Acórdão nº 448/19.7GBOAZ.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-10-11

Ano2023
Número Acordão448/19.7GBOAZ.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo n º 448/19.7GBOAZ.P1

Relator: Paulo Emanuel Teixeira Abreu Costa
Adjuntos: Nuno Pires Salpico
Paula Natércia Rocha



Acórdão, julgado em conferência, na 1ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto:

I - Relatório.
AA, arguido, não se conformando com o despacho de pronúncia proferido no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro- Juízo de Instrução Criminal de Santa Maria da Feira-J2, que nos autos à margem referenciados decidiu pronunciar o arguido nos seguintes termos:

“Pelo exposto, incorreu o arguido na prática, em autoria material, na forma consumada de um crime de homicídio por negligência, previsto e punido pelo disposto nos arts. 15º/b) e 137º/1 do Código Penal.”, veio recorrer nos termos que constam, que ora aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os legais efeitos, concluindo pela forma seguinte (partes relevantes): (transcrição)
“1. Vem o presente recurso da Decisão Instrutória de Pronúncia proferida em 27-10-2022 e notificada ao mandatário do arguido em 02-11-2022, com a qual não pode conformar-se.
2. Em causa nestes autos estão os factos ocorridos em 19 de julho de 2019, decorridos já mais de três anos desde o sucedido e findo um longo inquérito, veio o Ministério Público, e bem, proferir despacho de arquivamento dos autos.

3. Face ao Requerimento de abertura de instrução do Assistente, veio a Digna Magistrada de Instrução proferir Despacho Instrutório de procedência do referido requerimento e em consequência pronunciar o aqui recorrente pela prática de um crime de homicídio por negligência, previsto e punido pelo disposto nos arts. 152/b) e 1372/1 do Código Penal.
4. E, nessa medida, não podemos deixar de fazer referência e elogiar o árduo trabalho desenvolvido pelo Ministério Público na condução desta investigação, que confrontado com a morte de um jovem- não baixou os braços, fazendo aquilo que se impõe ao titular da ação penal: procurou de facto saber o que sucedeu naquele fatídico dia, numa investigação que prima pelo rigor e eficiência na recolha da prova e que culmina, naturalmente, no arquivamento que V. Exas., não duvidamos, confirmarão!

5. Sendo a instrução requerida pelo assistente, como aqui é o caso o requerimento de abertura de instrução deve conter, para além dos requisitos plasmados nos art.º 287 n.º 2 e 283 n.º 3 al.ªs b) e c) do CPP, a narração própria de uma acusação, mediante a descrição dos factos integradores de um crime e a indicação da correspondente disposição legal que o tipifica.

6. Tal descrição factual deverá conter factos concretos, suscetíveis de integrar todos os elementos objetivos e subjetivos do tipo criminal que o assistente considere preenchido.

7. No caso dos autos o assistente, ao contrário daquilo a que estava obrigado, não fez no requerimento de abertura de instrução a necessária inventariação factual equivalente a uma acusação pública, nem indicou as normas alegadamente violadas.

8. (...) o assistente tem de fazer constar do requerimento para a abertura de instrução todos os elementos mencionados nas al.ªs referidas no n.2 3 do art.2 283 do CPP. Tal exigência decorre... de princípios fundamentais de processo penal, nomeadamente das garantias de defesa e da estrutura acusatória".

9. A não se entender assim violar-se-iam de modo desproporcionado as garantias de defesa do arguido e as regras dos art.gs 18 e 32 n.ºs 1 e 5 da CRP colocando, ao fim e ao cabo, nas mãos do juiz o estatuto de acusador, o que a lei não permite."

10. Acontece, porém, no caso que nos ocupa, a Meritíssima Juiz substituiu-se ao acusador lançando mão do preceituado no art.º 303.º do CPP.

11. Ou seja, sem que tenham sido levadas a cabo diligências instrutórias que o justificasse, e uma vez que do emaranhado de conclusões e agentes visados no Requerimento de Abertura de Instrução não se vislumbrava a concreta imputação de factos, com o objeto fixado com rigor e precisão, e em clara violação dos direitos de defesa do arguido, foi notificado à boca do debate instrutório de uma verdadeira acusação.
12. O requerimento de abertura de instrução apresentado não contém uma qualificação jurídico-penal certa dos factos e não é seguro quanto à versão factual que no entender do Assistente se verificou, tal como necessariamente se teria de verificar numa acusação.

13. Em suma, quando o Assistente requer a abertura da instrução para a comprovação judicial da decisão de arquivamento, em ordem a submeter a causa a julgamento, deve indicar, não só as razões pelas quais entende que o Ministério Público não deveria ter arquivado o inquérito, mas, ainda, os termos em que deveria ter deduzido acusação, por crime público ou crime semi-público e não uma pesca por arrastão como fez nos presentes autos.

14. Assim, por violação de tal obrigação, a decisão por esta via é nula.

15. Acresce que, a alteração levada a cabo em concreto nos pontos, 1., 6., 7., 8., 9., 12., 13., 14., 15., 16. e 17. do Despacho de Pronuncia configuram uma alteração substancial dos factos descritos no REQUERIMENTO DE ABERTURA DE INSTRUÇÃO.

16. Nenhum destes factos e considerações jurídicas resultam do REQUERIMENTO DE ABERTURA DE INSTRUÇÃO!!Tratando-se de um enquadramento fáctico e jurídico penal absolutamente novo levado aos autos por via do 303.2 do CPP que na verdade configura uma alteração substancial dos factos descritos no REQUERIMENTO DE ABERTURA DE INSTRUÇÃO.

17. Ora, sem necessidade de mais considerações resulta evidente que a alteração comunicada não configura uma "alteração não substancial", mas sim uma alteração substancial.

18. Foi em tempo e ao abrigo do preceituado no art.º 309.º do CPP arguida perante a Meritíssima JIC a nulidade que aqui se invoca. E reitera!

19. As correções e modificações feitas ao Requerimento de abertura de instrução não resultam, efetivamente, de novos indícios descobertos na instrução, pelo que não há lugar à aplicação do disposto no n.s 1 do artigo 303° do CPP;

20. Ou seja, a interpretação dos artigos ls, alínea f), 3039 do CPP de acordo com a qual é possível em fase de instrução o juiz proceder à sanação da ineptidão do Requerimento de Abertura de Instrução por omissão da narração de factos essenciais (em violação do disposto no artigo 283s do CPP] invocando uma "alteração não substancial dos factos" é inconstitucional por violação do disposto nos n.gs 1 e 5 do artigo 32Q da CRP;

21. As alterações comunicadas correspondem a uma global correção do Requerimento de Abertura de Instrução levado a cabo pela Meritíssima JIC, confundindo-se a função desta com a do MP, em desconformidade ao princípio do acusatório, violando-se o disposto no art.º 18º da CRP;

22. As alterações têm um impacto significativo no direito de defesa do arguido, sacrifício este que não é - no caso - justificado pelo interesse conflituante de prossecução penal, uma vez que o MP teve todas as mais justas e amplas oportunidades de deduzir uma acusação e não o fez, por considerar, e bem, que inexistiam indícios da prática do crime e que o mesmo não poderia ser imputado, ainda que a título de negligência, a ninguém;

23. A deficiência do requerimento de abertura de instrução não poderia ser suprida, na fase de instrução, com vista à prolação de despacho de pronúncia, nem sequer com recurso ao mecanismo previsto no art. 303.Q do CPP, pois que a alteração dos factos constantes desta que não constituíam crime, por falta de indicação de todos os seus elementos constitutivos, acrescentando-lhes outros que ali não se encontravam a fim de preencher os elementos em falta - assim transformando em típica uma conduta atípica -, teria forçosamente de ser considerada substancial, e, por isso, vedada, nos termos do disposto no n.º 3 daquele preceito, sob pena de nulidade.

24. O despacho de pronúncia é nulo nos termos do preceituado no art. 309º do CPP o que se requer seja reconhecido, apesar de já requerido e não ter merecido, ainda, despacho judicial.
Sem prescindir e, caso assim não se entenda, o que só por cautela académica se admite:

25. Da Decisão Instrutória de Pronúncia: Descrição indiciária que o Recorrente considera incorretamente indicados: 1., 6., 7., 8., 9., 12., 13., 14., 15., 16. e 17. do Despacho de Pronuncia;

26.A decisão que aqui se impugna começa logo com um erro inadmissível e só possível, porque tal como consta da gravação da inquirição da testemunha Presidente da Câmara Municipal ..., BB, ao minuto 3.33h, Meritíssima Juiz limitou-se a olhar para as fotografias sentindo até desnecessidade em se deslocar ao local.

27. Se o tivesse feito teria logo afastado a sua primeira conclusão de que não percebemos bem de onde provém, pois, a Rua ... é paralela à Rua ... e o caminho de terra batida que as une, tem origem na Travessa ... não é apto, há mais de 30 anos para a circulação automóvel.

28. A conclusão obvia de que se não trata de um caminho de acesso ao trânsito é dada pelo próprio Sr. Presidente da Câmara, que quando questionado pelo Digno mandatário do Assistente sobre de quem seria a legitimidade para fazer o corte no referido caminho, responde que a "legitimidade seria da Junta de Freguesia uma vez que se trata de um «caminho vicinal 15»"15 Vide depoimento em Instrução ao minuto 1.05 a 1.12H (na parte de respostas ao mandatário do Assistente)

29. Sendo um caminho vicinal, está exclusivamente destinado aos peões. Não se diga que se trata de um caminho público necessário para a passagem entre freguesias pois, basta atentar nos mapas da autarquia referentes ao respetivo PDM para se aferir que entre uma freguesia e a outra existem caminhos alcatroadas e de passagem permitida, o que não é de todo o caso do caminho ....

30. A ligação do caminho ... não é entre a Rua ... à Rua ... mas sim à Travessa ... e não é um caminho público destinado ao trânsito mas sim um caminho pedonal. Um mato, como bem disse o guarda CC quando inquirido.

31. Mal andou a decisão
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT