Acórdão nº 4651/22.4T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2023-04-27

Ano2023
Número Acordão4651/22.4T8GMR.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

A arguida “C...” interpôs recurso de apelação da decisão judicial que rejeitou, por alegada inexistência jurídica, a impugnação judicial da decisão do Instituto de Segurança Social IP que lhe aplicou coima - 38º RPCOLSS[1]. Pede que a decisão seja revogada e substituída por outra que admita o recurso.

FORMULA AS SEGUINTES CONCLUSÕES (412º CPP por remissão do art. 50º, 4 e 51º do RPCLSS):

1.º. Vem o presente recurso da douta sentença que rejeitou o recurso apresentado pela Recorrente por inexistência jurídica, recurso esse que se destinava a impugnar a sanção aplicada à Recorrente pelo ISS.
…3.º. Tendo a douta sentença laborado em erro pois partiu do principio (errado) que a Recorrente tinha remetido o recurso para a entidade administrativa através de email sem assinatura, o que manifestamente se trata de um erro notório.
4.º. Uma vez que a Recorrente remeteu o recurso através da Plataforma da Segurança Social com as credências (pessoais e intransmissíveis) que identificam plenamente a Recorrente e o seu mandatário, não havendo, assim, qualquer remessa por email.
5.º. Por outro lado, como se pode verificar na cópia do recurso presente nos autos (junto pela ISS, fls. 1 do citius) é patente a assinatura manuscrita do mandatário e o seu carimbo profissional, o que significa que, também quanto à assinatura, é manifestamente falsa a factualidade ostentada na sentença.
….7.º. Mas vejamos mais detalhadamente, o Tribunal entendeu que “não se mostra observado o formalismo legalmente estabelecido, nem, por outro lado, a arguida acatou o convite do Tribunal para juntar o original do recurso de impugnação, pelo que não pode aproveitar o ato praticado, isto é, a interposição de recurso de contraordenação, mediante email, sem assinatura eletrónica avançada, sendo juridicamente inexistente tal peça processual.” (destacado nosso).
8.º. No que tange ao formalismo legal, estabelece o artigo 33.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, que a [1] “A impugnação judicial é dirigida ao tribunal de trabalho competente e deve conter alegações, conclusões e indicação dos meios de prova a produzir.” e [2] “A impugnação judicial é apresentada na autoridade administrativa que tenha proferido a decisão de aplicação da coima, no prazo de 20 dias após a sua notificação.”.
9.º. Nessa esteira a Recorrente efetuou o recurso contendo as alegações, conclusões e indicação dos meios de prova, nos termos do plasmado no n.º 1 do citado artigo e remete-o pelo meio fixado na notificação da decisão, ou seja, através do sistema da Segurança Social Direta.
10.º. Sistema esse que obriga à existência de credenciais pessoais e intransmissíveis para a sua utilização, como ocorre no sistema citius, sendo que a remessa de qualquer documento através dessa plataforma, valida a qualidade do remetente através de uma assinatura eletrónica avançada.
11.º. Porém, o aludido recurso, para além dessa assinatura eletrónica ainda estava assinada pelo punho do signatário e com o seu carimbo profissional.
12.º. Nessa esteira, é manifestamente falso que o recurso sofresse de qualquer vício ou fosse juridicamente inexistente...
..14.º. No que tange ao alegado não acatamento, por parte da Recorrente, do convite do tribunal para juntar o original do recurso de impugnação e das suas graves e inovadoras consequências, importa elucidar o seguinte:
15.º. O douto Despacho que efetuou o convite à Recorrente para a junção do original do Recurso, pela forma como foi redigido, induziu o Recorrente em erro, porquanto o douto Tribunal principiava o douto Despacho notificando a entidade administrativa para juntar comprovativos de documentos (pontos 1.º e 2.º) e a final, sem qualquer numeração, convidava a arguida a juntar aos autos o recurso original.
16.º. Na leitura perfunctória efetuada pela Recorrente, pelo qual também se penitencia, entendeu que esse Despacho apenas continha comandos dirigidos à entidade administrativa. Razão pela qual não juntou a versão em pdf igual àquela que se encontrava no citius, junta pela entidade administrativa.
17.º. No entanto, o Tribunal, ao contrário da reiteração dos pedidos que efetuou à entidade administrativa para a junção desses comprovativos (despachos de 11/11/2022 e 17/11/2022), à Recorrente, sem qualquer aviso de cominação, e de forma surpreendente, entendeu julgar o recurso como juridicamente inexistente.
18.º. O que, para além de um tratamento desigual das partes, culminou com uma decisão surpresa e por isso também ilegal.
19.º. Violando, assim, a Sentença recorrida os artigos arts. 32.º, 33.º, 34.º, 36.º, 37.º, 38.º e 39.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro.
20.º. Devendo, assim, este Venerando Tribunal anular a decisão recorrida e ordenar a prolação de Despacho que admita o recurso interposto, por ter sido apresentado em tempo, junto do tribunal competente e por quem para tal tem legitimidade, o qual tem efeito meramente devolutivo - arts. 32.º, 33.º e 34.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, “ex vi” art.º 186.º-J do Código de Processo do Trabalho.

NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO COM MUI SUPRIMENTO DE V.EXAS., REQUER-SE QUE SEJA ANULADA A DECISÃO RECORRIDA E ORDENE AO TRIBUNAL A QUO A PROLAÇÃO DE DESPACHO QUE ADMITA O RECURSO INTERPOSTO NOS TERMOS DOS ARTS. 32.º, 33.º E 34.º DA LEI N.º 107/2009, DE 14 DE SETEMBRO.

RESPOSTA EM 1ª INSTÂNCIA (413º, 1, CPP) - O Ministério Público sustenta que deve ser mantida a decisão recorrida.

PARECER - O Ministério Público junto deste tribunal de recurso sustenta a revogação da decisão recorrida, distanciando-se da posição da 1ª instância (417º, 1, 2, CPP).
Refere que: o recurso de impugnação foi remetido à autoridade administrativa competente pela via indicada na notificação (Segurança Social Directa), meio legal e seguro de comunicação/notificação da segurança social com os aderentes, peça essa devidamente assinada pelo mandatário e com o carimbo profissional, inserindo-se esse acto ainda numa fase pré-processual. É certo que o arguido foi notificado para juntar o original do seu articulado ou remetê-lo via CITIUS e não o fez. Porém, o fundamento do despacho recorrido é a inobservância do formalismo legal para a interposição da impugnação e não a existência de dúvidas sobre a autenticidade da peça enviada. O recurso merece provimento.
A recorrente não respondeu (417º, 2, CPP).
O recurso foi apreciado em conferência (art. 419º, CPP).

Objecto do recurso:

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente[2], a questão colocada é de saber se a impugnação judicial deve ser rejeitada por não ter sido apresentada por uma via legalmente admissível.

I.I. FUNDAMENTAÇÃO

A) FACTOS

Os constantes do relatório, mais os seguintes:
1) A arguida foi notificada através da Segurança Social Direta (área reservada ao arguido) da decisão administrativa que lhe aplicou a coima, constando da notificação datada de 10/02/2022 o seguinte:

“Assunto: Notificação de decisão…
Notificamos que, nos termos e com os fundamentos da decisão, cuja cópia se junta, proferida no âmbito do processo de contraordenação acima referenciado, foi-lhe aplicada uma coima acrescida de custas processuais no montante abaixo indicado, pelo que deverá proceder ao seu pagamento, até à data limite indicada.
Da decisão ora notificada, pode apresentar impugnação judicial no prazo de 20 dias seguidos a contar da data em que recebeu esta notificação, juntando as alegações, conclusões e a indicação dos meios de prova a produzir (art. 33º da Lei 107/2009). Para o efeito, deve enviar a referida documentação através da Segurança Social Direta (SSD) ou pelo correio, para a morada em rodapé…” (negrito nosso).
2) Nos autos eletrónicos consta seguidamente requerimento de impugnação judicial manualmente assinada pelo mandatário da arguida Dr. AA, com aposição de carimbo profissional onde consta o nome do mandatário, NIF, nº de cédula profissional, escritório, telefone e fax.No requerimento é mencionada a junção de procuração, a qual consta seguidamente dos autos com certificação de assinatura digital com chave móvel do representante da arguida, BB, a favor do referido mandatário.
3)A entidade administrativa Segurança Social remeteu os autos aos serviços do Ministério Público, fazendo constar que remete “…o processo bem como recurso de impugnação judicial apresentada por representante legal da ré…”
4) Apresentados os autos, a senhora Juiz a quo proferiu o seguinte despacho liminar:
“Notifique a entidade administrativa para, no prazo de dez dias, juntar:
1.º documento comprovativo da notificação da decisão administrativa à arguida;
2.ºdocumento comprovativo da data de interposição do recurso de impugnação judicial, mais esclarecendo por que modo foi o mesmo enviado.
Notifique a arguida para, no mesmo prazo, juntar ao processo o original do seu articulado ou, querendo, fazer a remessa do mesmo via CITIUS.”

5) Nada tendo respondido a Segurança Social, foi proferido novo despacho insistindo com esta para “…juntar aos autos o original do processo administrativo, sob cominação de condenação em multa, por via confidencial.”
6) A SS veio responder que “….os processos de contraordenação são desmaterializados, sendo apenas impressos quando existe impugnação judicial, pelo que desta forma, não existe original do processo que possa ser remetido por estes serviços para além do que já foi previamente enviado ao Tribunal.”.
7) Foi proferido novo despacho nos seguintes termos:
“Oficie à Segurança Social solicitando que, no prazo de cinco dias, informem o seguinte:
1.º como foi efetuada a notificação de folhas 17;
a) se foi efetuada por carta registada, com aviso de receção, solicite a junção aos autos do respetivo aviso;
b) se foi efetuada eletronicamente, solicite a junção aos autos da cópia do aviso onde conste a menção de que a mensagem foi enviada com sucesso, bem como a data, hora e número de...

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