Acórdão nº 457/22.9T8VLG.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-12-14

Data de Julgamento14 Dezembro 2022
Ano2022
Número Acordão457/22.9T8VLG.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Apelação nº 457/22.9T8VLG.P1
Processo da 5ª secção do Tribunal da Relação do Porto (3ª Secção cível)

Tribunal de origem do recurso: Juízo de Execução de Valongo - Juiz 2

Relatora: Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha
1º Adjunto: AA
2º Adjunto: BB


Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto


Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):
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I. RELATÓRIO

Recorrente: CC
Recorridas: DD e EE

CC deduziu a presente ação executiva para pagamento de quantia certa contra DD e EE dando à execução o contrato de arrendamento celebrado entre si, em 1 de março de 2018, acompanhado das comunicações enviadas às executadas em 28 de dezembro de 2021, dando-lhes conta de que estavam em dívida as rendas respeitantes aos meses de julho a outubro de 2021, no valor de €1.500,00.
Para além do referido valor de €1.500,00, reclama o pagamento de juros vencidos no valor de €6,08, €25,50 respeitante à taxa de justiça paga com a interposição da presente execução e €200,00 que diz respeitar a “Outras quantias”.
Proferido despacho de indeferimento liminar do requerimento executivo a rejeitar a execução ao abrigo do disposto nos arts. 726º, nº2, al. a) e nº5 do CPC, dele se apresentou a exequente a interpor recurso de Apelação, pugnando por que seja revogada a decisão e substituída por outra que ordene o regular prosseguimento dos autos até final, formulando as seguintes
CONCLUSÕES:
1 – O douto despacho de que ora se recorre rejeitou a presente execução, por falta ou insuficiência do título executivo (mais concretamente, inexistência de título executivo, ao abrigo do artigo 726º, nº 2, alínea a) e nº 5 do CPC), entendendo a M.M a quo que a comunicação do montante em dívida a que se refere o artigo 14º- A do NRAU tinha de ser feita através de carta registada com aviso de receção, por aplicação dos artigos 9º e 10º do citado diploma legal, e não apenas sob registo simples (como fez a Recorrente).
2 – Entendeu ainda a M.M. Juiz a quo que, mesmo que as comunicações tivessem sido efetuadas por carta registada com aviso de receção, nunca constituiriam título executivo contra a fiadora da arrendatária (Recorrida EE).
3 – Ora, começando por analisar o primeiro quesito, somos do entendimento de que as regras contidas no artigo 9º e 10º para a comunicação entre senhorio e inquilino não se aplica à situação contemplada no artigo 14º- A do NRAU, na medida em que, como expressamente se refere naquele primeiro normativo, as exigências de forma aí previstas apenas se aplicam às comunicações que digam respeito a cessação do contrato de arrendamento, atualização de rendas e obras, sendo certo que a comunicação que integra o título executivo aqui em causa não se enquadra em nenhuma dessas categorias.
4 – Estribamos a nossa posição nos ensinamentos de Maria Olinda Garcia, segundo a qual “este preceito disciplina as comunicações entre as partes em matéria de atualização de rendas, obras e extinção do contrato, tendo o modo de comunicação do seu n.º 7 um âmbito de aplicação limitado, valendo apenas para os casos de resolução do contrato, nos termos do artigo 1084.º, n.º 1 do CC, motivada por especiais razões de certeza e segurança inerentes a uma comunicação destinada a receber o contrato”. [in A Nova Disciplina Do Arrendamento Urbano, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 2006, a págs. 93 e 94]
5 – Sendo que este entendimento também tem sido pugnado pelos nossos tribunais, nomeadamente no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Processo nº 643/11.7TBTND-A.C1, cujo Relator foi Arlindo Oliveira, datado de 05/02/2013, que nos refere o seguinte: “(…) apenas é de exigir que tal comunicação se encontre comprovada, por qualquer meio, desde que suficiente para atingir tal desiderato – comprovação de que ao arrendatário foi feita a comunicação com indicação/especificação dos montantes em dívida. (…) Daqui resulta que o senhorio pode escolher o meio de efectuar a comunicação em causa (…).” [negrito e sublinhado nossos]
6 – Ainda, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo nº 6298/13.7TBVFX.L1-6, cujo Relator foi Ana Paula Carvalho, datado de 26/09/2019, que nos refere o seguinte: “(…) o título executivo para pagamento de rendas, encargos ou despesas criado no artigo 14º-A do N.R.A.U. se insere numa outra seção, própria e autónoma, em que inexiste qualquer tipo de remissão para as disposições gerais relativas à forma e vicissitudes das comunicações feitas entre o senhorio e o arrendatário”. [negrito e sublinhado nossos]
7 – Desta forma, podemos concluir que, com o envio da comunicação através de carta registada, se mostram respeitados os requisitos legalmente exigidos para que tal comunicação feita pela Recorrente às Recorridas, acompanhada do respetivo contrato de arrendamento, se possa considerar como título executivo, para efeitos do disposto no artigo 14º- A do NRAU.
8 – Sendo ainda de realçar que, o envio das missivas mais não passou do que o cumprimento dos formalismos legais, uma vez que, tendo as partes encetado negociações no sentido de celebração de um acordo extrajudicial para resolução desta questão, através das respetivas Mandatárias, está mais do que demonstrado que as Recorridas tinham perfeito conhecimento dos montantes em dívida relativos a rendas.
9 – Quanto à questão de saber se o título executivo previsto no artigo 14º- A do NRAU também se constitui contra a fiadora, a resposta da jurisprudência maioritária vai no sentido afirmativo – entendimento que perfilhamos na íntegra; a título meramente exemplificativo, e em abono da posição sustentada, indicamos os seguintes Acórdãos:
10 – Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo nº 1358/07.6YYPRT- B.P1, cujo Relator foi Guerra Banha, datado de 12/05/2009, que nos refere o seguinte: “I - O contrato de arrendamento acompanhado do comprovativo da comunicação feita ao arrendatário do montante das rendas em dívida, a que alude o n.° 2 do art. 15.º do NRAU, constitui título executivo não só em relação aos arrendatários mas também em relação às pessoas que no dito contrato tenham assumido a obrigação de fiadores.” [negrito e sublinhado nossos]
11 – Acresce, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo nº 8676/09.7TBMAI-A.P1, cujo Relator foi Anabela Dias da Silva, datado de 21-03-2013,que nos refere o seguinte: “O contrato de arrendamento e comprovativo da comunicação ao arrendatário do montante das rendas em dívida constituem título executivo tanto contra o arrendatário como contra os seus fiadores”.
12 – Ainda, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo nº 6298/13.7TBVFX.L1-6, cujo Relator foi Ana Paula Carvalho, datado de 26/09/2019, que nos elucida do seguinte: “O título executivo complexo formado nos termos do artigo 14º-A do NRAU abrange não apenas o arrendatário, mas também o fiador (…)”.
13 – Mais, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo nº 15962/17.0T8LSB-A.L1-7, cujo Relator foi Cristina Coelho, datado de 12/03/2019, que refere o seguinte: “O título executivo complexo formado nos termos do art. 14º-A do NRAU abrange, não apenas o arrendatário, mas também o fiador.”
14 – Reforçando a nossa posição, podemos ver o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo nº 5356/12.0TBVFX-B.L1-7, cujo Relator foi Luís Espirito Santo, datado de 07-06-2016, que nos refere o seguinte: “O título executivo complexo formado ao abrigo do artigo 14º-A, do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), aprovado pela Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, com o aditamento resultante da Lei nº 31/2012, de 14 de Agosto (bem como o previsto no antecedente artigo 15º, nº 2 do mesmo diploma legal), abrange o fiador do arrendatário que teve intervenção pessoal no contrato de arrendamento sub judice, subscrevendo-o, e ao qual foi devidamente comunicado o montante da dívida relativamente às rendas vencidas e não pagas pelo arrendatário.”
15 – Aqui chegados, podemos concluir que, não só a Recorrente possui título executivo bastante que lhe permite sustentar a execução para pagamento da quantia reclamada, composto pelo contrato de arrendamento e pelo comprovativo de comunicação do montante em dívida, ao abrigo do disposto no artigo 14º-A do NRAU, como tal título também se formou contra a fiadora.
16 – Existiu, por isso, uma errada interpretação dos artigos 9º, 10º, 14º- A, todos no NRAU (Lei 6/2006, de 27 de fevereiro), quando o Tribunal a quo considerou inexistir título executivo que sustentasse a presente execução, pelo facto de a comunicação junta aos autos ter sido feita sob registo simples, e não mediante carta registada com aviso de receção, e bem assim quando entendeu que o título em causa não se formou também contra a fiadora da arrendatária.
17 – Devendo assim o Venerando Tribunal da Relação, revogar o despacho ora recorrido, substituindo-o por outro que ordene o regular prosseguimento dos autos até final.
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Não se apresentaram as recorridas a responder.
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Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.
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II. FUNDAMENTOS

- OBJETO DO RECURSO
Apontemos as questões objeto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações da recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Assim, a questão a decidir é, tão só, a seguinte:
- Da existência de título executivo (composto por contrato de arrendamento e comprovativos de comunicação às devedoras - arrendatária e fiadora - do montante em dívida - artigos 53.º, n.º 1, 703.º, n.º 1, al. d), do CPC e artigo 14.º-A, n.º 1, do NRAU) e da falta de fundamento de indeferimento liminar.
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II.A – FUNDAMENTAÇÃO
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