Acórdão nº 4403/21.9T8LRS.L1-8 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-12-07

Ano2023
Número Acordão4403/21.9T8LRS.L1-8
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes que compõem a 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:


I.–Relatório


A…. instaurou no Cartório Notarial da Dra. …., sito em …., o presente inventário, na sequência de divórcio, para partilha dos bens comuns do dissolvido casal, sendo requerida B…. .
Após incidente de remoção do cabeça de casal, foi nomeada cabeça de casal a requerida, que apresentou relação de bens em 27 de abril de 2017.
Apresentada reclamação à relação de bens, veio a mesma ser decidida em 22 de janeiro de 2018, com juízo de procedência.
Em 6 de julho de 2018 foi proferido despacho de saneamento do processo com marcação de conferência preparatória.
Em 17 de outubro de 2018 foi realizada conferência preparatória na qual foi considerada notificada a requerida/cabeça de casal, ao abrigo do disposto no artigo 249/2 do CPC, e foi aprovado pelo requerente o passivo à Caixa Geral de Depósitos, SA. Na referida diligência foi proferido despacho que marcou data para a realização de conferência de interessados, não reconheceu o passivo das verbas 6,7, 8, 9,10 e 11, aditou à relação de bens os bens constantes das verbas 1 a 21 da reclamação à relação de bens.
Em 17 de outubro de 2018 foi enviada carta à requerida/cabeça de casal notificando-a da ata da conferência preparatória. Esta carta veio devolvida com a menção “Não reclamada” em 7 de novembro de 2018.
Em 21 de novembro de 2018 foi realizada conferência de interessados, na qual foi considerada notificada a requerida/cabeça de casal ao abrigo do disposto no artigo 249/2 do CPC e foi adjudicado ao requerente o imóvel que constitui a verba n.º1 por €79.200,00.
Em 21 de novembro de 2018 foi enviada carta para notificação do ilustre mandatário da requerida/cabeça de casal da ata da conferência de interessados.
Em 20 de janeiro de 2020 o requerente fez uso da faculdade prevista nos arts. 12º e 13º da Lei nº 117/2019, de 13.09, e em consequência os autos foram remetidos ao Juízo de Família e Menores de …., por despacho datado de 17 de maio de 2022.
Em 26 de janeiro de 2022 é proferido despacho que marca conferência para composição de quinhões de não licitantes (artigo 1117 do CPC).
Em 3 de maio de 2022 é realizada conferência de interessados em que requerente e requerida/cabeça de casal acordam na adjudicação em comum de todos os bens não licitados. Nesta diligência o ilustre mandatário da requerida/cabeça de casal consigna a seguinte posição: “Com a reserva de que o presente acordo não significa a aceitação da adjudicação consumada em sede de cartório notarial, para o qual utilizará os meios processuais que ao caso couber em sede de Tribunal civil, designadamente uma ação de nulidade quanto à adjudicação do imóvel”.
O requerente e a requerida/cabeça de casal são notificados para proporem a forma à partilha, o que apenas o requerente vem a fazer em requerimento datado de 17 de maio de 2022.
Em 26 de setembro de 2022 é proferido despacho que designa dia para a realização da conferência de interessados (artigo 1111 do CPC).
Em 7 de novembro de 2022 é realizada a conferência de interessados na qual o requerente e requerida mantém o acordado na conferência que teve lugar no dia 3 de maio de 2022. É proferida sentença homologatória da partilha na referida diligência.

É desta sentença que a requerida vem recorrer, apresentando alegações e formulando, a final, as seguintes “Conclusões:
I–O presente processo de inventário tramitou no Cartório Notarial da Dra. …., com sede em … e sob o n.º…..
Tendo posteriormente sido transferido para o tribunal a quo, a pedido do Recorrido.
II–Em sede de tramitação do processo de inventário no Cartório Notarial identificado na conclusão anterior, a Recorrente não foi notificada para a Conferência de Interessados como também não tinha sido notificada para a Conferência Preparatória. Apesar disso, a Conferência de Interessados realizou-se na data marcada e foram abertas licitações em que o único presente era o Interessado na partilha, o ora Recorrido.
III–A Interessada ora Recorrente, e ausente (não notificada), não teve possibilidade de licitar quaisquer bens.
Por seu turno, o Interessado, ora Recorrido, ciente de que a sua proposta era única, adjudicou a casa de morada de família por um valor irrisório, se se considerar que, à data da entrega da relação de bens apresentada pela Recorrente, o valor atribuído era de €141.500,40.
IV–Com a agravante de que a partir de 15/12/2009, data da dissolução do casamento e da assinatura pelos cônjuges de um contrato de promessa de partilha, foi a Recorrente que assumiu, até à presente data, o pagamento de todas as prestações em dívida à mutuante Caixa Geral de Depósitos, da casa de morada de família onde vive com as duas filhas do casal, sendo uma delas menor.
V–É certo que a Recorrente tinha mandatário constituído, mas com poderes gerais forenses, o que o inibia de a poder representar para os efeitos da licitação.
VI–De todo o modo, as licitações só devem ter lugar na falta de acordo, e este só é possível se todos os interessados comparecerem ou se se fizerem representar.
VII–Pelo que urge declarar nula a Conferência de Interessados que se realizou no processo de inventário n.º …., que correu termos no Cartório Notarial da Dra. …., e por violação do princípio da equitatividade consagrado no art.º 20º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.
VIII–Devendo ser proferido despacho pelo tribunal a quo que designe dia para a realização da Conferência de Interessados a que se refere o art.º 47º da Lei 23/2013, de 5 de Março.
IX–A Recorrente só teve conhecimento da licitação da casa de morada de família por parte do Interessado, ora Recorrido, aquando da Conferência de Interessados do dia 03/05/2022, vindo depois a constatar no cartório notarial que tinham sido devolvidos 4 sobrescritos alegadamente remetidos para a caixa de correio da Recorrente.
X–In extremis, e mal refeita da notícia, o mandatário judicial fez consignar na acta de Conferência de Interessados de 03/05/2022, de que o acordo proposto pelo Mmo. Juiz não significava a aceitação da adjudicação consumada em sede de Cartório Notarial, isto é, sem o conhecimento da Recorrente.
XI–Daqui resultando que o Mmo Juiz do tribunal a quo teve conhecimento da reserva consignada pela Recorrente na Conferência de Interessados, como teve necessariamente de todos os trâmites do processo em sede notarial.
XII–No entendimento da Recorrente, caberia ao Mmo. Juiz indagar da legalidade de todo o processado na tramitação do inventário em sede notarial porque a questão foi levantada pela Recorrente, relativamente à adjudicação da casa de morada de família, suscitando-se, desde já, a inconstitucionalidade da Lei dos art.ºs 28º e 29º da Lei 23/2013, de 5 de Março, por violação do art.º 20º , n.º 4 da CRP, se interpretados no sentido de que as devoluções de cartas registadas alegadamente remetidas a um interessado na partilha, constituem, de per si, prova bastante do seu alheamento do processo e logo numa questão tão premente como é a titularidade da casa de morada de família.
XIII–Acresce que, o seu mandatário judicial já tinha informado a Sra. Notária acerca das dificuldades relacionadas com a nova plataforma que entrou em vigor para o específico fim de tramitação de processo de inventário nos Cartórios Notariais, tendo enviado por mail o comprovativo em como tinha iniciado a intervenção no Proc. 3275/16, através do sistema informático exigível.
XIV–E das vicissitudes processuais, apresentadas pelo seu mandatário judicial, consta uma impugnação de investidura do Recorrido como cabeça de casal e da oposição ao inventário apresentado pelo Recorrido, com impugnação das verbas 21, 22, 23 e 24, e requerimento de inquirição de 5 testemunhas.
XV–Outrossim, a Recorrente, na qualidade de cabeça de casal, apresentou em 27/04/2017 à Sra. Notária, uma relação de todos os bens que hão-de figurar no inventário e reportada a 15/12/2009, data em que os cônjuges assinaram o contrato de promessa de partilha, apenso ao processo de divórcio por mútuo consentimento n.º 674/2010, decretado na mesma data.
XVI–Em 27/04/2017 também foi apresentado à Sra. Notária um apenso informativo à relação de bens, com cópia do contrato promessa de partilha, rubricado e assinado pelas partes.
Em resumo:
a)- A sentença de homologação da partilha enferma do vício de nulidade nos termos do art.º 615º, n.º 1, al, d), 1ª parte, do Código de Processo Civil, uma vez que o Mmo. Juiz do tribunal a quo conheceu da reserva suscitada pela Recorrente no que se refere à licitação ilegal da casa de morada de família por parte do Recorrido, e não proferiu qualquer despacho, apesar de ter havido uma segunda Conferência em 07/11/2022;
b)- Sem conceder, a Conferência de Interessados que se realizou no processo de inventário n.º …., que correu termos no Cartório Notarial da Dra. …., deve ser declarada nula, por violação do princípio da equitatividade consagrado no art.º 20º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, uma vez que não há notícia de que a Recorrente se tenha abstido de ignorar qualquer aviso de registo do correios relativos a correspondência remetida pelo Cartório e que lhe interessavam sobremaneira face à falta de palavra do seu ex-marido na concretização do acordo de partilha livremente assinado após o seu abandono do lar conjugal, deixando-a só com duas crianças menores.
c)- Sendo certo que bastaria um simples telefonema de qualquer funcionário do Cartório para evitar a sua ausência na Conferência de Interessados, considerando que a Recorrente não reside nem trabalha a mais de 500 metros do Cartório, até porque foram divulgadas várias reclamações de reformas não levantadas por idosos por não terem sido entregues nas caixas de correio dos seus destinatários, na área de Sacavém”.

O requerente respondeu ao recurso interposto pela requerida/cabeça de casal, alegando que o recurso
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