depois – e após a notificação do despacho acima mencionado –, juntar o assento de nascimento do Requerente EE e, na sequência de notificação que, para tal, lhes foi efectuada vieram depois juntar a escritura integral da habilitação (uma vez que a inicial estava incompleta)

Os Réus foram então notificados – na pessoa do seu mandatário – para contestar o incidente, sendo que, com essa notificação, não lhe foram remetidos os documentos que já estavam nos autos (escritura de habilitação de herdeiros e assento de nascimento).

Na sequência dessa notificação, os Réus apresentaram contestação, pugnado pela improcedência do incidente e alegando, em resumo: que a filiação é um facto que só pode ser provado por documento; que os Requerentes não juntaram qualquer documento que atestasse que o Requerente EE era filho da Autora e que, não tendo sido junto com o requerimento inicial, tal documento já não pode ser junto aos autos, uma vez que, no âmbito dos incidentes, a prova tem que ser oferecida no requerimento inicial, não o podendo ser posteriormente

Posteriormente, por se ter constatado que os Requeridos não haviam sido notificados dos documentos juntos aos autos, determinou-se – por despacho de 02/10/2022 – que tais documentos lhes fossem notificados para o efeito de sobre eles se pronunciarem no prazo de dez dias.

A notificação foi efectuada, mas os Requeridos nada disseram.

Foi então proferida decisão que, julgando procedente o incidente de habilitação de herdeiros, declarou AA e EE, habilitados como herdeiros de BB, para prosseguir os ulteriores trâmites dos presentes autos em sua substituição.

Inconformados com essa decisão, os Requeridos vieram interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:

1º - Dá-se aqui por integralmente reproduzida a sentença ora em crise.

2º - Vieram o Autor e EE requerer o presente incidente de habilitação de herdeiros contra os requeridos, na qualidade de únicos e universais herdeiros da Autora BB, alegando que “a presente acção deverá prosseguir com aqueles na posição que esta ocupava”.

3º - Os Requerentes no requerimento inicial não juntaram qualquer documento (certidão de nascimento ou escritura de habilitação de herdeiros) que prove que o requerente EE é filho do autor e da falecida BB

4º - Nos incidentes a prova é oferecida no requerimento inicial, estando vedada às partes que o façam em momento posterior.

5º - De todo o modo, fora de dúvida é que a filiação nestes autos constitui facto essencial à pretensão dos Requerentes, e a mesma só se prova por meio de prova documental que não foi nem poderá ser junta aos presentes autos

6º - A lei assinala prazos e limites para as partes apresentarem e produzirem os respetivos meios de prova, conferindo àqueles prazos um caráter preclusivo (princípio da preclusão da prova).

7º - E, assim, na ação declarativa comum, as partes devem - note-se o caráter vinculativo - juntar os documentos, apresentar o rol de testemunhas e requerer quaisquer outras provas com os respetivos articulados – artigos 552.º, n.º 2 e 572.º, al d) do Código de Processo Civil.

8º - E, em relação à prova documental, não vigoram critérios muito diversos, conforme se encontra estabelecido no artigo 423.º do Código de Processo Civil.

9º - Por estes condicionalismos se vê que, reconhecendo embora a lei às partes um interesse legítimo na instrução da causa, não lhes permite o exercício desse direito de forma arbitrária.

10º - Bem pelo contrário, condiciona esse exercício a determinados pressupostos, fora dos quais aquele direito pode ficar comprometido. E, neste contexto, não faz sentido que esses pressupostos possam ser contornados por recurso aos poderes/deveres que a lei comete ao juiz em sede instrutória.

11º - Como salienta Lopes do Rego: “O exercício dos poderes de investigação oficiosa do tribunal pressupõe que as partes cumpriram minimamente o ónus que sobre elas prioritariamente recai de indicarem tempestivamente as provas de que pretendem socorrer-se para demonstrarem os factos cujo ónus probatório lhes assiste – não podendo naturalmente configurar-se como uma forma de suprimento oficioso de comportamentos grosseira ou indesculpavelmente negligentes das partes”.

12º - E neste sentido se tem também pronunciado a esmagadora maioria da jurisprudência, vide .Ac. TRG, Proc. 14/15.6T8VRL-C.G1, de 20/03/2018.

13º - Ora, vertendo estes ensinamentos para a situação dos presentes autos, considerando tudo o que supra se disse ora resta concluir que os requerentes não apresentaram requerimento probatório, como se retira do articulado que apresentram, não cumpriram o ónus que sobre si recaía, não indicando tempestivamente o ónus probatório que lhes assistia, constituindo a seu conduta processual um comportamento grosseiro e indesculpavelmente negligente.

14º - Posto isto, não se conforma a R. ora Recorrente e daí apresente o presente recurso por via do qual reclama que seja reconhecido que o douto Tribunal a quo, por via oficiosa não deveria ter determinado a junção dos documentos que não foram juntos com o requerimento inicial (vide certidão de nascimento e escritura de habilitação de herdeiros).

15º - Repetindo, efetivamente competia aos Requerentes., o ónus de no seu requerimento inicial apresentar todas as provas demonstrativas dos factos por si alegados.

16º - O princípio do inquisitório deve ser interpretado como um poder-dever limitado, restringindo-se, em matéria probatória, na busca pelas provas dentro dos factos alegados pelas partes (factos essenciais), com vista à justa composição do litígio e ao apuramento da verdade.

17º - Assim, se a necessidade de promoção de diligências probatórias pelo juiz “não for patentemente justificada pelos elementos constantes dos autos, a promoção de qualquer outra diligência resultará, apenas, da vontade da parte nesse sentido, a qual, não se tendo traduzido pela forma e no momento processualmente adequados, não deverá agora ser substituída pela vontade do juiz, como se de um seu sucedâneo se tratasse” (assim, Nuno Lemos Jorge; “Os poderes Instrutórios do Juiz: Alguns Problemas”, in Julgar, nº 3, p. 70).

18º - Não pode, pois, o juiz ao abrigo do princípio do inquisitório suprir o incumprimento de formalidades essenciais pelas partes, permitir o atropelo de normas legais e postergar o princípio da auto-responsabilização das partes.

19º - Conforme se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18-02-2016 (Processo n.º 788/14.1T8VNG, rel. PEDRO MARTINS): “O princípio do inquisitório (art. 411 do CPC) não pode ser utilizado para, objectivamente, auxiliar uma das partes, prejudicando a outra, permitindo àquela introduzir no processo documentos que não apresentou atempadamente nos termos do art. 423 do CPC”.

20º - O disposto no artigo 411º do CPC não descaracteriza, nem invalida, o princípio base do processo civil que é o do impulso processual, competindo às partes em toda a sua extensão, nomeadamente no tocante à indicação e realização oportuna das diligências probatórias.

21º - Assim, conforme se afirmou no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 20-03-2018 (Processo 14/15.6T8VRL-C.G1, rel. JOÃO DIOGO RODRIGUES):

“1- De acordo com o princípio do inquisitório, consagrado na lei processual civil, o juiz tem a iniciativa da prova, podendo realizar e ordenar oficiosamente todas as diligências necessárias para o apuramento da verdade.

2- Esta amplitude de poderes/deveres, no entanto, não significa que o juiz tenha a exclusiva...

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