Acórdão nº 447/23.4T8PTM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2023-12-18

Ano2023
Número Acordão447/23.4T8PTM.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

No Juízo do Trabalho de Portimão, AA demandou Sociedade de Pesca Lírios do Mar, Lda., peticionando a declaração de ilicitude do seu despedimento verbal e a condenação da Ré no pagamento de retribuições em falta e respectivos juros.
Na contestação, a Ré invocou a ineptidão da petição inicial e impugnou a matéria de facto ali alegada.
No saneador foi a aludida excepção julgada improcedente e os autos prosseguiram para julgamento.
Na data designada para a audiência de julgamento – 20.04.2023, para a qual as partes haviam sido convocadas para comparecer – o Ilustre Mandatário da Ré (que tinha procuração com poderes especiais para confessar, desistir ou transigir) comunicou que renunciava ao mandato.
Na audiência de julgamento, o legal representante da Ré e o seu Ilustre Mandatário não compareceram.
Nessa data, foram ouvidos o A. em declarações de parte e uma testemunha comum. Foi ainda determinado o cumprimento do disposto no art. 47.º do Código de Processo Civil e designada data para continuação da audiência de julgamento (18.05.2023).
Foi enviada carta registada com A/R para a Ré, notificando-a da renúncia do seu mandatário e para constituir novo mandatário, no prazo de 20 dias. No mesmo acto, foi notificada da data designada para continuação da audiência de julgamento e para comparecer pessoalmente.
Esta carta, enviada para a morada onde a Ré havia sido citada, veio devolvida, pelo que foi enviada nova carta registada com aviso de recepção, a qual foi depositada no receptáculo postal daquela morada.
Na data designada para a continuação do julgamento (18.05.2023), as partes e os seus Ilustres Mandatários não estavam presentes.
Nessa data foi proferido despacho com o seguinte teor: “Nos termos do artigo 71.º, n.º 2 do Código de Processo do Trabalho e, uma vez que a ré faltou injustificadamente à audiência de julgamento do dia 20 de Abril de 2023 e não se fez representar por mandatário judicial, consideram-se confessados os factos alegados pelo autor, os quais são pessoais da ré.”
Este despacho foi notificado aos Ilustres Mandatários, que nada disseram.
Após, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, declarando ilícito o despedimento promovido pela Ré e condenando-a a pagar ao A.:
a) A quantia líquida de € 4.700,01, a título de indemnização por despedimento;
b) A quantia ilíquida de € 1.566,67 por mês desde 07.01.2023 e até trânsito em julgado da sentença, incluindo subsídio de férias e Natal;
c) A quantia ilíquida de € 4.700,00 relativa aos salários em dívida.

Nas respectivas alegações, a Ré afirma recorrer quer da sentença condenatória, quer do despacho interlocutório de 18.05.2023, supra transcrito.
Uma vez que as suas conclusões não são um modelo de capacidade de síntese, como o deveria fazer – art. 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil – aqui se enunciam sucintamente as questões a decidir no recurso, como decorre do art. 663.º n.º 2 do mesmo diploma:
1.ª Nulidade da sentença por contradição entre a fundamentação e a decisão: o A. peticionou o pagamento de juros, a sentença afirmou na fundamentação que “apenas deve ser improcedente a parte do pedido relativo a despesas de alimentação, compras de produtos alimentares e produtos de limpeza (que se alegou terem sido suportados por quem não é parte no processo)”, mas o dispositivo omitiu qualquer referência aos juros.
2.ª É conclusiva a matéria de facto que consta na sentença nos pontos 1.7, 1.8, 1.9, 1.19, 1.23 e 1.25.
3.ª Por confissão do A., deve ser considerado provado o seguinte: “Após o dia 10/01/2023, quando respondeu à nota de culpa, o Autor ainda se considerava trabalhador da ́.”
4.ª Daqui se conclui que nunca o A. recepcionou uma declaração proferida pelo representante-legal da Ré que permitisse entender que tinha sido alvo de qualquer tipo de despedimento, quer verbal quer não verbal.
5.ª Erro na aplicação do disposto no art. 71.º n.º 2 do Código de Processo do Trabalho, pois a Ré não foi notificada pessoalmente para comparecer no dia marcado para julgamento.
6.ª Erro na aplicação das regras do ónus da prova, pois o A. não demonstrou a data de início da relação laboral, e muito menos que o fizesse desde Fevereiro de 2022.
7.ª Também não foi realizada prova da sua antiguidade e da retribuição que auferia.
8.ª A relação entre as partes não demonstra subordinação jurídica mas uma figura afim do contrato de trabalho, pois ocorria partilha de lucros com a Ré.

Não foi oferecida resposta.
Nesta Relação de Évora, a Digna Magistrada do Ministério Público produziu parecer, propondo que ao recurso fosse negado provimento.
Cumpre-nos decidir.

Da arguição de nulidade da sentença
Argumenta a Ré que a sentença incorreu em nulidade, nos termos do art. 615.º n.º 1 al. c) do Código de Processo Civil, por contradição entre a fundamentação e a decisão, pois disse que a acção improcedia quanto a outros créditos invocados pelo A., mas o dispositivo omitiu a condenação de juros.
Alberto dos Reis[1] escrevia que esta nulidade verifica-se “quando a sentença enferma de vício lógico que a compromete (…)”, quando “a construção da sentença é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto.”
E também se escreveu[2] que a lei refere-se “à contradição real entre os fundamentos e a decisão e não às hipóteses de contradição aparente, resultantes de simples erro material, seja na fundamentação, seja na decisão. (…) (Nestes) casos (…), há um vício real de raciocínio do julgador (e não um simples lapsus calami do autor da sentença): a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente.”
No caso, não se vislumbra essa contradição real entre os fundamentos e a decisão – na fundamentação nada se diz quanto aos juros, e o mesmo se passa na decisão.
Resta, pois, declarar que a nulidade invocada pela Ré não ocorre.

Da alteração da decisão de facto
A Ré alega ser conclusiva a matéria de facto que consta na sentença nos pontos 1.7, 1.8, 1.9, 1.19, 1.23 e 1.25.
Vejamos o que consta desses pontos da sentença recorrida:
“1.7 A Ré nunca facultou ao Autor cópia do referido contrato de trabalho a termo incerto.
1.8 No exercício das suas funções laborais para com a ré, o Autor servia como Mestre de Embarcação da Embarcação de Pesca denominada Lírios do Mar, na Doca de Portimão.
1.9 Nos termos do contrato de trabalho celebrado entre as partes, a Entidade Patronal disponibilizava ao (continua o texto no ponto 1.10, como “Autor e demais tripulantes da embarcação Lírios do Mar, um armazém para habitação e suporte para a tripulação, sito em …, valor do qual era descontado do salário pago aos trabalhadores.)”
(…)
1.19 A Lírios do Mar não reúne os requisitos legais de segurança para sair do Porto de Pesca.
(…)
1.23 Após cada expedição, a embarcação necessita de ser reparada, dado o estado precário da embarcação.
(…)
1.25 O sócio-gerente da Ré deslocou-se no dia 9 de Janeiro, acompanhado de um familiar seu, tendo dito ao Autor para sair imediatamente da habitação, bem como despediu o Autor verbalmente.”
Apreciando, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.01.2021 (Proc. 2999/08.0TBLLE.E2.S1)[3], escreve-se o seguinte:
«(…) como é sabido, em sede de fundamentação de facto (traduzida na
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