Acórdão nº 4479/22.1T8FNC-C.L1-1 de Tribunal da Relação de Lisboa, 21-03-2023

Data de Julgamento21 Março 2023
Ano2023
Número Acordão4479/22.1T8FNC-C.L1-1
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam as Juízas da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa
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1.Relatório


JBJ e mulher, MFB, apresentaram-se à insolvência, com pedido de exoneração do passivo restante, alegando encontrarem-se em situação de insolvência atual.

A insolvência dos requerentes foi declarada por sentença de 06/09/2022.

Foi dispensada a realização de assembleia de apreciação do relatório.

A Sra. Administradora da Insolvência juntou aos autos relatório, nos termos previstos no art. 155º do CIRE, no qual se pronunciou pelo prosseguimento dos autos para liquidação e, relativamente ao pedido de exoneração do passivo restante, emitiu parecer no sentido do seu deferimento caso nada conste do registo criminal.

Nenhum dos credores se pronunciou.

Por decisão do tribunal de 29/11/2022, foi decidido deferir liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante, tendo sido decidido, quanto à fixação do rendimento disponível:
“Cumpre agora proferir despacho inicial determinando a cessão do rendimento disponível.
Dispõe o art. 239.º, n.º 2 e 3, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas que:
2 O despacho inicial determina que, durante os três anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, neste capítulo designado período da cessão, o rendimento disponível que o devedor venha a auferir se considera cedido a entidade, designada fiduciário, escolhida pelo tribunal de entre as inscritas na lista oficial de administradores de insolvência (…)
3– Integram o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com exclusão:
a)- Os créditos a que se refere o artigo 115.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas cedidos a terceiro, pelo período em que a cessão se mantenha eficaz.
b)-Do que seja razoavelmente necessário para:
i)- o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional;
ii)- O exercício pelo devedor da sua actividade profissional;
iii)- Outras despesas ressalvadas pelo juiz no despacho inicial ou em momento posterior, a requerimento do devedor”.
Para averiguar do rendimento disponível, importa em primeiro lugar determinar o que constitui o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar. Tal montante tem de ser fixado pelo juiz e tem o seu mínimo naquele limiar a determinar casuisticamente, o seu máximo normal nos três salários mínimos nacionais, e o seu máximo excepcional acima deste último limite.
Ao contrário do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, que não menciona qualquer limite mínimo objectivo, aludindo antes a um conceito indeterminado, o art. 738.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, no âmbito do processo executivo, estabelece um limite mínimo objectivo indexado ao salário mínimo nacional.
Com efeito, “o salário mínimo nacional contém em si a ideia de que a remuneração básica estritamente indispensável para satisfazer as necessidades impostas pela sobrevivência digna do trabalhador e que por ter sido concebido como o mínimo dos mínimos não pode ser, de todo em todo, reduzido, qualquer que seja o motivo.” (cf. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 117/2002 e n.º 96/2004)
Assim sendo, tem de aceitar-se que o salário mínimo nacional é o limite que assegura a subsistência com o mínimo de dignidade. Deverá ainda considerar-se o número de membros do agregado familiar, dependentes do rendimento do insolvente, e despesas do mesmo.
No presente caso, o agregado familiar dos insolventes é constituído pelos próprios, residindo numa habitação cedida por uma filha.
Ambos se encontram reformados, auferindo pensões de reforma de valor inferior a € 400,00.
Elencam despesas no valor total de € 935,46, invocando, ainda, a existência de despesas extraordinárias referentes a saúde.
Apelando-se à escala da OCDE, a «escala de Oxford», para determinação da capitação dos rendimentos de um agregado familiar, temos que o índice 1 é atribuído ao 1.º adulto do agregado familiar e o índice 0,7 aos restantes adultos do agregado familiar, enquanto às crianças se atribui sempre o índice 0,5. (cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo n.º 1855/14.7TCLRS-7, de 11/10/2016, disponível em www.dgsi.pt)
Assim, considerando a composição e despesas do agregado familiar dos insolventes, fixo como sustento minimamente digno o montante correspondente a 1,7 salário mínimo regional, que em cada momento vigorar.
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Pelo exposto, nos termos do art. 239.º n.º 2, 3 e 4 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, determino que:
a)- Durante os três anos subsequentes ao encerramento do processo os insolventes ficam obrigados a:
(i)- não ocultar ou dissimular quaisquer rendimentos que aufira, por qualquer título, e a informar o tribunal e o fiduciário sobre os seus rendimentos e património na forma e no prazo em que isso lhe seja requisitado;
(ii)- exercer uma profissão remunerada, não a abandonando sem motivo legítimo, e a procurar diligentemente tal profissão quando desempregado, não recusando desrazoavelmente algum emprego para que seja apto;
(iii)- entregar imediatamente ao fiduciário, quando por si recebida, a parte dos seus rendimentos objecto de cessão;
(iv-) informar o tribunal e o fiduciário de qualquer mudança de domicílio ou de condições de emprego, no prazo de 10 dias após a respectiva ocorrência, bem como, quando solicitado e dentro de igual prazo, sobre as diligências realizadas para a obtenção de emprego; e
(v)- não fazer quaisquer pagamentos aos credores da insolvência a não ser através do fiduciário e a não criar qualquer vantagem especial para algum desses credores.”

Inconformados com a parte da decisão respeitante à fixação do montante do rendimento disponível, apelaram os insolventes pedindo seja revogada a sentença recorrida, fixando-se como sustento minimamente digno para cada um dos Recorrentes o montante correspondente a uma retribuição mínima mensal garantida em vigor na Região Autónoma da Madeira que em cada momento vigorar e apresentando as seguintes conclusões:
I.–Na decisão recorrida foi proferido despacho inicial de exoneração do passivo restante que fixou o rendimento indisponível dos Recorrentes em 1,7 salários mínimos em vigor na Região Autónoma da Madeira, por aplicação da Escala de Oxford.
II.–Os Recorrentes são casados entre si e são ambos reformados, auferindo pensões de valor inferior a € 400,00 cada.
III.–A decisão recorrida limitou-se a aplicar acriticamente uma escala internacional que não tem valor legal, como vem sido referido por jurisprudência recente dos tribunais superiores.
IV.–Deve ser recusada a aplicação do disposto no 239.º, n.º 1, alínea b), subalínea i) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas quando interpretado no sentido de que, em caso de insolvência de ambos os cônjuges, pode ser fixado como rendimento indisponível para cada um deles valor inferior à retribuição mínima mensal garantida aplicável, por violação do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana inscrito no artigo 1.º da Constituição da República Portuguesa.
V.–A decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que fixe como sustento minimamente digno para cada um dos Recorrentes o montante correspondente a uma retribuição mínima mensal garantida em vigor na Região Autónoma da Madeira que em cada momento vigorar, assim se fazendo justiça.”

Não foram apresentadas contra-alegações.

O administrador da insolvência pronunciou-se, sem pedir a procedência ou improcedência do recurso.

O recurso foi admitido por despacho de 09/01/2023 (ref.ª 52886335).
Foram colhidos os vistos.
Cumpre apreciar.
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2.–Objeto do recurso

Como resulta do disposto nos arts. 608º, n.º 2, aplicável ex vi art. 663º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4, 639.º n.ºs 1 a 3 e 641.º n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio e daquelas cuja solução fique prejudicada pela solução dada a outras, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso. Frisa-se, porém, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito – art.º 5º, nº3 do mesmo diploma.
Consideradas as conclusões acima transcritas a questão a decidir é a da determinação do montante relativo ao sustento minimamente digno dos devedores, para os efeitos da exoneração do passivo restante, designadamente se pode ser fixado um montante inferior a uma remuneração mínima garantida por cada devedor.
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3.–Fundamentos de facto:
Foi a seguinte a matéria de facto considerada relevante
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