Acórdão nº 456/21.8T8SCD.C1-A de Tribunal da Relação de Coimbra, 2023-11-21

Ano2023
Número Acordão456/21.8T8SCD.C1-A
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (RRELAÇÃO DE COIMBRA - 2ª SECÇÃO)
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

***

I – Relatório

O Ministério Público (doravante, M.º P.º) veio, ao abrigo dos art.ºs 1.º, 3.º, 4.º e 5.º da Convenção de Haia de 1980, e 8.º, 9.º, 10.º e 11.º do Regulamento (CE) nº 2201/2003, do Conselho de 27 de novembro de 2003, sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças, transmitir o pedido urgente de regresso formulado pelas autoridades francesas,

relativamente ao menor AA, nascido em .../.../2019, filho de BB e da Requerida CC, ambos estes com os sinais dos autos,

pedindo nos seguintes moldes:

«1. Considerar o pedido de regresso da criança AA, transmitido pela Autoridade Central da França;

2. Determinar a inserção dos dados do menor no Sistema de Informação Schengen, por forma a evitar a deslocação da criança para Estado Terceiro;

3. Determinar a inquirição da mãe da criança, tendo, nomeadamente, em vista a eventual obtenção de acordo quanto ao eventual regresso da criança a França.».

Alegou, para tanto, que:

- a criança sempre viveu com ambos os pais em França até à separação dos mesmos, em 28/04/2021, e, após tal data, por acordo extrajudicial entre os pais, o menor AA passou a residir alternadamente com os progenitores, ainda em França;

- porém, em 05/08/2021 a Requerida mãe decidiu viajar para Portugal com a criança, com o objetivo de aqui fixar residência, não tendo o pai prestado autorização para tal, pelo que este formulou pedido de regresso do menor junto da autoridade central francesa competente.

A Requerida, citada para alegar o que tivesse por conveniente, veio declarar a sua oposição ao regresso da criança a França, pugnando pela rejeição do pedido e oferecendo prova testemunhal.

Alegou, no essencial:

- inexistir retenção ilícita, sendo dela o exercício exclusivo das responsabilidades parentais, com o consentimento prévio do pai do menor, o qual nunca teve a guarda do filho;

- ser de ponderar o superior interesse do menor, que torna desaconselhável o seu regresso a França, sendo a mãe a figura afetiva de referência e encontrando-se em Portugal toda a família alargada, enquanto o pai se revelou uma pessoa fria, distante e indiferente à presença e necessidades do filho, não tendo contribuído para o seu sustento, razão pela qual a Requerida se viu forçada a regressar a Portugal, onde conta com a ajuda de familiares.

Procedeu-se à audição pessoal da Requerida (mediante declarações de parte) e inquirição das testemunhas por si arroladas, não tendo o menor sido ouvido, atenta a sua idade ([1]).

Considerando-se não ser necessária a realização de quaisquer outras diligências, foi depois proferida sentença (datada de 05/01/2022), com o seguinte dispositivo:

«Face ao exposto, julga-se procedente a presente acção e, em consequência, determina-se o regresso da criança AA a França, devendo a mesma ser entregue ao pai BB.».

Interpôs a Requerida, inconformada, recurso de apelação, o qual foi, por acórdão deste Tribunal da Relação (doravante, TRC), datado de 26/04/2022, julgado totalmente improcedente, com trânsito em julgado, mantendo-se, por isso, a decisão recorrida.

A Requerida mãe veio então interpor o presente recurso de revisão, oferecendo alegação e as seguintes

Conclusões ([2]):

«1. O processo tutelar cível encontra-se regulado pelo regime geral do processo tutelar comum publicado pela Lei 141/2015, de 08.09.2015, sucedendo que a norma constante do artigo 33º do referido diploma legal determina ser subsidiariamente aplicável, a tudo quanto não se encontre regulado, as regras do processo civil, no que não contrarie os fins da jurisdição de menores.

2. O regime do processo tutelar cível não contém qualquer norma que preveja e estatuia sobre a forma de sindicar a legalidade e justiça das decisões judiciais proferidas, mormente, sob a forma de recurso de revisão;

3. Pelo que, in casu, deverá considerar-se concretamente aplicável o regime previsto pelo artigo 696º, alínea c) do CPC;

4. Porquanto, tal regime não contraria os fins da jurisdição de menores.

5. Sob o conceito e definição de documento, deverá considerar-se o previsto e estatuído pelo artigo 362º do CC;

6. Considerando documentos válidos para apreciação do presente recurso, a carta subscrita pela Sra. DD, o depoimento escrito por si prestado nos autos de processo de jurisdição de menores a correr termos no Julgado de Menores de Versalhes – Paris – França e ainda, o documento constitutivo da rescisão do contrato de trabalho operada entre o Sr. BB e a Sra. EE, pessoa que era ama do menor AA, em julho de 2021 e a Declaração e “atestação” outorgadas pelo Sr. BB, no dia 05/08/2022;

7. A Recorrente apenas acedeu aos documentos que pretende juntar aos autos (depoimento escrito e documento comprovativo da rescisão do contrato de trabalho), no dia 11 de agosto de 2022;

8. Bem como acedeu à declaração e “atestação” outorgadas pelo Sr. BB em 08/09/2022;

9. Sucedendo que acedera aos referidos documentos quando se encontrava em França, tendo regressado a Portugal, respetivamente, nos dias 13/08/2022 e 09/09/2022;

10. Donde resulta que a Recorrente apenas pode exercer o direito de apresentar o presnete recurso após o dia 14/08/2022;

11. Em face do que, deverá considerar-se que o prazo de caducidade para a apresnetação do presente recurso, com fundamento nos documentos cuja posse a Recorrente adquiriu em 11/08/2022, se iniciara no dia 14/08/2022;

12. Estando asism em tempo a apresnetação do presnete recurso, nos termos e para os efeitos dos artigos 697º do Código de Processo Civil e 329º / 2 do Código Civil.

13. Os documentos ora oferecidos aos autos, deverão ser considerados adequados a instruir e promover o provimento do presente recurso;

14. Sucedendo que assumem a condição ou o caracter de relevância e novidade, porquanto:

15. A Recorrente apenas acedeu aos referidos documentos das datas descritas supra, e desta forma, não os pode utilizar aquando do exercício do seu direito de defesa, em sede de primeira instância;

16. Bem como são relevantes, por permitirem formar uma convicção diferente da postulada nas decisões ora postas em crise, impondo a sua revogação.

17. Conforme se infere do teor do depoimento e carta subscritos pela Sra. DD, o Sr. BB, aqui Recorrido, nunca se opôs à deslocação do menor para Portugal para aí residir com a Recorrente outrossim, consentiu e concordou com tal deslocação;

18. Facto cuja prova se deverá considerar secundada pelo documento constitutivo da relação de trabalho operada entre o Sr. BB e a Sra. EE;

19. Pois que, se o mesmo não tivesse consentido e concordado com a deslocação do menor, nada justificaria que o mesmo promovesse a resolução do contrato de trabalho com a ama do menor.

20. Por seu lado, a Declaração outorgada pelo Sr. BB em 05/08/2021, demonstra de forma inequivoca que existiu entre si e a Recorrente, um acordo quanto à resolução de todos os assuntos que ambos mantinham em comum;

21. Acordo que versava quer sobre a guarda e a fixação da residencia do menor, quer sobre a partilha dos bens que ambos detinham em comum.

22. Por seu lado, tal declaração permite concluir, quer quanto à convicção e confiança da Recorrente para fixar a residencia do menor em Portugal na sua companhia;

23. Pois que, sendo certo que não aceitava dispor da guarda do menor, nada justificava que aceitasse abrir mão do seu direito de propriedade naquele apartamento, sem que se encontrasse convicta quanto à aceitação, pelo Recorrido, da fixação da residência do menor em Portugal.

24. Por seu lado, se tal acordo (fixação da residência do menor em portugal inexistisse) não tivesse efectivamente sido celebrado entre a Recorrente e o Recorrido, nada justificaria que o Recorrido BB tivesse, no dia 05/08/2021, outorgado “atestação” mediante a qual impunha o reconhecimento do seu direito a ferias na companhia do menor, em Portugal, no periodo compreendido entre 18/08/2021 e 31/08/2021;

25. Pois que, se não concordasse com a fixação da residencia do menor em Portugal, nada justificaria que fosse cauteloso em garantir para si, o gozo de um periodo de férias, na companhia do menor…

26. Por seu lado, considerando o teor do SMS expedido pelo Recorrido à Recorrente no dia 24/07/2021, na qual afirma “falei com o meu patrão e como vais para Portugal definitivamente quinta ou sexta-feira eu fico em casa esta semana e guardo o menino”, impõe-se igualmente considerar que o mesmo concordou com a decisão de fixar a residência do menor em Portugal.

27. Ora, o teor do SMS descrito supra, quando seja compulsado em conjunto com o teor dos documentos que instruem o presente recurso, permite formar a convicção da concordância do Recorrido com a decisão tomada pela Recorrente, porquanto:

28. Se por um lado não manifesta qualquer desagrado ou oposição à decisão da Recorrente, por outro lado, ainda assume que guardará o menor durante a semana que antecede a viagem para Portugal;

29. Ato configura a intenção de se despedir do menor e aproveitar com o mesmo, o período de tempo em que o mesmo permaneceria em França;

30. Não sendo daqui possível extrair qualquer oposição à decisão de fixar a residência do menor em Portugal.

31. Denote-se, a propósito, que o Recorrido, em toda a marcha processual concretamente ocorrida nos autos, nunca demonstrou de forma expressa e inequívoca, ter em algum momento expressado a sua não concordância com a deslocação do menor para Portugal;

32. Tendo a Recorrente admitido que apenas recebera uma mensagem SMS do Recorrido, já no decurso da sua viagem para Portugal e quando já não dispunha de quaisquer meios para permanecer em França, sugerindo tal falta de concordância;

33. SMS que, ainda que não se tenha apurado concretamente o seu teor e conteúdo, no sentido de se demonstrar se o Recorrido, de forma expressa e inequívoca, referiu não autorizar que o menor viajasse para Portugal, cremos que apenas servira a sua intenção já demonstrada pelo...

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