Acórdão nº 4632/09.3TBMTS.L1-2 de Tribunal da Relação de Lisboa, 13-10-2022

Data de Julgamento13 Outubro 2022
Ano2022
Número Acordão4632/09.3TBMTS.L1-2
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I.
RELATÓRIO.
A presente execução comum, instaurada em 16.07.2009, em que é Exequente SUPER BOCK BEBIDAS, SA., e é Executada MFLIM, SERVIÇOS DE APOIO A CINEMA, PUBLICIDADE E TELEVISÃO, LDA, funda-se em injunção na qual foi aposta a fórmula executória.
No âmbito do Regime Jurídico dos Procedimentos Administrativos de Dissolução e de Liquidação de Entidades Comerciais, aprovado pelo artigo 1.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29.03, em 09.12.2015, a Conservatória do Registo Comercial de Lisboa declarou «a dissolução e o encerramento da liquidação da sociedade» da Executada, facto que se mostra registado naquela Conservatória com data de 14.01.2016, sendo que da mesma data consta igualmente o «cancelamento da matrícula» da Executada.
Notificada do registo da «dissolução e encerramento da liquidação» da Executada, a Exequente veio em 03.06.2019 requerer o prosseguimento da presente execução «contra as requeridas Ana … e Maria…, [sócias da Executada], em substituição da sociedade Executada, ora extinta (…)».
Notificada para informar se conhece bens recebidos pelos sócios liquidatários da Executada, por via da liquidação desta, e, em caso afirmativo, indicá-los, em 24.02.2021 a Exequente veio dizer que «não conhece bens recebidos pelos sócios por via da liquidação da sociedade executada».
Em 20.05.2021 foi solicitado à Conservatória do Registo Comercial «o envio de certidão de todo o procedimento administrativo onde foi proferida» a «decisão» que determinou a «dissolução administrativa» da Executada.
Junta aquela certidão, em 12.12.2021, o Tribunal de 1.ª instância proferiu a seguinte decisão:
«Por decisão de 09/12/2015, proferida no procedimento administrativo n.º 4230/2015, a Conservatória do Registo Comercial de Lisboa declarou a dissolução e encerramento da liquidação da sociedade ora executada, nos termos e para os efeitos dos artigos 11.º e 12.º do RJPADLEC, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março.
Desse procedimento resultou a inexistência de passivo a liquidar, facto que os credores, chamados a intervir, não impugnaram, quer antes da decisão administrativa, pela via da contestação, quer depois dela, por meio de recurso.
Estando assente que não há património social a liquidar, é inútil a pendência da presente execução, que tem precisamente por objecto tal património.
Pelo exposto, nos termos do artigo 277.º, alínea e), do CPC, julgo extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide.
Custas pela exequente (artigo 536.º, n.º 3, primeira parte, do CPC).
Registe e notifique.
Comunique ao AE».
Inconformada com tal decisão, dela recorreu a Exequente, apresentando as seguintes conclusões:
«A. A sentença que declarou a presente instância extinta por inutilidade superveniente da lide nos termos do disposto no art.º 277.º alínea e) do CPC, viola o disposto nos artigos 146.º, n.º 2, 160.º e 162.º, n.º 2 do Código das Sociedades Comerciais e artigos 269.º, n.º 1 alínea a) do CPC.
B. Com efeito, após a extinção da sociedade, com o registo do encerramento da liquidação, a sociedade considera-se substituída pela generalidade dos sócios, sendo estes que têm de ser demandados diretamente, na pessoa dos liquidatários, com vista a efetivar a responsabilidade pelos débitos sociais dentro dos limites consignados no artigo 163.º, n.º 1, do CSC.
C. A dissolução e liquidação da sociedade executada operou pelo mecanismo de dissolução administrativa oficiosa, em que é causa da dissolução a declaração do Conservador do registo comercial em procedimento oficiosamente instaurado por sua iniciativa no cumprimento de um dever funcional – art.ºs 143.º e 5.º alíneas a) e e) do RJPADL
D. A questão a apreciar é a de saber se perante o registo da dissolução e do encerramento da liquidação da executada e da circunstância de no processo da respetiva dissolução administrativa constar a inexistência de ativo e passivo a liquidar, a execução não deveria ter sido declarada extinta por inutilidade (ou impossibilidade) na prossecução da respetiva lide nos termos do art 269.º, n.º 3 do CPC, mas prosseguir contra os sócios daquela sociedade.
E. É inquestionável que os sócios apenas respondem pelo passivo não satisfeito ou acautelado,
até ao montante que receberam em partilha (cfr. artigos 163.º, n.º 1, 197.º, n.º 1, e 271.º do Código das Sociedades Comerciais).
F. Todavia, a jurisprudência tem sido unânime acerca da questão de saber a quem compete o ónus da prova acerca do [não] recebimento de bens na partilha da sociedade, maxime quando a dissolução da sociedade tenha ocorrido no âmbito do procedimento administrativo de dissolução e de liquidação de entidades comerciais, situação em que nem chega a ocorrer uma fase de liquidação do ativo
G. Ocorrendo a substituição automática da sociedade executada entretanto extinta pelos liquidatários ou, no caso de a dissolução ter resultado do procedimento de extinção imediata consagrado no RJPADL, os membros do anterior órgão de administração, uma vez demandados aqueles ou estes pelos credores ao abrigo do artigo 163.º do Código das Sociedades Comerciais para pagamento do passivo superveniente, cabe a uns ou aos outros, provar, através de outros meios que não a declaração referente à inexistência de activo e de passivo, que nada receberem na partilha.
H. Sendo necessário, para que os sócios possam responder, que o credor alegue e prove que aqueles obtiveram bens da sociedade resultantes da partilha do seu património, tal significa que é “…necessário provar que a sociedade tinha bens e que esses bens foram partilhados pelos sócios: tratam-se de factos constitutivos do direito do Autor à reparação por parte dos antigos sócios da sociedade.”
I. Importa salientar que esta dissolução administrativa determinada pelo conservador ”veio
substituir por princípio a dissolução voluntaria determinada pelo tribunal – a anteriormente denominada dissolução judicial (diferida), prevista na red anterior dos arts 142º/1 e 144º: esta “desjudicialização” (e correspondente substituição da competência do juiz por um conjunto de poderes atribuídos ao conservador) foi justamente a principal novidade da reforma societária de 2006 (DL 76-A/2006)”.
J. Ora um dos pressupostos para a utilização deste procedimento é o da inexistência, quer de ativo, quer
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