Acórdão nº 4598/22.4T9AVR.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-07-12

Ano2023
Número Acordão4598/22.4T9AVR.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. N.º 4598/22.4T9AVR.P1




Acordam, em conferência, na Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
*
1. RELATÓRIO

O Diretor Geral da Autoridade Marítima (DGRM) aplicou ao arguido AA, a coima de coima de €300,00 (trezentos euros), pela prática da contraordenação prevista e sancionada pelas disposições conjugadas contidas no artigo 35.º, nº 1, 39.º e na alínea m) do n.º 2 do artigo 54.º do Decreto-lei n.º 93/2018, de 13 de Novembro.

Notificado da decisão administrativa, o arguido apresentou impugnação judicial, ao abrigo do disposto no art. 59º do DL 433/82, de 27/10.

Distribuídos os autos ao Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, do Juízo Local Criminal de Aveiro - Juiz ..., com o nº 4598/22.4T9AVR, o recurso foi admitido por despacho proferido em 10.01.2023, e julgando-se desnecessária a realização da audiência de julgamento, sem oposição do arguido e Ministério Público, foi proferida decisão em 02.03.2023 que julgou improcedente a impugnação deduzida pelo arguido/recorrente AA, na sequência do que foi integralmente mantida a sobredita decisão administrativa.

Desta decisão recorreu o arguido AA para este Tribunal da Relação do Porto, apresentando na síntese das razões da sua discordância as seguintes conclusões:

A) OBJECTO E DELIMITAÇÃO DO RECURSO
I. O presente recurso tem por objecto toda a matéria de direito da sentença proferida nos autos e versa sobre a nulidade da decisão por omissão de pronúncia, a prescrição do procedimento de contraordenação e o erro na aplicação de direito.
B) DA NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA
II. O Arguido impugnou judicialmente decisão proferida pelo director Geral da Autoridade Marítima, que o condenou no pagamento de uma coima de €300,00 (trezentos euros).
III. Da referida impugnação judicial, de cuja decisão ora se recorre, constava um requerimento de prova que se reputava de fundamental para a descoberta da verdade material.
IV. No dia 10-01-2023 a Meritíssima Juiz a quo pronunciou-se relativamente ao referido requerimento probatório nos seguintes termos: “Após me pronunciarei quanto à diligência de prova requerida na impugnação judicial”.
V. Sucede porém que, prolatada a sentença, não ouve qualquer pronúncia relativamente ao referido requerimento probatório, nem foi a diligência requerida realizada,
VI. padecendo a douta decisão do vício de nulidade por omissão de pronúncia,
VII. nulidade esta que ora expressamente se invoca para os devidos e legais efeitos.
C) DA PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO DE CONTRAORDENAÇÃO
VIII. O procedimento contraordenacional relativo ao ilícito alegadamente praticado pelo Arguido - por ser punível com coima de €300,00 a €3.000,00 - extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática da contraordenação haja decorrido o prazo de um ano, sem prejuízo do referido prazo ser objecto de suspensão e/ou interrupção, nos termos do disposto no artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro.
IX. Contudo, dispõe o n.º 3 do artigo 28.º do mesmo diploma legal que “a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade”, pelo que,
X. tendo já decorrido mais de 18 meses desde a data alegada prática da contraordenação, dia 11 de setembro de 2021, o procedimento encontra-se prescrito, prescrição esta que expressamente se invoca para os devidos e legais efeitos.
D) DO ERRO NA APLICAÇÃO DO DIREITO
XI.O Arguido impugnou judicialmente decisão administrativa que lhe aplicou uma coima de €300,00 (trezentos euros) e custas no valor de €17,00 (dezassete euros), por alegadamente ter violado o disposto no artigo 35.º do Decreto-Lei 93/2018, de 13 de novembro.
XII. Sucede porém que, no momento da f‌iscalização conduzida pelas autoridades marítimas, o Arguido fazia-se acompanhar de uma “Licencia de Navegación” que o permitia operar a embarcação em causa, nas circunstâncias em que o fazia - a menos de 2 milhas de porto, marina ou lugar de abrigo - o que as autoridades não põem em crise.
XIII. Defendem, contudo, as autoridades marítimas que, embora a referida licença de navegação permita o governo de embarcações daquelas características e naquelas circunstâncias, no vizinho Reino de Espanha,
XIV. em Portugal - embora disponha o artigo 39.º, nos seus n.os 1 e 2 que “as cartas de navegador de recreio ou os documentos equivalentes emitidos pelas administrações dos Estados-membros da UE são automaticamente reconhecidos em Portugal, nos termos e para os efeitos do presente decreto-lei” e que “os reconhecimentos (…) não carecem da emissão da correspondente carta de navegador de recreio nacional” - aquele titulo em particular não é válido por não existir no país categoria paralela.
XV. Contudo, salvo melhor entendimento e com o devido respeito, que é muito, o tribunal a quo errou, ao sufragar o supra referido entendimento das autoridades marítimas.
XVI. Não há qualquer norma legal que determine que o reconhecimento automático daqueles títulos habilitantes f‌ique dependente da existência de “categoria paralela, em termos de segurança exigível para as embarcações, seus tripulante e ocupantes nem em termos de conteúdos programáticos”, como se defende na referida circular e foi entendimento sufragado pelo tribunal a quo.
XVII. Não se pode de forma nenhuma defender que “a autoridade administrativa se fundou, na decisão posta em crise, na letra da lei”, quando o que da letra da lei se regra é que as cartas de navegador de recreio e os documentos equivalentes emitidos pelos Estados-Membros têm que ser automaticamente reconhecidos em Portugal.
XVIII. A interpretação das normas em causa, seja literal ou teleológica, tendo em conta o esforço de uniformização e/ou reconhecimento mútuo de direitos entre os Estados-Membros, nunca poderia ir em sentido diverso do reconhecimento automático.
XIX. Ademais, se o objectivo da norma fosse diverso, não fazia sentido ser autonomizada, quando já há normas, direccionadas aos títulos emitidos por países terceiros, que vão, essas sim, no sentido que as autoridades marítimas dali querem ver retirado.
XX. Não há qualquer dúvida que a interpretação da norma que a DGRM advoga e que foi sufragada pelo tribunal a quo, de que o titulo detido pelo Arguido não é valido em território nacional, não tem qualquer tipo de respaldo legal, sendo a decisão proferida por aquela entidade administrativa nula por falta de fundamento e precedência normativa e, nessa medida, violadora do principio da legalidade.
XXI. Encontrando-se o Arguido munido de uma licença de navegação válida, da qual é titular, emitida por Estado-Membro da União Europeia e determinando a regulamentação nacional relativa a esta actividade que “as cartas de navegador de recreio ou os documentos equivalentes emitidos pelas administrações dos Estados-membros da UE são automaticamente reconhecidos em Portugal” e que “os reconhecimentos (…) não carecem da emissão da correspondente carta de navegador de recreio nacional”, não praticou o qualquer infracção,
XXII. devendo a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que declare que o Arguido se encontrava devidamente habilitado para operar a embarcação que governava e determine o correspondente arquivamento dos autos de contraordenação.
Termos em que e nos demais de direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Ex.as, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser a sentença ora recorrida declarada nula por omissão de pronúncia e o procedimento contraordenacional declarado extinto por força da prescrição ou, assim não se entendendo, ser a decisão de condenação do Arguido revogada e o procedimento contraordenacional arquivado por violação do princípio da legalidade, assim se fazendo a habitual e necessária J U S T I Ç A!


Por despacho proferido em 21.03.2023 foi o recurso regularmente admitido para subir nos próprios autos, de imediato e com efeito suspensivo.


O Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal a quo apresentou resposta ao recurso, pugnando pela adequação da sentença proferida que, assim, entende dever ser mantida “… nos precisos termos em que foi proferida”.

Já neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto formula parecer no sentido de que o recurso interposto pelo arguido AA merecerá provimento, assim devendo ser revogada a decisão recorrida, determinando-se o subsequente arquivamento dos autos, porquanto a norma (constante do artigo 39.º do D.L. n.º 93/2018, de 13 de Novembro) objecto de “interpretação” por parte da entidade administrativa é uma norma cristalinamente impositiva, não concedendo qualquer margem de liberdade ao respectivo intérprete/aplicador, pois que traduz, de forma claríssima, uma assumida opção do legislador nacional em tratar de forma distinta os titulares de documentos emitidos por Estados membros da EU que são, de imediato, reconhecidos como sendo válidos em Portugal, e os titulares de documentos emitidos por Estados terceiros, os quais ficam dependentes do respectivo (e eventual) reconhecimento pela DGRM.

Notificado deste parecer, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, o recorrente nada mais aduziu.

Procedeu-se a exame preliminar e foram colhidos os vistos, após o que o processo foi à conferência, cumprindo apreciar e decidir.


2. FUNDAMENTAÇÃO

Nos do art. 75º nº 1 do DL nº 433/82, de 27/10, nos processos de contraordenação a segunda instância apenas conhece da matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões. Isto é, este Tribunal funcionará, no caso, como tribunal de revista, estando o seu âmbito de conhecimento limitado ao reexame da matéria de direito.
Isso não o impede, e até se lhe impõe, que conheça dos vícios referidos no art. 410º, nº 2 do Código de Processo Penal, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT