Acórdão nº 4354/20.4T8ALM.L1-2 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-11-10

Ano2022
Número Acordão4354/20.4T8ALM.L1-2
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os juízes da 2ª secção (cível) do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. RELATÓRIO
ZO, intentou ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra JL; LV e, ROYAL PEARL, INVESTIMENTOS UNIPESSOAL, LDA., pedindo que estes sejam condenados a reconhecer o seu direito de propriedade em adquirir a fração do imóvel de que é arrendatária.
Foi proferida sentença que absolveu os réus de todos os pedidos contra os mesmos formulados.
Inconformada, veio a autora apelar da sentença, tendo extraído das alegações[1],[2] que apresentou as seguintes
CONCLUSÕES[3]:
I - Na comunicação por carta registada datada de 18 de Fevereiro de 2020, o Réu – JL -, para além da expressa intenção de venda, das condições de venda e valores e prazo para a celebração do contrato de compra e venda acrescentou: «(…) 6. Sendo o prédio vendido na totalidade e não estando o mesmo constituído em propriedade horizontal V. Exª. tem preferência na compra do local onde habita ou de todo o prédio conjuntamente com todos os inquilinos. Por último, informo que o exercício do direito de preferência deverá ser exercido. Sob pena de caducidade, no prazo de 30 dias após a receção da presente. (…)».
II - O contrato – promessa existe e está reduzido a escrito constituído pela comunicação assinada pelo obrigado da preferência e a aceitação assinada pelo preferente, sendo que o contrato- promessa de bens imóveis deve ser reduzido a escrito, como é o caso da notificação para o exercício do direito de preferência acompanhado do projeto contratual e o respetivo clausulado e por outro a declaração de aceitação por parte do preferente, tornando as declarações irrevogáveis - que fazem prova da existência do contrato-promessa – artºs. 410º. nº. 2 e 230º. do Código Civil. Ficando o vendedor obrigado a alienar a coisa ao preferente.
III - A declaração do preferente de que pretende exercer o seu direito resulta para o obrigado à preferência a obrigação de celebração do contrato.
IV - A aceitação por parte do preferente vincula o obrigado e, igualmente, o próprio à realização do contrato, nos termos do projeto e do clausulado transmitido. - cfr. Ac. do STJ de 27 de Novembro de 2018. Pro. 14589/17.1T8PRT.P1.S1. Relator: Cabral Tavares.
V - As comunicações entre o obrigado à preferência e a preferente foram realizadas através de documento escrito e assinado pelos próprios daí que se entenda que se concluiu um contrato - promessa. Neste sentido,
VI - Se a comunicação do obrigado à preferência e a resposta do preferente forem feitas em documento assinado (A, por ex., tendo-se comprometido a dar preferência a B na venda de determinado prédio rústico, comunica-lhe por carta que projeta vendê-lo a C e indica as cláusulas da projetada venda; B, também por carta, responde que quer preferir) deve entender-se que se concluiu um contrato promessa. (cfr. artº. 410º. nº. 2 do Código Civil) com as respetivas consequências. – cfr. Antunes Varela in Código Civil Anotado Pires de Lima e Antunes Varela, Coimbra: Coimbra Editora, Limitada. 4ª. ed. Revista e Atualizada, pág. 391.
VII - A obrigação de preferência é uma obrigação de celebração do contrato que é objeto sendo legitimo ao preferente recorrer à Execução específica. Neste sentido,
VIII - Compreendendo a obrigação de preferência uma obrigação de celebração do contrato que é objeto, quando o vinculado exprima a decisão da sua celebração e do respetivo conteúdo clausular, também o preferente pode recorrer ao instrumento do artº. 830º. do Código Civil para obter a sentença substitutiva do título contratual, se o obrigado não celebrar com ele espontaneamente o contrato devido. - cfr. M. Henrique Mesquita, Obrigações reais e ónus reais, op. cit., pp 213 e 214, nota 137.
IX - M. Henrique Mesquita, Obrigações reais, e ónus reais, op. cit. págs. 209 a 213 e notas 131, 132 e 137 afirma, essencialmente, que da declaração do preferente de que pretende exercer o seu direito resulta para o obrigado à preferência a obrigação de celebração do contrato.
X - Antunes Varela diz que o notificado não é, no bom rigor das coisas, chamado a preferir; é sim chamado a contratar, se quiser. Ele tem o direito de ser chamado a preferir, não apenas o direito de ser chamado a contratar». – in Antunes Varela, em anotação ao Ac. STJ, de 22.2.84, RLJ 3777, 363.
XI - A notificação para o exercício do direito de preferência com os termos do contrato, objeto da venda, preço, condições de pagamento e todo o clausulado e demais informações sobre a venda, pelo obrigado à preferência que permita uma decisão esclarecida na aceitação das condições do contrato pelo preferente é uma proposta contratual, nos termos legalmente estabelecidos, tal como é o entendimento doutrinal e jurisprudencial maioritário.
XII - Em resumo desde que os requisitos enunciados no nº. 1 do Artº. 416º. Estejam preenchidos, ou seja, desde que a comunicação para a preferência contenha os elementos necessários à decisão do preferente, aquela deve ser qualificada como uma proposta de contrato. (Sublinhado nosso) – Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Proc. 4139/15.0T8VIS-C, DE 26/06/2020, Relator: Manuel Capelo, in Coletânea de Jurisprudência nº. 303, Ano XLV , Tomo III, 2020.Coimbra, pág. 31.
XIII - Segundo Ana Prata comunicação do obrigado ao preferente é qualificada pela doutrina, muito vulgarmente, como, a um só tempo, notificação para a preferência e proposta contratual que terá de ter os requisitos substanciais, nos termos do artº. 416º. nº. 1 do Código Civil, para assim poder ser qualificada - in O Contrato-Promessa e Seu Regime Civil, 2ª. Reimpressão da ed. de 1994. Coimbra: Almedina, 2006, pp. 384 e ss – como acontece no caso sub judice.
XIV - Segundo a Ana Prata, «compreendendo a obrigação de preferência – tanto a legal como a contratual - uma obrigação de celebração do contrato que é seu objeto, quando o vinculado exprima a decisão da sua celebração e do respetivo conteúdo clausular, também o preferente pode recorrer ao instrumento do artº. 830º. do Código Civil para obter sentença que substitutiva do título contratual, se o obrigado não celebrar com ele espontaneamente o contrato devido.
XV - Também aqui há obrigação de celebrar certo contrato, emergente de fonte voluntária ou da lei, pelo que também aqui se justifica, em aplicação direta – se a fonte do direito de preferência for convencional – ou analógica – se a sua fonte for legal – o recurso à execução específica.” - in O Contrato-Promessa e Seu Regime Civil, 2ª. Reimpressão da ed. de 1994. Coimbra: Almedina, 2006, p. 899.
XVI - Ora, a comunicação do obrigado ao preferente, nos termos do artº. 416º. nº. 1 do Código Civil, contém um projeto de venda e as cláusulas do respetivo contrato, com todos os elementos estruturais, trata-se de uma declaração séria concreta e objetiva que uma vez recebida pelo preferente o obriga a decidir num curto espaço de tempo, sendo que uma vez aceite torna a proposta irrevogável, com base nas comunicações escritas e assinadas entre o obrigado à preferência e o preferente.
XVII - Decorre do conteúdo das várias declarações do 1.º R. que não existe erro na sua declaração negocial, nem quanto ao objeto nem quanto à vontade de vender.
XVIII - Relativamente à noção de erro-vício, ensinava Manuel A. Domingues de Andrade – “Designa-se erro-vício a ignorância (falta da representação exata) ou numa falsa ideia (representação inexata), por parte do declarante, acerca de qualquer circunstância de facto ou de direito que foi decisiva na formação da vontade, por tal maneira que se ele conhecesse o verdadeiro estado das coisas não teria querido o negócio, ou pelo menos não o teria querido nos precisos termos em que o concluiu. Trata-se pois de um erro que se insinua na motivação da vontade negocial do declarante, que recai sempre nos motivos determinantes dessa vontade. Pode, portanto, chamar-se-lhe, com os alemães, erro-motivo. Exemplo: A compra a B um prédio C na crença de existirem nele águas subterrâneas que pretende explorar, mas verifica depois que essas águas não existem. A divergência que de certo modo existe é entre a vontade efetiva e uma certa vontade hipotética ou eventual – a que o declarante enganado teria tido se não estivesse sob a
influência do erro”. – cfr. Manuel A. Domingues Andrade – in teoria Geral da Relação Jurídica, volume II Facto Jurídico, em Especial Negócio Jurídico, Livraria Almedina: Coimbra 1960. Página 233.
XIX - Não estão reunidos os pressupostos para ação de preferência, na sequência da comunicação da intenção da venda por parte do obrigado à transferência ao preferente que recebe à comunicação e aceita as condições do contrato, cláusulas, preço, condições de pagamento e local da escritura, bem como o pagamento do IMT, consumando o contrato, considerando a lei a proposta eficaz e irrevogável, vinculando-os à celebração do contrato definitivo. O Tribunal a quo ao conhecer da nulidade relativa contida no artº. 410º. nº. 3 do Código Civil, exorbitou as suas funções e poderes. Porquanto,
XXI - As nulidades relativas não operam ipso jure – cfr. cfr. Manuel A. Domingues Andrade – in teoria Geral da Relação Jurídica, volume II Facto Jurídico, em Especial Negócio Jurídico, Livraria Almedina: Coimbra 1960. Página 419. – não são de conhecimento oficioso. Neste sentido,
XXII - pronunciou-se o STJ no seu Douto Acórdão de 18/09/2007 (Revista n.º 1813/07 – 1.ª Secção, Relatora Moreira Alves, em Sumários de Acórdãos do STJ – Secções Cíveis de
2007, acessível em www.dgsi.pt) da seguinte forma: “V – Permitir-lhe, agora, vir prevalecer-se da nulidade seria violar, não só a razão de ser da exigência das formalidades omitidas (fim social do direito), como a confiança que o autor, com a sua atuação criou na ré de que a nulidade não
seria arguida, o que tudo excederia manifestamente os limites impostos pela boa-fé e pelos bons costumes (art.º 334.º do CC). VI
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