Acórdão nº 462/20.0T8PBL-A.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2022-12-13

Ano2022
Número Acordão462/20.0T8PBL-A.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DE POMBAL DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA)

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]

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1 – RELATÓRIO

Nos presentes autos de inventário facultativo para partilha de bens subsequente a divórcio de AA e BB, foi deferida a realização de uma avaliação a todos os bens imóveis e móveis que compõem o acervo a partilhar, avaliação essa a ser realizada por um único perito, CC, nomeado pela Exma. Juíza de 1ª instância, sendo certo que nenhuma das partes requereu que a perícia fosse colegial.

No Relatório da avaliação apresentado por este Exmo. Perito, o mesmo consignou, relativamente ao bem imóvel, que a mesma tinha «(…) por objeto a determinação do presumível valor de mercado para a MÁXIMA E MELHOR UTILIZAÇÃO do imóvel já identificado, tendo em consideração a localização do mesmo, acessos, potencialidades edificativas, características construtivas, tipológicas e caracterização da realidade urbana envolvente, bem como o estado de conservação», sendo que o método a utilizar para a determinação do correspondente valor seria o “Método Comparativo de Mercado / Prospeção”, o qual foi definido como consistindo em «(…) relacionar o valor de um imóvel com os dados relativos à transação de propriedades com características semelhantes ou comparáveis, obtidos através do conhecimento do mercado ou de prospeção efetuada no local onde se situa o imóvel. O uso deste método no presente estudo de avaliação serviu como parâmetro referencial por utilizar os dados diretamente recolhidos do mercado, segundo critérios de homogeneidade, proporcionando um carácter objetivo e indicador dos valores de avaliação», sucedendo que, elaborando a essa luz nos termos tidos por convenientes, e que aqui se dão por reproduzidos, veio a atribuir ao imóvel o valor de € 144.000,00; já quanto aos bens móveis, consignou que a avaliação se fundamentava «(…) em métodos baseados no conhecimento do perito para encontrar o valor real do bem no seu estado atual à data de referência da vistoria, encontrando o valor mais provável pela qual a transação deve ser concretizada. Na presente avaliação dos bens móveis, foi considerado o estado aparente dos bens avaliados, o desgaste ou perda de utilidade por uso ou obsolescência», ademais se referindo que era pressuposto assumido a “Consulta e prospeção no mercado em plataformas de venda de bens móveis usados[2], sucedendo que, elaborando a essa luz nos termos tidos por convenientes, e que aqui se dão por reproduzidos, veio a atribuir aos móveis, sem prejuízo dos valores parcelares discriminados, o valor total de € 2.050,00.

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Por requerimento entrado nos autos em 16.03.2022, a interessada BB disse vir apresentar a sua “reclamação” ao mesmo, o que fez sustentando a sua discordância quanto aos métodos/critérios de avaliação seguidos pelo Exmo. Perito, requerimento esse que concluiu pedindo que fosse ordenada a «(...) realização de segunda avaliação dos bens a partilhar.»

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Apreciando um tal requerimento, a Exma. Juíza de 1ª instância proferiu a seguinte decisão:

«Ref. ...69: a interessada BB veio reclamar do relatório pericial junto aos autos e requerer a realização de segunda perícia, afirmando não concordar com o método adotado pelo Senhor Perito.

Ora, visto o teor do relatório pericial, não resulta que o mesmo padeça de qualquer deficiência, obscuridade ou contradição no relatório, encontrando-se o mesmo fundamentado.

Não se verificando qualquer dos casos previstos no artigo 485.º do Código de Processo Civil, , indefere-se a reclamação apresentada, bem como a realização de segunda perícia requerida.»

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Inconformada com esta decisão, dela interpôs recurso a referida interessada BB, a qual finalizou as suas alegações com as seguintes conclusões:
«1 – O ora Apelante recorre da decisão do Tribunal a quo, proferida por despacho, que indeferiu a reclamação apresentada e a realização de segunda perícia, oportuna e atempadamente requerida pela ora Apelante.
2 – Da decisão de que se recorre consta o seguinte: “Ref. ...69: a interessada BB veio reclamar do relatório pericial junto aos autos e requerer a realização de segunda perícia, afirmando não concordar com o método adotado pelo Senhor Perito. Ora, visto o teor do relatório pericial, não resulta que o mesmo padeça de qualquer deficiência, obscuridade ou contradição no relatório, encontrando-se o mesmo fundamentado. Não se verificando qualquer dos casos previstos no artigo 485.º do Código de Processo Civil, indefere-se a reclamação apresentada, bem como a realização de segunda perícia requerida.”
3 – A interessada BB na reclamação que apresentou não reclamou quanto à escolha do método adoptado pelo Sr. Perito, como referido no despacho de que se recorre;
4 – O que a interessada veio afirmar é que o método utilizado pelo Sr. Perito não cabe na definição de método de comparação de mercado, porque a comparação não foi feita com imóveis e bens semelhantes aos bens a avaliar, nem se baseou no valor de transação, mas no valor de anuncio de venda, tratando-se o método utilizado de um método não reconhecido internacionalmente, nem pela CMVM, configurando por isso método ilegal.
5 – Da decisão proferida resulta que o Tribunal a quo não analisou as razões apontadas pela interessada BB para discordar do resultado da primeira perícia, nem verificou se os motivos apontados se mostram objetivamente aptos para que na segunda perícia resulte o apuramento de valores diferentes.
6 – A decisão de que se recorre, padece de falta de fundamentação, de facto e de direito, quanto ao motivo pelo qual não se admite a realização da segunda perícia, devendo por isso ser considerada nula, nos termos do disposto no artigo 615.º n.º1 b) do CPC, por violar o disposto no artigo 154.º do CPC, que resulta do dever constitucionalmente consagrado no artigo 205.º da Lei Fundamental.
7 – Deveria o Tribunal a quo ter admitido a realização da segunda perícia requerida pela interessada BB, com a qual se visava o apurado do real valor de mercado dos bens a avaliar.
8 – Dispõe o artigo 487.º n.º 1 do Cód. Proc. Civil que “ Qualquer das partes pode requerer que se proceda a segunda perícia, no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado”.
9 – A interessada BB requereu a realização de segunda perícia, em tempo e fundamentou devidamente as razões da sua discordância, baseando-se em fundamentos sérios, o que fez de forma clara e explicita, indicando ao Tribunal a quo as deficiências que detectou, relativas à insuficiência, incoerência e incorreção da peritagem.
10 - A consagração de realização de uma segunda perícia visa possibilitar a dissipação das concretas dúvidas sérias que possam decorrer da primeira perícia relativas a questões concretas que possam conduzir a um resultado diferente do alcançado na primeira perícia.
11 – A benfeitoria a avaliar é manifestamente diferente das moradias que o Sr. Perito usou para fazer a comparação, já que algumas destas moradias, quase todas, se podem considerar de luxo e outras têm espaços destinados a comércio, o que as torna mais valiosas e a benfeitoria é um imóvel modesto, destinado apenas a habitação.
12 – Os bens móveis a avaliar são também bem diferentes de alguns dos bens móveis escolhidos pelo Sr. Perito para fazer a comparação, seja devido à marca do fabricante ou às condições de conservação em que se encontram.
13 – O facto do Sr. Perito ter apurado o valor dos bens a avaliar por comparação com bens que não lhes são semelhantes e baseando-se nos valores anunciados para a venda, afigura-se só por si suficiente para que sejam criadas sérias dúvidas quanto à correção da peritagem efetuada.
14 – Além disto, afigura-se como aleatória a aplicação de 15% para depreciação da benfeitoria, já que se trata de imóvel sem ligação ao saneamento público, à água à rede pública ou à rede elétrica, o mesmo se afirmando quanto ao valor atribuído aos anexos exteriores, nada constando do relatório que esclareça como foi alcançado tal valor.
15 – O Tribunal a quo ao indeferir a realização da segunda perícia requerida pela interessada BB, proferiu decisão ilegal, pois a peritagem admitida nos autos padece de graves erros e deficiências, que foram devidamente apontados na reclamação apresentada, devendo ser admitida a realização da segunda perícia de modo a colmatar as deficiências da primeira perícia.
16 – A realização de perícia para avaliação de bens, pressupõe que o perito para a obtenção dos valores, faça uso de conhecimentos especiais que os julgadores não possuam.
17 - Não se afigura que a peritagem junta aos autos se mostre dotada desse cariz técnico, já que, por um lado, os valores apurados são obtidos pela mera consideração da média aritmética dos...

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